Governo Lula

16/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Não, caro migalheiro Olavo Príncipe Credidio, no momento estou cá, no Brasil, mais especificamente em São Paulo. Mas, já estive lá, no exterior, em muitos países, em muitos mais do que sonha sua vã filosofia, em razão de congressos ou até de viagens de turismo, de que muito gosto. Quanto à sua segunda pergunta, a resposta também é negativa, pois não acredito em tudo que falam e nem o que dizem do exterior. Na maior parte das vezes, conheço porque lá estive, vi e conheço. Quando li o último texto do colega, fui para casa pensando em alguma falha minha: será que nos conhecemos e não me lembro? Será que, por acaso me conhece? Como sabe ele por onde estive e por onde andei? Mas, como conclui que não me conhece, sinceramente, considerei deselegantes suas palavras, pois não sou de acreditar no que dizem. Viajo, e muito. Conheço, praticamente, o mundo todo, ou boa parte dele. Viajo muito, a passeio ou a trabalho. Talvez um dia possamos nos encontrar e trocar nossas impressões de nossas viagens. É sempre bom recordar. Quanto à Coréia, a do Sul, por exemplo, seu crescimento nos últimos anos, nos últimos 30 anos para ser mais exato, foi espetacular. Seu PIB, que era de US$ 100 em 1963, quando entramos no regime militar, chegou a quase US$ 10.000 em 2003. É uma das 10 maiores economias do mundo. A tecnologia sul-coreana ultrapassou até mesmo a do Japão. O amigo já ouviu falar nos Tigres Asiáticos? Pois bem, a Coréia do Sul é o mais forte deles. São de lá empresas como Daewoo, Hyundai, Kia Motors, LG, Samsung e muitas outras. Nos anos 50, o país estava destruído por uma guerra civil que destruiu o país ao meio. Hoje, é um país apaixonado pela educação. Todos os professores têm curso superior. Todos os alunos têm oito horas de aula por dia. Oito em cada dez alunos chegam à Universidade. Os coreanos são os melhores alunos do mundo. Abram Szajmar, falando da Coréia do Sul, e da educação, fez um paralelo interessante com o Brasil:

'A educação selou um pacto do povo coreano com a democracia e o futuro, além de contribuir para o aumento da mobilidade social, por meio da expansão da classe média. No confronto com a cultura estrangeira importada, houve uma redescoberta dos valores tradicionais, proporcionando uma nova síntese da cultura nacional. Em 1970, apenas pouco mais de 200 mil alunos cursavam o ensino superior na Coréia do Sul, o equivalente a 0,62% de uma população de 30 milhões de habitantes. Em 2003, de uma população de 48 milhões de pessoas, mais de 3,5 milhões ou 7,4% cursavam alguma faculdade no país. Também no ano passado 162 mil estudantes sul-coreanos faziam graduação tecnológica, mestrado e doutorado nos Estados Unidos, no Japão e na Inglaterra.

Enquanto isso, no Brasil, havia cerca de 425 mil alunos no ensino superior em 1970, que representavam 0,45% da população. Em 2003 esse percentual havia sido ampliado em apenas 3,5 vezes, enquanto o salto na Coréia do Sul foi de 12 vezes, em idêntico espaço de tempo. Como resultado, no ano 2000 as exportações brasileiras totalizavam US$ 55 bilhões, enquanto a diminuta Coréia somava US$ 155 bilhões, quase o triplo. A educação, como se pode ver, faz toda a diferença.'

Se o colega for à Coréia do Sul poderá notar a mudança havida, visível nos prédios, nas ruas, nos carros, nas casas das pessoas. 90% dos sul-coreanos têm acesso à internet, o nível de vida é bastante elevado, 63% dos sul-coreanos pagam suas contas usando seus celulares, que são coreanos, é claro. A Coréia do Sul lançou a TV digital, já há anos. Quanto à Índia, o crescimento econômico do país é indubitável, se bem que deve ser mais difícil administrar um país com mais de um bilhão de habitantes, o segundo mais populoso do mundo, a maior democracia do mundo, com uma herança colonialista tão severa como a que teve que enfrentar. Mesmo assim, a Índia cresce, economicamente, muito mais que o Brasil. Há algum tempo, o economista André Nassif, do BNDES, apresentou um estudo sobre o desempenho, nas três últimas décadas, da economia da Índia, comparando-a com a performance econômica brasileira. Explicava ele que partindo de bases econômicas muito menos promissoras, a Índia conseguiu manter, desde os anos 80, um ritmo de crescimento vigoroso, nos deixando longe para trás:

'Na realidade, a relação com o Brasil virou de cabeça para baixo a partir dos anos 80, quando se inicia o nosso ciclo de décadas perdidas. Entre 1950 e 1980, a Índia crescia numa base anual média de magros 3,7%, enquanto nós esbanjávamos crescimento a mais de 6%. Foi nosso ciclo keynesiano. Entre 1980 e 1990, a Índia começou a disparar, crescendo 5,8% ao ano. Entre 1990 e 2000, sua taxa de crescimento se manteve, ficando em média em 5,7%. De 2000 até 2004, o crescimento médio foi de 6,2%, alcançando 9% em 2003 e 8% em 2005.

Nessas três décadas de alto crescimento (keynesiano) indiano, a economia brasileira, pautada pelo neoliberalismo, ficou restringida a uma taxa anual média de ridículos 2,5%, pouco acima do crescimento populacional. Qual teria sido a razão dessa inversão de posições, pela qual o Brasil acabou fazendo uma espécie de pacto com a mediocridade depois dos anos 80? Nassif, em análise bastante consistente, deixa claro que a performance indiana não tem nada a ver com as reformas estruturais pregadas pelo neoliberalismo e pelo Consenso de Washington.

Com efeito, houve reformas moderadamente liberalizantes na Índia, sobretudo em 1991, mas não se pode atribuir a elas mudança de escala no crescimento. Este já vinha de antes, e continuou em ritmo aproximadamente igual depois. Portanto, a visão dominante de que o crescimento acelerado atual é resultado das reformas pós-1991 é simplesmente falaciosa. Fatores como investimento em educação e em ciência e tecnologia ajudam a explicar o bom desempenho da economia, mas também não são suficientes.

Pelo que se deduz do criterioso texto de Nassif, quatro fatores principais explicam a melhor performance econômica indiana em relação ao Brasil. Primeiro, os indianos mantiveram, ao contrário de nós, uma prática sistemática de planejamento e de coordenação central de políticas públicas, tendo em vista o objetivo explícito de assegurar o crescimento e o emprego. Segundo, mantiveram uma política fiscal ativa, com déficits recorrentes, ao lado de uma política monetária de juros baixos, estimulantes da atividade produtiva. Finalmente, evitaram a farra internacional da circulação livre de capitais, enquanto nós embarcamos nela.

Cada um desses fatores poderia explicar, isoladamente, nossas desvantagens de crescimento em relação à Índia. Quando se apresentam os quatro juntos, a conclusão é esmagadora. Assim mesmo, continua recorrente a parolagem neoliberal de que nosso baixo crescimento se deve a que não fizemos 'reformas' suficientes.'

Sabe, colega Credidio, é essa coisa de neoliberal que o Lula segue, a tal cartilha do FHC que ele não larga. Quanto aos indianos e coreanos, podem ser encontrados em Londres, Paris, Milão, Roma, Praga ou em qualquer outra cidade da Europa, nas lojas mais finas, comprando de tudo, quando os chineses saem, e deixam alguma coisa para comprar. Lembro que os indianos acabam de comprar, também, a Land Rover e a Jaguar. Sim, a Gigante Tata, da Índia comprou as tradicionais marcas de automóveis. Ah! Quanto à China penso ser despiciendo falar da China, já que é notório o crescimento daquele país, cujo povo antes inventou a bússola, o papel, a pólvora e a impressão e hoje influencia a economia do planeta, comprando, até, parte da gigante IBM. Eles são donos de Hong-Kong, lembra-se? Aliás, um lindo lugar para conhecer. A China, com uma população de quase 7 bilhões de habitantes, tem promovido uma verdadeira revolução na educação de seu povo. Além da reforma no ensino superior, a China investiu pesado na educação básica de qualidade, gratuita a todos. Foi a única nação do mundo a conseguir implementar com sucesso as orientações da Unesco determinadas em 2000, no Fórum de Educação de Dacar. Desde 1986, a China implementou nove anos de ensino obrigatório básico para todas as crianças chinesas, em período integral. No final de 2003, 91% das crianças chinesas estavam na escola. Isso em um país com 7 bilhões de habitantes. Isso em um país sem essa história de não repetência. Há, sim, desigualdades naqueles países, assim como no nosso. E as desigualdades são combatidas, com planos sérios e de longo prazo. Com planos de educação, de ensino. Não é dando esmolas e deixando tudo como está que se pensa um país. Isso não é ser governante. Isso não é ser estadista. E isso, colega migalheiro, não são apenas palavras, Parole, lérias, falar por ouvir falar. Conheço o que digo, ou por ter estado lá, ou por ter estudado, e muito. Porque não suponho, e nem repito chavões de campanha. Água mole, em pedra dura, tanto bate, até que fura? Não, até que cansa, ou molha tudo, mas não fura."

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