Ato falho

28/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Prezado  migalheiro Credidio, essa coisa do 'comício' está ficando mais complicada do que merece, acho (Migalhas dos leitores – "Ato falho" – clique aqui). A ministra Dilma sequer teve tempo para, naquele lapso de tempo, perquirir seu íntimo, na busca de seus conhecimentos psiquiátricos/etimológicos. Viu aquela multidão gritando seu nome e pronto, lascou a satisfação de estar naquele 'comício'. Foi, como disse antes, uma mera escorregadela. Nada que merecesse um apurado estudo etimológico ou psiquiátrico, nem que interessasse Freud, Henry Ey, P. Bernard ou C. Brisset. São coisas que acontecem como no caso do presidente Bush, ao discursar após assinar um projeto de defesa, dizendo, a uma certa altura, que não pára de 'pensar em formas de prejudicar a população', acrescentando 'nossos inimigos são inovadores. Não param de pensar em novas maneiras de prejudicar nosso país e nosso povo. Nós também não'. Ato falho? Lapsus linguae? No início do segundo mandato de Lula, ao discursar sobre as obras do PAC, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, o presidente Lula definiu os índios como um 'entrave ao desenvolvimento'. Na ocasião, houve indignadas reações do movimento indígena. Ato falho? Lapsus linguae? Em uma entrevista, perguntado como seria seu segundo mandato, elogiou, como sempre, seu governo, para terminar com a pérola: 'Está tudo crescendo nesse país. A única coisa que cai é o salário'. Logo em seguida, corrigiu-se (Ato falho? Lapsus linguae?): 'Oh! Desculpe, o que cai é a inflação'. Em outras palavras, é mais ou menos o 'não é bem o que eu queira dizer', mas 'escapou'. Pode ter nomes bonitos o ato falho, como Fehlleistung para Freud, ou parapraxis em inglês, ou parapraxia, na tradução para o português, como consta no Houaiss. Mas, distinguindo-se do erro comum, que é fruto da ignorância, o ato falho desvenda um véu, desvela algo oculto, que se expressa, por exemplo, pelo lapsus linguae, que revela pensamentos reprimidos que, em bom português, acontece com qualquer pessoa normal, e é aquela escorregadela, algo que se diz sem perceber e que todo mundo ouve. E, mais, quando se tenta explicar, quem disse provoca apenas riso e descrença. É que o inconsciente nos prega peças, fura bloqueios, de modo que nenhuma palavra ou gesto aparentemente equivocado ocorre por acaso. Como no caso de um certo ministro que, em uma conferência para industriais, questionado sobre as políticas do governo para o setor, no calor da argumentação, se dirigia à platéia chamando-a de 'júri', sem atinar com o motivo das risadas. Do ponto de vista religioso, para sairmos um pouco das explicações psicológicas, em Mateus 12.34, encontramos que: 'É verdade que a boca fala do que está cheio o coração'. Mas, também aí é ir longe demais. Tudo não passa de meras escorregadelas. Em 1998, no Dia Internacional da Mulher, de uma só vez, o então presidente, FHC, em discurso, disse que 'muitas mulheres são cabeça de cavalo', que jamais ficou bem explicado, e que 'quem sabe um dia as mulheres ocupem cargos no ministério, como co-participantes no poder?' O rabino Sobel, quando recebeu a reportagem, para uma coletiva, ainda no hospital Albert Einstein, em 2007, declarou, sobre o caso das gravatas: 'Não fui eu que cometi aquele ato. Foi um fato. Foi algo que não sei explicar. Foi um ato... Qual é a expressão? Foi um ato falho, como se diz? Aconteceu sem controle, sem uma memória precisa dos fatos'. Certos atos falhos têm outras explicações, como o de FHC, em 2006, quando, em entrevista à CBN, em plena campanha Alckmin, disse: 'Eu não sou contrário à privatização da Petrobras' para, depois, explicar não se tratar de um ato falho, mas de um 'vício de linguagem' e que, na verdade, houve distorção na transcrição, com a falta de uma vírgula: 'Eu não, sou contrário à privatização da Petrobras'. Mas, tudo isso já vai ficando muito longo para tão pouco assunto. Dilma chegou lá, olhou o povão e deixou escapar 'comício'. Só."

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