Isabella

28/4/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"O advogado é indispensável à administração da justiça, reza nossa Constituição. Ruy Barbosa, ou Rui, como queiram, na histórica 'Oração aos Moços', proferida em 1920, assim definia a função do advogado:

'(...) Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem.'

Resumindo, o advogado, indispensável à justiça, tem como vocação a legalidade e a liberdade, na busca da verdade e do bem, sem pleitear a iniqüidade ou a imoralidade, nunca trocando a ordem pela anarquia, nunca fazendo da banca balcão, ou da ciência mercatura. A verdade é um problema sério para a advocacia, já que os advogados têm por obrigação defender os interesses de seu cliente, mesmo que esse seja o pior dos criminosos, já que a todos é assegurado o direito de ampla defesa. Daí se discute se pode o advogado 'torcer' os fatos ou 'esconder' a verdade, ou instruir seu cliente a mentir. Calamandrei dizia que:

'A luta entre os advogados e a verdade é tão antiga como a disputa entre o Diabo e a água benta e, entre as facécias correntes acerca das mentiras profissionais dos advogados, ouve-se às vezes, a sério, este raciocínio: Em qualquer processo há dois advogados, que não podem ambos falar a verdade, uma vez que sustentam teses contraditórias; logo: um deles mente. Isto autorizaria a dizer que cinqüenta por cento dos advogados são mentirosos'.

No caso Isabella, que tanto clamor público causou, e ainda causa, todos esperam a 'verdade'. Na malfadada entrevista do pai e da madrasta ao Fantástico, foi o que disseram: 'Queremos a verdade'. Mas, na 'reconstituição' tão esperada, não compareceram, por instrução de seus advogados, por 'estratégia' da defesa. Então, não desejavam auxiliar na busca da verdade? Quantas verdades existem, afinal? Se os principais interessados em buscar a 'verdade', aquela que os isentaria da culpa que recai sobre eles, se recusam a colaborar na busca dessa mesma verdade, o que pensar? Que é uma estratégia da defesa evitar que seus clientes não se incriminem ainda mais? A verdade, no final das contas, é que, no último 'round' dessa luta pela 'verdade', os suspeitos perderam por W.O., a promotoria ganhou por 'walk over', o que significa 'to win without difficult against', ou ganhar sem dificuldade, uma vitória fácil, por ausência do oponente. Será por isso que, no idioma inglês, há duas palavras, de pronúncia bastante semelhante, para designar, respectivamente, o advogado e o mentiroso: lawyer (lóier) e Lieyer (láier)? A lembrança de mais um caso que se encaminha para o nada, de mais um caso escabroso que ri da verdade, que zomba da justiça e que escarnece da sociedade, nos remete, de novo, a Ruy, que todo mundo repete, mas ninguém aprende:

'De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto'."

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