Células-tronco

3/6/2008
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668

"Migalheiro Dávio, quanto a seus argumentos no debate acerca das células tronco-embrionárias: (i) em uma sociedade que prime pela racionalidade ao invés do subjetivismo, o conhecimento empírico sempre será superior a afirmações pautadas unicamente pela fé, ou seja, por crenças desprovidas de comprovação empírico-científica; (i.1) nesse sentido, a inexistência de comprovação sobre qual das inúmeras religiões do mundo estaria certa faz com que, justamente, existam inúmeras religiões no mundo – justamente porque cada uma pauta-se por uma fé distinta, através de suas crenças arbitrárias (no sentido de não-comprovadas). Se você disser que as outras religiões estariam erradas caro Dávio, sabe o que vai acontecer? Os outros religiosos dirão que você, enquanto católico, estará errado... Você pode invocar o argumento da maioria, mas mesmo a maioria deve se submeter à Constituição, que, como bem dito no julgamento do Supremo, é a bíblia do juiz de Direito; (ii) o amor é passível de comprovação indiretamente: pela análise das atitudes das pessoas é possível saber se elas efetivamente amam a pessoa em questão ou, ao menos, se demonstram amor por ela. Questões religiosas pautadas unicamente pela fé, sem nenhuma comprovação, ao contrário, não são comprováveis, o que só vem a ratificar o fato de que uma sociedade racionalista deve dar sempre primazia à comprovação empírica sobre a pura fé, que não passa de um subjetivismo (ainda que um que seja seguido por muitos); (iii) sobre os 'inúmeros' pacientes que voltaram inexplicavelmente de situações tidas como irreversíveis terem descrito situações análogas (estou aqui argumentando com sua afirmação), isso é facilmente explicável pela Psicologia: inconsciente coletivo. Expressa e tacitamente são difundidas compreensões sobre como seria o além à sociedade (por programas de televisão, notícias, palestras religiosas etc). Assim, muitas pessoas podem acabar tendo em seu subconsciente noções parecidas sobre como seria o além (por exemplo, a famosa 'luz branca', tão difundida nesse sentido). Logo, a Psicologia explica essa colocação, donde não há comprovação sobre ela; (iv) a igreja católica só utiliza a ciência quando lhe é conveniente, ou melhor, quando a ciência coincide, por puro acaso, com o dogma religioso por ela (igreja) pregado. Quando a ciência contraria os dogmas de sua igreja, esta simplesmente ignora a ciência e defende a primazia de sua fé, mesmo sem nenhuma comprovação que lhe sustente. Galileu que o diga. O divórcio como única forma de se garantir o bem-estar de um casal que não mais se suporta idem. As pessoas que não desejam ter filhos e não querem ser celibatárias também. Sem falar no amor homoafetivo (entre casais homoafetivos). A busca da felicidade em detrimento dos dogmas de fé de sua igreja também. Inúmeros outros exemplos nos quais o entendimento humano, racionalista, contraria os dogmas da igreja poderiam ser citados. Mas, aqui, a igreja não está nem um pouco interessada na ciência. Ela só se interessa na ciência quando isso lhe convém – e conveniência não é algo que combine com ciência. (v) duvido que seja interesse da maioria tirar a fé das pessoas: é a fé que move muitos a persistirem mesmo ante as maiores dificuldades da vida. Tanto que ouvi dizer que parece que há um maior número de suicídios entre ateus (justamente por não acreditarem em nada melhor do que esta vida). No sistema capitalista, tão voraz que é, em muitos casos somente a fé pode fazer uma pessoa tenha forças em persistir ante as injustiças deste mundo; (vi) não tenho a ilusão de que os 200 milhões de brasileiros sejam todos intelectualizados/cultos caro Dávio, mas todos os eleitores sabem que estão votando naqueles que governarão a nação e que, portanto, são os detentores do poder. Isso é suficiente para legitimar a democracia representativa. Nesse sentido, quem vota sem estudar o candidato assume o risco de sua postura imprudente. Cuidado Dávio, desse seu argumento é um pulo bem pequeno para se chegar à inacreditável teoria do 'elitismo democrático'...; (vii) se a igreja católica já realizou muitos movimentos de solidariedade, ela também cometeu inúmeras barbaridades. Não só ela na Idade Média: os Estados Teocráticos atuais comprovam dia após dia que a teocracia é sinônimo de totalitarismo. Irã e Afeganistão, aquele assassinando homossexuais por questões puramente religiosas e este continuando a violentar mulheres através de burcas, tornando-as praticamente escravas de seus maridos, não me deixam mentir. Isso não é nada ou quase nada diferente do que a sua querida igreja católica fazia na Idade Média, donde não há porque duvidar que ela instauraria suas fogueiras novamente... Uma mera leitura das Ordenações Manuelinas, Afonsinas e Filipinas, em suas bárbaras penalidades, basta para ver o que a influência religiosa na legislação pode gerar...; (viii) é inacreditável você realmente defender a inquesitonabilidade dos dogmas, 'para o bem dos homens'. Ora, o ser humano tem total capacidade de decidir o que lhe faz bem ou não, podendo fazer tudo o que não prejudique terceiros. Admitir que uma pessoa seja coagida a fazer algo que não quer quando ela não está prejudicando ninguém é uma postura totalitária que afronta a pluralidade e a liberdade constitucionalmente consagradas. Autonomia moral e autonomia privada são direitos fundamentais caro Dávio, para desespero dos totalitaristas religiosos; (ix) Jerome Lejeune não trouxe nada muito além do argumento de que o embrião possui todos os genes necessários ao desenvolvimento da pessoa. Esse argumento foi devidamente enfrentado pelo Supremo. Digo eu: vida só existe com atividade cardíaca, porque a vida se constata não pela alma (esse argumento você não enfrenta), mas pela atividade cardíaco-cerebral da pessoa. Você se equivoca ao equiparar morte cerebral com morte cardíaca: as pessoas que inexplicavelmente voltaram de estados tidos como irreversíveis voltaram da morte cerebral, não da cardíaca. A lei não fala que a pessoa morreu com a morte cerebral, apenas assume que essa vida é inviável, praticamente irreversível e, portanto, aceita que se desliguem os aparelhos. No mais Dávio, o que você pretende? Que as famílias empobreçam pagando fortunas para deixarem seus parentes em vida vegetativa? Que dignidade há nisso? Em geral, para a maioria dos casos, nos quais não há esses retornos inexplicáveis, só há sofrimento e falsa esperança... (x) em nenhum momento eu disse que democracia seria a ditadura da maioria (desafio-lhe a transcrever algum trecho em que eu tenha dito isso), o que eu disse foi que democracia não é a ditadura da maioria e que é, ao contrário, o regime jurídico dos direitos fundamentais, donde mesmo a maioria deve se submeter à Constituição. Não é porque a maioria decide algo que este algo está necessariamente correto (salvo engano, você mesmo disse algo do gênero neste debate). As maiorias também sabem ser totalitárias, como o nazi-fascismo comprovou... Se você se der ao trabalho de estudar só um pouco de doutrina constitucional você verá isso (que democracia é o regime jurídico dos direitos fundamentais e não um regime aonde conte apenas, ou com primazia, a regra da maioria: esta não pode afrontar os direitos fundamentais). Cito, exemplificativamente: José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 25a Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 132), Ana Paula de Barcellos (A Eficácia dos Princípios Constitucionais...), Oscar Vilhena Vieira (A Constituição como Reserva de Justiça, Lua Nova, nº. 42, p. 61), Carmem Lúcia Antunes Rocha (Reforma Total da Constituição: Remédio ou Suicídio Institucional, in Crise e Desafios da Constituição..., Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004, p. 50), entre outros. Mesmo as maiorias devem se submeter à Constituição Dávio: se não quiserem mais segui-la, que consigam sua emenda e, caso se trate de cláusula pétrea, que convoquem uma nova Constituinte. Do contrário, teremos uma verdadeira fraude constitucional, verdadeiro suicídio institucional. (xi) agora é absolutamente inacreditável e inaceitável sua verdadeira acusação de desonestidade intelectual de minha parte caro Dávio... Você chegou ao cúmulo de dizer (ou insinuar) que minha homossexualidade me impediria de seguir a razão. Isso é um absurdo Dávio, uma verdadeira ofensa à minha pessoa que jamais tolerarei. Você utilizou da estratégia de tentar desmerecer a pessoa para, ao mesmo tempo, desmerecer seus argumentos, o que é absolutamente ridículo, inaceitável... Se você vai supor que eu seria parcial por minha homossexualidade, então você e todo católico terão que ser tidos como parciais por suas fés católicas... O absurdo é tão grande quanto... O mesmo se diga quanto a suas descabidas generalizações dos defensores da posição do Supremo como 'abortistas', sendo que não há nada de aborto em uma posição que afirma que inexistiria vida humana no embrião para permitir sua utilização nas pesquisas... (comparar um embrião a um feto no sexto/oitavo mês de gravidez é um absurdo, pois aqui temos uma pessoa já toda formada, ao passo que o embrião ainda não é uma pessoa). Se for usado esse rótulo (de 'abortistas'), então deverão ser tachados de fundamentalistas todos os que se aliam à posição da igreja católica... Novamente: o absurdo é o mesmo... mas, por uma questão de isonomia, se um absurdo for aceito, o outro também deverá sê-lo..."

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