Falha (deles)

4/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Como assim? Botaram a Denise Abreu para fora da ANAC e não arrumaram outro emprego para ela? Mas isso está completamente fora das regras. Em política, quando isso acontece, a pessoa fica sem seu 'ganha pão' e, então, sem alternativa, põe a boca no trombone. Primeiro, é claro, busca o que se chama de 'medidas suasórias', tentando fazer ver que é mais conveniente uma colocaçãozinha nesse mar de empregos disponíveis na área. Depois, se tratada com descaso, a pessoa se aborrece, busca a imprensa, agora livre, uma conquista da democracia, e 'canta tudo'. É o que acaba de fazer Denise Abreu, lembram-se, aquela da festa com charuto na boca, que foi defenestrada da ANAC, que estava desorganizada antes que o ministro Jobim resolvesse o caos aéreo? Está tudo nos jornais. É o escândalo do dia. Um dos escândalos do dia. A reclamação da moça? 'Não consigo mais trabalhar, preciso me defender e contar o que sei'. Contando o que sabe, assusta os que não gostariam que contasse o que sabe. Então, como tudo em política, ela poderá desmentir o que contou, dizer que foi mal interpretada, que a imprensa deturpou tudo só para atacar Dilma e o presidente, e conseguir uma colocação, e voltar a trabalhar. É simples. Foi só um esquecimento. Uma falha (deles). Mas, por enquanto, vamos nos contentar com a versão do momento, que é bastante interessante. Ela diz que a Varig estava, de fato, falida, mas não era para o público saber. Então, era para vender a Varig para um fundo americano, o Matlin Paterson, mas havia um probleminha: as leis brasileiras, que não permitem que estrangeiros tenham mais de 20% do capital de empresas aéreas brasileiras. Era preciso sócios brasileiros 'laranjas' nesse imenso laranjal nacional. Não foi difícil encontrar, mas a ANAC exigia documentação comprobatória da origem do capital e a declaração de renda dos tais sócios brasileiros, para verificar se tinham, de fato, recursos para a compra. Encrenca à vista, é claro. Os compradores eram representados por quem? Já adivinharam? Pelo compadre e amigo íntimo do presidente. Sim, pelo advogado Roberto Teixeira. A ministra Dilma, então, disse à diretoria da ANAC (isso quem informa é Denise), que aquela história de documentação não era assunto da ANAC, mas da alçada do Banco Central ou da Receita e, de mais a mais, é muito comum, no Brasil (parece que ela conhece bem isso) as pessoas sonegarem. Nas reuniões na ANAC, quem representava o escritório do advogado Roberto Teixeira era sua filha Valeska Teixeira e seu genro, Cristiano Martins, cuja atuação (segundo Denise), era truculenta: 'Ela ligava direto da reunião para o escritório do pai', e, ao fim da reunião, dizia 'agora temos de ir embora porque papai já está no gabinete do presidente Lula'. A justiça de São Paulo acusa os sócios brasileiros do fundo americano de serem 'laranjas', já os afastou da gestão dos negócios. Um deles, também já se pronunciou sobre o episódio, dizendo que só foi possível aprovar a compra da VarigLog pela influência de Roberto Teixeira no governo e na ANAC: 'Paguei US$5 milhões ao Roberto Teixeira para cuidar do caso'. Só para lembrar, com a aprovação da compra da VarigLog pelo fundo Matlin Paterson e seus sócios brasileiros por US24 milhões, a GOL pode comprar a empresa, alguns meses depois... por US$320 milhões. Coisa para cachorro grande. E, sabem o que mais? Denise conta que também no sem caso, um dia, após sair da ANAC, ao chegar à casa de sua mãe, lá estava um envelope, com um dossiê, sim um dossiê, falso, com informações falsas acerca de contas inexistentes no exterior e... despesas com cartões de crédito que poderiam incriminá-la que, estranhamente, haviam chegado às mãos dos deputados integrantes da CPI do Apagão Aéreo e subsidiaram as perguntas que, então, lhe haviam sido feitas. Muito estranho, não? Será tudo mentira? Ou pura coincidência? Mais uma? Eu, que não acredito em tantas coincidências, principalmente quando envolvem conhecidos negócios, conhecidos políticos, seus ministros, compadres, amigos, dossiês e laranjas, fico com Álvaro de Campos, que em sua poesia 'Pura coincidência', termina assim:

'Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.

Já disse: sou lúcido.

Nada de estéticas com coração: sou lúcido.

Merda. Sou lúcido'."

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