Anencefalia e um novo STF

12/8/2004
Carina Souza Cardoso - Procuradora do Estado de Mato Grosso do Sul

"Sou nova no time dos migalheiros e estou encantada com o dinamismo e a coragem do enfrentamento das questões sociais, sob o prisma jurídico, que o site proporciona. Além de advogada, sou mulher e mãe de três lindas crianças. Já sofri com a perda prematura de um filho no sexto mês de gravidez e, em um trabalho voluntário que há anos participo, já acompanhei o drama de diversas mulheres grávidas que abortaram seus filhos, voluntária ou involuntariamente. Tenho uma opinião peculiar sobre a decisão do STF quanto à decisão que autorizou o aborto quando da ocorrência da anencefalia. O argumento de que obrigar a mulher a gestar um filho sem cérebro e, portanto, sem condições de sobreviver, impõe a ela um sofrimento inútil e cruel, pode servir para abrir as chaves que seguram a liberação geral para a prática do aborto. Ora, se será permitido o aborto para libertar a mãe de um sofrimento "inútil e cruel, que afronta a dignidade da pessoa humana", o que se dizer então daquela mãe que carrega em seu ventre uma criança com um grave defeito físico ou uma doença que ainda não tenha cura ou controle? A mesma regra que busca proteger uma única pessoa de um sofrimento (única sim, pois a criança sem cérebro não teria condições de sentir dor), deveria ser aplicada para "resguardar" do sofrimento duas ou mais pessoas (a mãe e o(s) feto(s) - o que se diria então dos irmãos siameses). Para o poder público é mais fácil e barato se livrar do "problema" autorizando o aborto, do que proporcionar um acompanhamento médico e psicológico gratuito a essa mãe, no sentido de orientá-la a levar adiante a gestação até o fim, para destinar a placenta, a medula, os órgãos à inúmeros bebês que se encontram em risco de morte, aguardando por um transplante. Não seria menos cruel ensinar um pouco de compreensão, solidariedade, civismo e até sobre o exercício efetivo do "amar ao próximo como a ti mesmo" ou "da igualdade constitucional" que determina tratar a todos sem distinção de qualquer natureza? Isso para não adentrarmos no aspecto que poderia ter conotação religiosa, sobre a decidir sobre os desígnios divinos de permitir a essa mulher e sua família passar por tal situação buscando a compreensão das razões que Deus, que é onipresente e onipotente, e jamais abandona seus filhos. Penso, assim, ser muito perigoso atribuir aos homens o poder de decidir sobre o que é mais cruel, manter ou matar uma vida. Se a regra for mantida, daqui algum tempo será permitido o aborto em mulheres miseráveis, que esperam filhos de presidiários ou aidéticos, ou condenados por crimes hediondos, e políticos corruptos, para que assim se "resguarde" a mulher e a criança da crueldade, da indignidade e do sofrimento advindo da nefasta paternidade."

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