Células-tronco

5/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Independentemente de toda essa discussão, enorme aliás, a respeito do assunto, o que mais chamou minha atenção foi a da alegria dos cadeirantes com a decisão final do Supremo e o aborrecimento demonstrado pelos representantes de certas igrejas, entrevistados na ocasião, todos ali, de pé e saudáveis, manifestando-se contra. Quem precisa é a favor, quem não precisa é contra. Simples assim. Como no caso dos preservativos. Quem é celibatário é contra. Quem não é, é a favor. Quem depende, para sua sobrevivência, das pesquisas das células, sejam embrionárias ou tronco, reza ao Senhor, todos os dias, para que aconteçam. Os outros que, por serem saudáveis, e delas não necessitam, ficam a discutir o sexo dos anjos e a se arrogarem procuradores de embriões. Pena que os embriões não possam, eles próprios, opinar a respeito, o que, por certo, facilitaria muito as coisas. Uma vez, li um conto de Lin Yutang, em que contava estar em um barco no rio Yang-Tsé, bastante cheio, quando o tempo virou e uma tempestade se aproximou, colocando em risco o barco e seus passageiros que, de imediato se ajoelharam e começaram a rezar, pedindo a Deus ventos fortes em direção ao porto que buscavam, para chegar a salvo. Foi quando percebeu que, nos barcos que navegavam na direção contrária, o mesmo acontecia, os passageiros também desesperados, ajoelhados rezavam pedindo o mesmo a Deus, só que ventos em sentido contrário... O escritor meditava, então, como Deus resolveria a questão. Afinal, com sua onisciência e onipotência, ao prestigiar uns, determinaria a morte dos outros. Não me lembro o fim da história, mas sim o nome do livro, ou do conto: 'Porque não sou cristão'. Na verdade, as preces, naquele caso foram mal feitas, já que poderiam ser no sentido de que Deus eliminasse a tempestade e salvassem-se todos. No caso do Supremo, considerando-se que os ministros não são onipotentes e, muito menos, oniscientes, tiveram que resolver a questão da melhor maneira possível, ou seja, em favor da vida dos vivos, que aqui estão e que sofrem de males curáveis por células à disposição que, de uma maneira ou de outra, seriam destruídas, restando apenas saber se destruídas salvando vidas ou não, melhorando a qualidade de vida de seus próximos ou não, fenecendo egoisticamente ou não. É difícil imaginar alguém assistir, na seqüência, aos resultados, por exemplo, do terremoto na China, com milhões de desabrigados, milhares de crianças que nunca mais verão seus pais ou suas casas, milhões de pessoas que não têm o que comer no mundo todo e, depois, essa estéril discussão acerca de se é possível salvar ou não vidas utilizando células tronco ou embrionárias. Ainda bem que essa questão já é passado."

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