Artigo - Judicialização da sáude

12/6/2008
Lucas Tristão do Carmo

"Em que pesem os ótimos e elucidativos argumentos das advogados, acredito que sua posição merece reparo. O que nos apresentam as autora do artigo da "Judicialização da Saúde" (Migalhas 1.915 - 11/6/08 - clique aqui) é, na verdade, uma aplicação indiscriminada da teoria alemã 'cláusula da reserva do possível' às decisões judiciais que ordenam ao Poder Executivo que conceda tratamentos de saúde aos jurisdicionados que buscam a tutela. Todavia, ocorre que não merece prosperar a idéia. A teoria surgiu nos Tribunais saxões com o intuito de não conceder a tutela jurisdicional para os litigantes que buscassem decisão judicial ordenando ao Estado alemão que lhes concedesse tratamento estético (que, por algum motivo, transportou-se para a categoria de saúde, possibilitando a sua aplicação na forma como se pretende no Brasil), outro exemplo da jurisprudência alemã é de aplicação da cláusula da reserva do possível nas causas onde se pretendia ordenar a matrícula do jurisdicionado em Universidade Pública, sob a alegação de que, por ser dever do Estado conceder educação aos seus administrados, estes teriam direito de cursar todos os níveis de formação acadêmica às custas da Administração Pública. Ora, em nossa realidade, é hilário que um brasileiro busque do poder judiciário tais pretensões, seja a de obrigar o Estado a prestar tratamento estético a determinado jurisdicionado ou de criar, para este, vaga em uma das tão concorridas Universidades Federais. O problema é que, mesmo com uma tributação cujo produto corresponde a quase 40% do PIB, somando dezenas de bilhões todo ano, a corrupção dos políticos impede que sejam prestados à sociedade até mesmo os serviços de tratamento, exames e procedimentos cirúrgicos altamente necessários a grande parcela da população. Em meu estado (ES), há algum tempo, o Secretário de Saúde foi preso por desrespeitar ordem judicial que ordenava a internação em UTI; após sua prisão, a ordem judicial foi prontamente obedecida. Talvez a judicialização da saúde seja o caminho para o fim do desvio de verba pública destinada à saúde, pois, assim, como nos casos de pensão alimentícia, o devedor ver-se-á temeroso em não cumprir com a prestação dado o risco de sua prisão (que virá mais fácil do que atualmente, pois o mero inadimplemento acarretará nesta sanção, sem necessidade de atuação das pizzarias assembleianas e congressistas). Ademais, é inconcebível que se fale em 'reserva do possível' para tratamentos médicos, cirurgias e oferta de medicamentos necessários para tratar, ou ao menos amenizar, enfermidades, enquanto o Poder Executivo Federal anuncia uma Portaria que autoriza sejam atendidas pelo SUS cirurgias de mudança de sexo! É um absurdo que a Administração Pública alegue a reserva do possível para se desincumbir de prestar tratamentos aos cancerígenos, dar remédios aos aidéticos, fazer exames medicinais em pessoas que sofrem de moléstias angustiantes, enquanto autoriza fazer esse tipo de cirurgia supérflua, que nunca poderia, na minha opinião, ser oferecida pelo Estado, pois foge explicitamente da persecução do interesse público e encontra-se, no máximo, no mesmo patamar que tratamentos estéticos, e não servem para curar doenças e nem diminuir aflições no seio social."

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