Artigo - O lado ‘B’ das Relações de Consumo

16/7/2008
Pedro Serpa - escritório Bicalho e Mollica Advogados

"Com a devida venia ao autor do texto, não se pode dizer (no estrito âmbito do exemplo servido no texto, quanto à responsabilidade pelo fato do serviço) que o CDC tenha trazido benefícios aos fornecedores (Migalhas 1.940 - 16/7/08 - "Consumo" - clique aqui). É, sim, corretíssima a ponderação feita por Humberto Theodoro Jr. ao tratar do tema, no sentido de que o CDC, ao impor limites às práticas comerciais dos fornecedores, atua também regrando a concorrência e, de certa forma, beneficiando aqueles que 'agem de acordo com as normas'. Contudo, ao abraçar a responsabilidade objetiva para regrar as hipóteses de prejuízos acarretados aos consumidores ou equiparados (bystanders), o CDC previu um benefício exclusivo aos consumidores. O reflexo aos fornecedores é inegavelmente negativo, vez que sua defesa em juízo, nestas hipóteses, restringe-se às excludentes de nexo de causalidade [fato - e não culpa - exclusivo de terceiro ou do próprio consumidor, força maior e caso fortuito - apesar da posição contrária de parcela da doutrina, como, por ex., Nelson Nery Jr.), ou à inexistência de defeito na prestação de serviço. Quanto ao caso analisado no texto (culpa concorrente do consumidor, titular de cartão de crédito), o fundamento decorre justamente do dever contratual de guarda da senha do cartão de crédito [utilizada, ao contrário do anunciado no texto, para hipóteses específicas, tais como o saque em dinheiro, e não para a realização regular de compras). A senha do cartão de crédito (como bem exposto pelo autor do texto) é pessoal e intransferível e entende-se que, se o consumidor deixou de tomar os cuidados devidos para a proteção de sua senha, infringindo o citado dever de guarda, ele também deve ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de sua desídia. A questão, contudo, é exclusivamente referente à infração do dever de guarda sobre a senha do cartão, em nada se relacionando à eventual responsabilidade do consumidor por compras realizadas com seu cartão de crédito após furto, roubo ou perda. Com efeito, nestes casos (bastante corriqueiros), apesar das disposições contratuais quanto à responsabilidade do consumidor pelas compras realizadas 'antes da devida comunicação do ocorrido à administradora do cartão', o posicionamento jurisprudencial é protetivo: a responsabilidade é lançada sobre a administradora de cartões de crédito, ou sobre o estabelecimento no qual foram feitas as compras (ao qual, inclusive, incumbia o dever de conferir a assinatura do comprador com aquela acostada no verso do cartão de crédito. Tal expediente, que poderia evitar uma série de prejuízos, raramente é observado). Dessa forma, tratando apenas dos exemplos trazidos no texto, importa rechaçar por completo a idéia de que as normas do CDC possuiriam um 'lado B'. O princípio de proteção do hipossuficiente prevalece nas decisões como deve, de fato, prevalecer, trazendo benefícios, sim, aos consumidores, em detrimento dos fornecedores."

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