Crise financeira

5/11/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Ainda que muitos prefiram não pensar nisso, a verdade é que a crise financeira não acabou. Está apenas começando. No Brasil' então, ainda nem começou de verdade. Abaixo, um artigo de Cesar Benjamin, acerca da crise e seus desdobramentos aqui no Brasil e os motivos pelos quais os EUA mandaram para cá aqueles 30 Bilhões de dólares, coisa que muita gente não entendeu bem. Afinal, eles estão ou não em dificuldades?

'A marcha da insensatez'

Cesar Benjamin

'Escrever sobre a vulnerabilidade da economia brasileira era uma heresia há poucas semanas. Agora, quase se tornou desnecessário. Desabam as mistificações sobre as nossas blindagens. A fase aguda da crise mal começou e já tivemos de recorrer a um empréstimo de US$ 30 bilhões do Fed (o banco central dos EUA), que dispensou intermediários e passou a operar como emprestador de última instância a bancos centrais vulneráveis. Uma consulta a alguns números da economia brasileira mostra por que entramos na primeira lista de países socorridos, ao lado de México, Coréia do Sul e Cingapura.

Desde 2002, mais de 80% do que recebemos do exterior, na forma de saldo comercial, foi enviado de volta, na forma de remessas de serviços e rendas. O pequeno saldo restante fica longe de explicar o acúmulo de cerca de US$ 200 bilhões em reservas, alardeado como sinal de solidez.

A maior parte dessas reservas foi formada com capital externo de curto prazo, atraído ao Brasil pelos juros altos e aqui distribuídos em ativos dotados de elevada liquidez. As reservas brasileiras são a contrapartida de um passivo líquido que, ao se mover, pode reduzi-las a pó. Enquanto o governo comemorava o ‘fim da dívida externa’, formava-se uma nova dívida mais perigosa.

Esse capital de curto prazo não planta um pé de alface. Ao contrário: ao entrar, valoriza o câmbio e contribui para fragilizar o sistema produtivo. Não faltaram advertências sobre isso. Mas a valorização cambial tinha aliados poderosos: ajudava o BC a atingir as metas de inflação, aumentava as remessas de lucros das empresas multinacionais e permitia gigantescos ganhos aos especuladores. Passear com recursos pelo Brasil, remunerando-os com a nossa generosa taxa de juros, e remetê-los em seguida para fora, comprando dólar barato, foi o melhor negócio do mundo nos últimos anos.

Enquanto isso, a nossa pauta de exportações se empobrecia, concentrando-se naqueles produtos em que temos grandes vantagens comparativas -as commodities. Todos sabem que, no longo prazo, isso é perigoso. Porém, um dos subprodutos do ciclo especulativo foi justamente o aumento de preços dessas mercadorias de baixo valor agregado. Nossas exportações estagnaram em quantum, mas cresceram em valor, ocultando temporariamente o problema. Em paralelo, para que os exportadores brasileiros compensassem o câmbio ruim, o BC os estimulou a entrar pesadamente na especulação com moedas. A bolha se disseminou. As advertências de que o arranjo tinha pés de barro foram sistematicamente desqualificadas.

Mesmo com a crise internacional se avolumando desde agosto de 2007, não adotamos salvaguardas.

Colheremos os resultados em 2009. As empresas que tiveram grandes perdas cortarão investimentos. Com a queda nos preços das commodities, o saldo comercial ficará perto de zero. As remessas de recursos ao exterior aumentarão, elevando o déficit externo. O BC adotará políticas recessivas, que provavelmente incluirão um novo choque de juros. Os prejuízos serão repassados ao Tesouro Nacional, contabilizados como déficit público, reforçando o coro favorável a mais uma rodada de cortes em gastos essenciais, como se salários de professores e investimentos em infra-estrutura fossem a causa da crise. É a marcha da insensatez.

O Fed deixará conosco US$ 30 bilhões até abril de 2009, para que possamos segurar a oscilação cambial e acalmar os mercados. O capital de curto prazo, com certeza, entendeu o recado: tem seis meses para ir embora sem maiores perdas. Depois, seja o que Deus quiser’.

Mas, quem é Cesar Benjamin? É jornalista, editor e político brasileiro, um dos líderes históricos da esquerda brasileira. Cientista político, é acadêmico e pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com diversos trabalhos na área da economia.

Sobre o governo Lula, já afirmou que:

'Os discursos do presidente Lula são pérolas de conservadorismo. Tudo o que ele diz é o seguinte: 'esperem para me julgar ao fim de quatro anos', quando ele tinha que dizer: 'mobilizem-se para mudar o Brasil'. Ele tinha que ser um instrumento da mudança junto com o povo, mas é um instrumento da passividade. Está a serviço da idéia da nossa fraqueza, da idéia de que não podemos nada. E de que, portanto, só podemos mudar sem criar nenhuma turbulência. Como é que se muda sem nenhuma turbulência? Quem tem medo de tirar o pé do chão não caminha. Só caminha quem aceita algum desequilíbrio.

Há um enlace direto entre a política econômica conservadora e um governo ideologicamente conservador. Pois, se a política econômica é essa, a prioridade é acalmar os mercados financeiros. Mas, se houver participação popular, mobilização, organização, ares de mudança, os mercados financeiros não se acalmarão. Ficarão nervosos. Logo, a mediocridade de sempre inunda economia e política.

Nós poderemos assistir a curto prazo, no Brasil, à maior derrota da esquerda mundial. Somos um país muito desigual e com muita pobreza. Fazer aqui esta política, exercer aqui este tipo de governo, é muito mais grave do que fazer algo mais ou menos semelhante na Europa. A Europa é um continente com ampla maioria de cidadãos e alguns focos de pobreza. Nós somos um país-continente com ampla maioria de pobres e alguns focos de cidadania. Aqui, a reprodução dessa política é muito mais dramática e muito mais vergonhosa. Daí a minha angústia.

Repito, para finalizar: a questão central do governo Lula não é a macroeconomia. O juro está alto hoje, pode estar baixo amanhã. Mas o mal que está sendo feito neste país, no sentido de perpetuar a verdadeira herança maldita, é que inviabiliza a esperança e coloca o governo Lula, definitivamente, como um fracasso de grandes dimensões.

A pergunta que não quer calar é: será que é com essa gente que vamos enfrentar essa crise de proporções gigantescas? Com bravatas, discursos ocos e vazios, feitos em palanques, aos gritos ? Será que meias verdades, mentiras, lorotas, parábolas de gosto duvidoso e falsos juízos resolverão o que ninguém consegue resolver?'"

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