África do Sul

6/1/2009
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Assim é se lhe parece, já dizia Pirandello... Em artigo publicado neste último domingo no Estadão, Sérgio Fausto, coordenador dos Estudos e Debates do iFHC, enaltece a comemoração dos 15 anos do fim do apartheid na África do Sul, uma vitória do líder Nelson Mandela, o primeiro presidente pós-apartheid, e conta de sua recente visita a Soweto, antes ruas empoeiradas e casas-barracões espremidas umas aos lados das outras e, agora, ruas pavimentadas, casas de alvenarias com pequenos jardins e áreas públicas gramadas. Festeja o autor, também, uma burguesia e uma classe média negra cada vez maiores e a existência de canais de ascensão que permitem o acesso acelerado a oportunidades antes restritas apenas à minoria branca. Menciona, de passagem, Jacob Zuma, personagem polêmico, sobre o qual já pesaram acusações de estupro e corrupção, homem de origem popular, sem educação formal, militante histórico da ala esquerda do CNA, que compara com Lula.  Cada um, afinal, vê o que quer ver. Ou o que lhe é dado ver. Soweto, hoje faz parte dos pontos turísticos a visitar na África do Sul, assim como a famosa montanha, a 'Table mountain', o Cabo da Boa Esperança, 'a Ilha das Focas', a 'Praia dos Pinguins' e a imperdível 'Sun City', a 'Cidade Perdida'. Não passa, hoje, de mais um ponto turístico. Soweto, hoje, está espalhada pela periferia de Johanesburgo, de Capetown e de todas as grandes cidades sul africanas. Se, antes, os negros viviam em Soweto obrigados pelas leis do Apartheid, hoje vivem em ruas empoeiradas, em casas-barracões, de zinco e plástico, e cartão, espremidas umas ao lado das outras, sem água, luz ou saneamento, entre incêndios que se sucedem, exatamente como era em Soweto, não em virtude da Lei, mas em razão da extrema pobreza a que se vêem submetidos, que não mudou em nada, nos últimos quinze anos, a não ser para uma meia dúzia de privilegiados. Sim, agora os negros têm o direito de ir e vir, sem a necessidade de apresentação de 'passaportes', como na época do 'apartheid', mas transitam pobres e sem oportunidades, ou melhor, com as mesmas oportunidades: a de servirem aos brancos, disputando subempregos de porteiros, carregadores de malas, garçons, motoristas, atendentes, staff em hotéis, arrumadores, ascensoristas etc.Ao descer em qualquer aeroporto da África do Sul, o turista é encaminhado ao centro de cada cidade, passando por extensas zonas faveladas, para onde se transferiu Soweto e os negros, seus habitantes. Para trás, ficou Soweto, que foi asfaltada e reformada, para visitação turística. E foi só. As atrações turísticas oferecidas pelas agências de turismo aos brasileiros, oferece visitas à Soweto de hoje, civilizada. E oferece, também, os famosos safáris fotográficos, tudo operado por brancos africaners. Quem ainda não viu aquela famosa foto do jipe com os turistas (todos brancos), dirigido por um africano (branco), levando à frente, em um banquinho, desarmado, no meio da selva, para ver os leões, leopardos, as feras enfim se aproximarem, um tracker negro? Quem está armado é o motorista branco, para proteção dos turistas brancos. Acabo de voltar de lá, de onde passei o natal e o réveillon. Contei nos dedos, de uma só mão, os negros nos restaurantes que frequentei, que lá estavam como clientes, ou participantes de excursões. E há que considerar que há estrangeiros de outras etnias de férias no local. Passamos o réveillon em Sun City, a Cidade Perdida. Todos os funcionários de baixo escalão são negros, assim como os atendentes nas lojas ou nos restaurantes. Nunca os gerentes. Nunca os diretores. Esses, todos brancos. Vimos, sim, e chamou a atenção, um cidadão negro dirigindo um BMW. Um só. Estava em um posto de gasolina, abastecendo. Não deu para saber se era o proprietário. Em todos os hotéis em que estivemos fomos cuidadosamente advertidos, pelos africanos, que não deveríamos nos afastar a pé (tanto em Capetown, quanto em Johanesburgo), mas somente em táxis, em razão da forte insegurança local, da possibilidade de assaltos e estupros. Informaram-nos, constantemente, que nas cidades africanas, da África do Sul, a água era potável, toda, inclusive nos hotéis, mas que sugeriam tomar a industrializada, por via das dúvidas. Capetown é uma cidade linda. Passeamos muito por lá. Vimos as praias, lindas, coalhadas de brancos, assim como as piscinas públicas, com filas de negros. De tudo, a cada passo, ficou a lembrança, a triste lembrança do romance de Lampedusa, Il Gattopardo, e a mensagem acerca de quanto se tem que mudar para que tudo fique exatamente como era antes."

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