Na cadeia

19/10/2004
Léia A. Silveira Beraldo - advogada

“Dia destes o jornal da Globo deu destaque à condenação, na pena de 19 anos de reclusão, de uma doméstica contratada para cuidar de uma senhorinha de mais de 90 anos, e que - sabe-se lá por quais razões - começou a infligir-lhe tamanhos e tão violentos maus tratos a ponto de causar-lhe traumatismo craniano, que a levou à morte. O lado mais sinistro da história, no entanto, é que a peça chave da acusação foi uma fita de vídeo exibida pela emissora, e obtida pela família da infeliz senhora através de uma câmera cuidadosamente instalada no banheiro do apartamento, e que mostra os safanões que a tresloucada empregada desferiu na indefesa vítima. Após chamar a atenção para o merecimento da pena, a reportagem mostra, ainda, o momento em que a ré é trancafiada na viatura que a conduziria de volta ao presídio, onde lá já está há dois anos e ficará porque lhe foi negado direito de recorrer em liberdade. A conduta dessa empregada, negra, pobre e certamente com distúrbios emocionais graves, é de todo condenável, não há o que discutir. No entanto, o fato levou-me a pensar: até que ponto os membros de uma família se eximem de responsabilidade quando, diante de fundadas suspeitas de que uma empregada estaria maltratando um ente querido, a opção (ou preocupação, ou coisa que o valha) é apenas produzir a prova do fato instalando o equipamento de gravação? E quanto à própria ré? Teria ela intenção de matar, com o risco de perder o único emprego? Notem que essas dúvidas não suscitam um julgamento puramente moral até porque nesse assunto o cinema italiano desvendou os meandros de nossa alma magistralmente no filme “Parente serpente”. O fato é que fiquei aqui embatucada, sem outra alternativa senão concordar que cadeia pesada aqui no Brasil é mesmo para pobres, pretos e desamparados da sorte.”

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