Nova lei do mandado de segurança

26/8/2009
Arnaldo Malheiros Filho - escritório Malheiros Filho, Camargo Lima e Rahal - Advogados

"Amado diretor, estarrecido, li a seguinte migalha: 'O Conselho Federal da OAB pretende ingressar com ADIn no STF, em face de alguns dispositivos da lei 12.016/09' (Migalhas 2.212 – 25/8/09 – "MS" - clique aqui). Cruzes, pobre face dos dispositivos! Será que a Redação desse poderoso rotativo foi invadida por gente que, à falta de intimidade com a última flor do Lácio, quando quer dizer 'contra', diz 'em face de'? Pobre do outro olho de Camões! A prosperar o texto dessa migalha, em breve teremos em face da fé (para acompanhar os mandados de citação); em face da proposta, quando uma das pontas de um negócio pretende responder à oferta da outra; em face da parte, para nos referirmos a quem está firmando um contrato com esta parte. E não mais cometer-se-ão crimes contra vítimas, mas crimes em face de vítimas! Por isso, há anos atrás, enviei singelo comentário de jurisprudência à RBCCrim, que reproduzo a seguir:

'Tudo começou com um preciosismo estilístico (não técnico nem científico) dos estudiosos de Processo Civil: Eles começaram a recomendar que os autores propusessem ações em face dos réus!

Vinha ele acompanhado de aparente justificativa científica: O sujeito passivo do direito de ação é o Estado, portanto o direito de ação é um direito contra o Estado. Por isso não se exerce contra o réu, mas contra o Estado. Até aí não há o que discutir.

Mas em que consiste esse direito contra o Estado? Exatamente em receber do Estado uma prestação jurisdicional resolvendo uma pretensão deduzida contra o réu! Sim, contra o réu. Com efeito, quem vai suportar os efeitos da execução (forçada, se for o caso)? Quem vai ter sua vontade contrariada pela prestação jurisdicional entregue em benefício do autor? Contra quem ela vai se exercer?

Assim, dir-se-ia que o direito de ação é o direito contra o Estado de obter dele uma prestação jurisdicional que decida sobre a pretensão deduzida contra o réu. Ficou feio; não é bonita essa repetição de palavras (contra, contra) na mesma frase.

Quem puser a estilística acima do rigor técnico tratará de mudar essa frase deselegante. Agripino Grieco falava de um crítico literário tão zeloso do bem redigir que, ao citar autores de bom estilo, nunca falava de Camilo, para não aliterar... Muitas vezes, no entanto, a necessidade de ser preciso nos obriga a trair a estética, e então a construção desengonçada, a repetição em desalinho tomam o lugar da melhor narrativa. Quem buscar precisão técnica proporá ações contra os réus; quem puser o estilo – l'homme même! – acima da técnica, certamente proporá ações em face dos réus, ou procurará outro substituto para evitar a repetição do contra, mas prejudicará a exatidão.

Vamos, no entanto, aceitar que o Processo Civil não tem mais com que se preocupar e que certos estão os que propõem ações em face de réus. Ainda que assim tenha que ser, é preciso respeitar certos limites. Por exemplo: Há quem impetre mandado de segurança em face da autoridade coatora, ainda que não fale em propor ação alguma (talvez se devesse, seguindo agora um preciosismo científico, dizer que propõe ação de segurança, mas não é o que se vê). Ora, 'impetrar' é pedir e 'mandado' é uma ordem judicial; quem impetra um mandado 'pede uma ordem judicial', ordem essa que se expede contra alguém, obviamente contra a autoridade coatora.

E, ainda que se admita que a ação é de se propor em face do réu, que mesmo a ação penal deve ser ajuizada em face do acusado, a verdade é que a denúncia só pode ser oferecida contra o denunciado, assim como a queixa há de ser dada contra o querelado.

A despeito disso, cada vez mais se vê denúncias oferecidas em face de acusados, o que é de suma impropriedade, digna de quem ouviu o galo cantar mas não tem a mais leve idéia de onde.

Pior que tudo é deixar de ser raro ver escrita a afirmação de que o crime – que não era uma bofetada, um tiro na bochecha nem um ato de exibicionismo obsceno – foi cometido em face da vítima!

É incrível: A inocente preposição contra, tão rica de significado, tão prestimosa em auxiliar a expressão do pensamento, virou uma incorreção jurídica. Tornou-se deselegante grafá-la em autos. Ou então foi estabelecida uma sinonímia tal que quando se escreve em face o leitor já enxerga contra. E aí cabe perguntar: Se a sinonímia é tão perfeita, por que não usar, desde logo, a forma correta?

Por isso estou com o grande processualista Sérgio Bermudes, que se proclama publicamente 'a favor do contra'.

Se não pudermos voltar de pronto a ter ações contra os réus, que pelo menos restauremos as denúncias contra os acusados, as queixas contra os querelados e reconheçamos que, salvo exceções, os crimes se cometem contra as vítimas e não em face delas.'"

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