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Um fidalgo da advocacia

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Atualizado em 20 de abril de 2012 08:33

Talvez Henrique Vainer tenha sido o único advogado criminal de sua geração que jamais assumiu a Tribuna do Júri. Nessa época, a instituição era a vitrine para todos os que defendiam a liberdade, e ele jamais a visitou. E não o fez, não porque não acreditasse no Tribunal Popular. Lá não advogou por excessiva humildade, exagerado senso de responsabilidade e autocrítica exacerbada. Entendia não reunir os predicados necessários para enfrentar as agruras do Júri. Não se considerava, inclusive, um bom orador.

Pois bem, mesmo sem advogar no Júri, Vainer figura na seleta galeria dos grandes advogados criminais do país.

Quando veio do Rio de Janeiro, onde se formou em 1941, para São Paulo, passou a advogar na área cível. Mas, por pouco tempo, pois logo se dedicou à advocacia criminal, sua genuína vocação.

No início da década de cinquenta, a defesa dos italianos Comeli e Malavesi, acusados de sequestrarem o filho do Conde Matarazzo, já revelava o advogado destemido, combativo e extremamente competente.

Seu trabalho em prol da permanência de Malavesi em nosso país, por ter um filho brasileiro, tornou-se referência para a jurisprudência e posteriormente inspirou lei sobre a matéria.

Sua atuação era marcada por extremados cuidados e preciosismos raramente vistos em outros colegas.

Em relação ao cliente, não se limitava ao cumprimento do dever, orientava, encaminhava e o acompanhava, mesmo que já defendido. Sentia-se como que responsável pelo seu destino. Sua atuação extrapolava os limites do exercício profissional.

Exercia a advocacia e ao mesmo tempo exercitava o humanismo.

Lhano no trato, a sua cortesia não era apenas fruto de sua fina educação. Representava um profundo respeito pelo semelhante, que não raras vezes transformava-se em eloquente demonstração de amor ao próximo.

Fui seu companheiro no conselho Penitenciário do Estado de São Paulo e lá testemunhei a grandeza de seu espírito e toda a bondade do seu coração, por meio de votos repassados de compreensão humana e inabalável fé na recuperação do sentenciado.

Ao lado do meticuloso cuidado com que elaborava as suas peças processuais, Vainer se esmerava na manutenção da pureza ética no exercício da profissão.

Contou-me o seu grande e inseparável amigo e companheiro de escritório, Silvestre Garreta Prates, que em certa ocasião, após concluir pela inviabilidade da revisão criminal de certo processo, não cedeu aos insistentes aspectos dos pais do condenado, que usaram como último argumento uma mala repleta de dinheiro, colocada e aberta à sua frente.

Em outra oportunidade indignou-se com um rico industrial que lhe ofereceu polpuda quantia para assumir a sua defesa, em processo que tramitava por uma determinada Vara, cujo titular era seu fraterno amigo. E a razão da contratação, segundo soube, era exatamente tal circunstância.

Henrique Vainer pertenceu a uma notável geração de advogados paulistas, pertencentes a várias áreas de atuação: Rogê de Carvalho Mange; Theotonio Negrão; Geraldo Conceição Ferrari; Raimundo Paschoal Barbosa; Waldir Troncoso Peres; Cássio da Costa Carvalho; Elcio Silva; Rio Branco Paranhos; João Baptista Prado Rossi; Rui Homem de Mello Lacerda;Waldemar Mariz de Oliveira Júnior; Alexandre Thiollier; Sebastião Carneiro Giraldes e tantos outros, que além de extraordinários advogados, tornaram-se porta-vozes dos interesses da advocacia e com notável abnegação e espírito de sacrifício, raros nos dias de hoje, deram vida, alma e perenidade aos órgãos de classe, aos quais pertenceram.

Henrique Vainer possuia tão refinada educação, que após assistir ao julgamento de um caso do seu interesse, esperava mais um ou dois outros antes de retirar-se da sala de sessão. Entendia indevida e indelicada a sua imediata saída. Possuía hábitos que infelizmente não mais se coadunam com os pouco gentis e açodados tempos modernos.

O meu preito de saudade a um advogado especial, diferenciado, diria um homem da renascença, pela sua fidalguia, sensibilidade e refinamento. Uma ave rara.