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Roberto Podval, Carmen da Costa Barros e Beatriz Dias Rizzo falam sobre o problema enfrentado na CPI

Da Redação

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Atualizado às 08:00

 

Direito do advogado

 

Roberto Podval, Carmen da Costa Barros e Beatriz Dias Rizzo falam sobre o problema enfrentado na CPI dos Bingos

 

Roberto Podval, Carmen da Costa Barros e Beatriz Dias Rizzo, da Advocacia Podval, são advogados criminalistas e representam Marcelo Sereno, ex-assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, na CPI dos Bingos. No dia 23/8, não respeitando os direitos do acusado de ser assistido por advogado, os integrantes da CPI impediram que eles participassem do depoimento de seu cliente.

 

Em resposta, os advogados publicam hoje uma carta no jornal Folha de S. Paulo, seção Tendências/Debates, expondo suas opiniões sobre o assunto. Confira abaixo.

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Tendências/Debates

 

Saudosismo Tirânico

 

Roberto Podval, Carmen da Costa Barros e Beatriz Dias Rizzo*

 

"Alguns senadores exteriorizaram total desconhecimento das leis que emanam do poder que representam"

 

No dia 23 de agosto passado, na CPI dos Bingos, quando fomos ameaçados de prisão, quando nos mandaram calar a boca, quando nos disseram que advogado não pode falar nem fazer gestos, não ficamos surpresos.

 

Experiências pessoais anteriores e recentes manifestações desrespeitosas de parlamentares, dirigidas aos depoentes, interrogados e seus advogados, transmitidas ao vivo, faziam-nos achar que seríamos desrespeitados, como advogados e cidadãos. Mas não quisemos crer que assim seria.

 

Preparamos habeas corpus em causa própria, para proteger nosso direito de, simplesmente, não sermos presos por exercer nosso ofício. Não o impetramos porque acreditamos que soaria antipático de nossa parte desconfiar dos senadores que integram a CPI dos Bingos, porque parlamentares de outras CPIs vêm agindo arbitrariamente.

 

Preferimos assumir um risco pessoal, protegendo apenas - por dever irrenunciável do ofício - nosso cliente, em cujo favor foi concedida medida liminar em habeas corpus, para que não fosse ilegalmente coagido na sua oitiva. Nossa quase certeza - era "quase" apenas porque não a queríamos - virou realidade.

 

Parlamentares inquiridores sucumbiram à tentação de se desviarem do objeto, fazendo indagações sobre fatos extravagantes ao tema da CPI (bingos); pedindo opinião sobre atos de terceiros; fazendo censura moral sobre pessoas e decisões do Supremo Tribunal Federal; num "reperguntar" incessante, de maneira não raras vezes agressiva, irônica e ofensiva.

 

Esta situação exigiu nossa intervenção, no exercício daquilo que é, ao mesmo tempo, direito e dever profissional.

 

Entretanto, sob o argumento de que o advogado não pode falar, alguns dos senadores deram início a manifestações exorbitantes com o caráter de repressão tirânica - pela forma e pelo conteúdo - dirigida a estes advogados. Ficaram realmente muito zangados e aparentemente ofendidos quando pedimos a palavra pela ordem. Pareciam achar-se os detentores exclusivos da expressão, exteriorizando total e inaceitável desconhecimento das leis que emanam do poder que representam.

 

É bastante constrangedor ter de ensinar a senadores que o "pela ordem" não é deles. É embaraçoso ter de dizer a antigos e conhecidos parlamentares que frases desrespeitosas não se tornam respeitosas apenas porque começam com "senhora" e "senhor". É desanimador constatar que representantes eleitos para o Senado Federal, num regime democrático, agem de forma totalitária e parecem não gostar dos limites que a Constituição e as leis lhes impõem, tanto que fazem questão de ignorá-los.

 

Por tudo isso, é preciso lembrar que a Constituição Federal (art. 133) diz que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

 

O advogado, nos atos praticados perante uma CPI, não é um estranho, não é visita indesejada nem tampouco mero expectador. É, assim como os parlamentares, cidadão que está desempenhando serviço público e função social.

 

Não cometam os parlamentares, doravante, a bobagem de afirmar que o advogado não pode falar na CPI. Pode. O advogado tem o direito de usar da palavra, pela ordem; de reclamar, verbalmente ou por escrito contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; de falar, sentado ou em pé; de ingressar e sair livremente das salas de audiências.

 

Não pode é ser preso pelo exercício e no exercício das prerrogativas da profissão (art.7º, Lei 8.906/ 04). Não foi, afinal, constituído para ser platéia estática de inquirição, muito menos para funcionar como objeto ornamental inanimado ou enfeite. Não confundam o direito do advogado de se comunicar livremente com o cliente com a impossibilidade de responder pelo cliente; o direito de pedir a palavra pela ordem e o direito de requerer verbalmente o cumprimento da lei com outras espécies de manifestação oral do advogado, em procedimentos de natureza contraditória.

 

A ilegalidade já foi longe demais. Passou do ponto do advogado não poder assistir o cliente em seu depoimento, o que implica intervir para coibir abusos e ilegalidades e chegou ao extremo de impedir que assista ao ato, recebendo ameaça de prisão e de retirada à força do auditório.

 

Há parlamentares, na melhor das avaliações, acometidos por um generalizado déficit de compreensão: não compreendem adequadamente sua função constitucional nem os limites dos seus poderes como inquiridores. Enfim, parecem desconhecer o significado de democracia e acham que respeito é sinônimo de submissão servil démodé. Dessa ignorância decorrem os aterradores espetáculos de berros e ordens ilegais, nos quais se inserem a palavra cassada ao advogado e as ordens de prisão.

 

Resta lembrar, com o grande Luigi Ferrajoli, que o Estado de direito significa um tipo de ordenamento social em que o poder público está rigidamente submetido, limitado e vinculado à Constituição e à lei, no plano substancial (dos conteúdos) e no plano formal (dos procedimentos).

 

Nesse modelo de sociedade, os cidadãos em geral têm apenas o dever legal de obediência às normas, mas os parlamentares, investidos da função pública de elaborar as leis têm, também, um dever moral de protegê-las e respeitá-las. Os advogados estarão de olho e falarão, qualquer que seja a conseqüência, para que assim seja.

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*Roberto Podval, 39, Carmen da Costa Barros, 47, e Beatriz Dias Rizzo, 35, são advogados criminalistas e representam Marcelo Sereno, ex-assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, na CPI dos Bingos.

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Fonte: Folha de S. Paulo, 12/9/2005.

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