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Breves Comentários sobre as Leis Federais n° 11.276/06 e 11.277/06

Daniel de Andrade Araújo

Os presentes comentários são as primeiras impressões da leitura das Leis Federais n° 11.276/06 e 11.277/06, ambas editadas em continuidade às reformas que estão sendo realizadas no Código de Processo Civil. Como primeiras impressões, não são um pensamento definitivo sobre o ali contido, que deverá ser amadurecido no debate constante que se realiza no mundo jurídico.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Atualizado em 20 de fevereiro de 2006 12:09


Breves Comentários sobre as Leis Federais n° 11.276/06 e 11.277/06


Daniel de Andrade Araújo*


Os presentes comentários são as primeiras impressões da leitura das Leis Federais n° 11.276/06 e 11.277/06, ambas editadas em continuidade às reformas que estão sendo realizadas no Código de Processo Civil. Como primeiras impressões, não são um pensamento definitivo sobre o ali contido, que deverá ser amadurecido no debate constante que se realiza no mundo jurídico.


A primeira modificação trazida pela Lei n° 11.276/06 foi a exclusão da expressão "de mero expediente" do Art. 504 do Código de Processo Civil, que passou a dispor que "dos despachos não cabe recurso". A despeito de parecer uma alteração meramente estética, creio que há uma certa necessidade de cautela nesta interpretação.


O Art. 162, §3º do Código de Processo Civil estabelece que são despachos todos os atos do juiz que não são sentenças ou decisões interlocutórias e que são praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.


Já o §4º do Art. 162 do Código de Processo Civil estabelece que determinados atos, classificados como meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória independem de despacho. O fato de independerem de despacho não veda que um magistrado ordene, v.g., a juntada de determinado documento. Estes são os despachos meramente ordinatórios, dos quais já não cabia qualquer recurso, posto que o conteúdo desses despachos consiste na prática de providências que a lei elege como necessária acerca da qual não cabe qualquer análise ou juízo de conveniência.


Justamente por isso, a Emenda Constitucional n° 45 acresceu o inciso XIV ao Art. 93 da Constituição Federal, estabelecendo que os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório.


O legislador, todavia, agora, ao alterara a redação do Art. 504 do Código de Processo Civil, quis que todos os despachos fossem tomados por irrecorríveis. Alguns deles trazem a análise de requisitos estabelecidos na lei e até de fatos contidos no próprio processo e podem causar um prejuízo patente à parte.


Infelizmente, os Poderes da República dão clara demonstração de que vão no caminho errado nas reformas processuais, retirando direitos processuais das partes, quando deveriam, na verdade, investir em tecnologia, estrutura e pessoal.


Por outro lado, o Art. 506 do Código de Processo Civil teve seu conteúdo modificado. Inicialmente, o inciso III dispunha que o prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-ia da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. Isto levava a uma prática saudável de alguns tribunais, como o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que, reforçando a publicidade das sessões de julgamento, publicavam inicialmente uma resenha de julgamento, contendo apenas o dispositivo do acórdão. Posteriormente, com o acórdão pronto e as razões devidamente expostas e transcritas, era publicada a ementa (súmula) do julgamento no órgão oficial, a partir de quando começava a fluir o prazo recursal.


Correto aduzir que a expressão súmula é utilizada em sentido diverso do que é feito normalmente na praxis jurídica. Todavia, a nova redação do inciso III do Art. 506 estabelece que o prazo para recurso será contado da "da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial". A resenha de julgamento, dessarte, uma vez publicada, tem o condão de abrir o prazo processual para a parte prejudicada - posto que é exatamente o dispositivo do acórdão -, não subsistindo as benesses acima apontadas a uma mera correção da expressão súmula, que deveria ter sido meramente substituída por "ementa".


O parágrafo único do Art. 506 do Código de Processo Civil assentava que no prazo para a interposição do recurso, a petição seria protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no art. 524. A Lei Federal n° 11.276/06 modificou a referência ao Art. 524, substituindo-a por referência ao §2º do art. 525 do Código de Buzaid.


A ressalva contida no Art. 506 diz respeito à interposição do Agravo de Instrumento, que se faz, salvo algumas exceções, como é de conhecimento discente, no Tribunal que irá apreciar o recurso. O caput do art. 524 diz que o Agravo será dirigido ao tribunal. O §2º do Art. 525 diz que a petição será protocolada no Tribunal.


Nenhum problema surge com a mudança de referência, sendo até uma inovação que preza pela boa técnica. Como sabido, algumas petições que são dirigidas a um órgão julgador são protocoladas em outro e posteriormente remetidas a quem detém a competência de apreciar o ali contido.


Inovação de relevo foi o acréscimo de um parágrafo ao Art. 515, que cuida dos efeitos do recebimento da apelação, entre outras questões. O novo §4º traz a seguinte redação:


"§ 4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."


Atualmente, verificada, por exemplo, que determinada formalidade não foi praticada para a realização de determinado ato, o Tribunal remete os autos para que a primeira instância renove o ato processual e sane os vícios existentes, quando, então, os autos são remetidos novamente ao Tribunal onde prosseguirá o julgamento.


Pela nova sistemática, o próprio tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimando as partes, devendo prosseguir, sempre que possível, o julgamento da apelação. Ou seja, atribui-se competência ao tribunal para realizar determinados atos corretivos, sanando as nulidades relativas existentes com muito mais presteza.


A inovação mais forte da Lei Federal n° 11.276 foi o acréscimo de um novo parágrafo ao Art. 518 do Código de Processo Civil, que institui a súmula impeditiva de recursos. Agora, pela redação do §1º do Art. 518 do Código de Processo Civil, o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Trata-se da instituição no direito brasileiro da súmula impeditiva de recursos.


Uma primeira observação a ser realizada é a de que a adoção da referida medida tira a própria razão de ser do recurso. Ora, se os recursos existem exatamente para evitar que um juiz, isoladamente, cometendo um erro na avaliação do direito da parte, acarrete-lhe prejuízos, porque, num segundo momento, apenas com vista de novas razões reiterando o aduzido na inicial ou na contestação, este mudaria a sua interpretação incorreta?


Andou mal o legislador. Tal faculdade já era atribuída ao Relator do Recurso no Tribunal de Justiça (Art. 557 do CPC), pessoa diversa daquele que prolatou a sentença, sendo facultado, assim, minimamente, um duplo grau de jurisdição.


Mais uma vez, na ânsia de tolher direitos recursais com o fim de agilizar o processo, a exemplo das inovações relativas ao recurso de agravo, o legislador acarretará uma miríade de Agravos de Instrumento, que só prejudicarão o trâmite processual.


Outra questão que se coloca é a de que pode existir súmula que impeça o recurso com relação à decisão sobre um dos pedidos da inicial mas não com relação a outro. Neste aspecto, pela lei, o Tribunal só terá faculdade de conhecer de um dos pedidos posto que o outro não poderá ser admitido.


A Lei Federal n° 11.276/06 entrará em vigor em 09 de maio de 2006.


Já a Lei Federal n° 11.277/06, que entrará em vigor na mesma data, adiciona ao Código de Processo Civil o Art. 285-A, que dispõe:


"Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.


§1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.


§2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso."


Foi criado um interessante instrumento para o Magistrado, quando a matéria controvertida for unicamente de direito (1º requisito) e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos (2º Requisito), poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. Criou-se praticamente uma "Fast Lane" para a cognição de primeira instância. Esta é imediatamente encerrada e a sentença, proferida.


Juízo, como sabido, é um órgão do judiciário ao qual é atribuída determinada competência (parcela da jurisdição). Não se confunde o juízo na pessoa de um juiz. Um mesmo magistrado pode funcionar em dois órgãos jurisdicionais distintos ao mesmo tempo, tendo, no exercício de cada um deles, competência diversa.


Assim, numa análise inicial, juízo na acepção do Art. 285-A seria a "vara" e não a pessoa física do juiz. Todavia, cremos que esta interpretação pode ser ampliada para "juízo de mesma competência", dando uma interpretação mais ampla ao instituto. Assim, v.g., entre os diversos juízos com competência cível de determinada comarca, quando um deles proferisse um decisum que tratasse de matéria exclusivamente de direito, todos os outros poderiam aproveitar o entendimento comum para agilizar os demais processos.


Importante aduzir que a faculdade criada pelo Art. 285-A poderá também ser aplicada quando, mesmo provados todos os fatos relatados na inicial, ainda assim a questão de direito submetida a julgo for improcedente. Não existe motivo para não enquadrar tal lide nesse dispositivo, sob pena de haver uma restrição desnecessária do instituto, quando é facultado ao magistrado negar a produção das provas desnecessárias à solução da lide.


Por outro lado, a sentença de improcedência também produz efeitos favoráveis ao réu, notadamente em virtude do efeito negativo da coisa julgada (impedimento de rediscussão da matéria). Assim, quando não interposta apelação da decisão proferida com base no Art. 285-A, deverá o Poder Judiciário tomar as providências necessárias à comunicação do trânsito em julgado da sentença ao Réu.


Por fim, como o magistrado julgou o mérito da causa, a apelação poderá devolver o conhecimento pleno da questão ao juízo de segunda instância. Oportuno salientar que em sendo constatada nulidade sanável em virtude da ausência de determinada prova, o próprio tribunal poderá produzi-la (Art. 515, §4º com a redação dada pela Lei Federal nº 11.276/06) e continuar com o julgamento da lide.
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* Advogado do escritório Martorelli e Gouveia Advogados









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