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STJ mantém suspenso contrato para instalação do Museu Guggenheim no Rio

Decisão resume obrigações assumidas pelo Município

Da Redação

quarta-feira, 23 de julho de 2003

Atualizado às 07:46

 

STJ mantém suspenso contrato para instalação do Museu Guggenheim no Rio


Mantida liminar da Justiça do Rio de Janeiro que suspendeu os efeitos do contrato para a instalação de um museu Guggenheim na cidade. O presidente do STJ, ministro Nilson Naves, indeferiu pedido do Município do Rio de Janeiro para suspender a liminar concedida dentro da ação popular movida por Eliomar de Souza Coelho para anular o contrato, assinado entre o município e a Fundação Guggenheim, em Nova Iorque, em abril deste ano.

A decisão proferida pelo juiz da Oitava Vara da Fazenda Pública da capital do Rio de Janeiro e mantida pelo STJ resume as obrigações assumidas pelo Município. Segundo essa decisão, o município gastaria só com os custos da construção mais de 133 milhões de dólares, acrescidos de 800 mil dólares anuais (por cinco anos), de quase 30 milhões de dólares, em três parcelas, para a recuperação do píer da Praça Mauá, e dos valores dos impostos sobre a renda e Sobre Operações Financeiras (IOF) incidentes sobre a operação do Museu. Além disso, o município se comprometeu a dar garantia, por dez anos, dos déficits operacionais até o valor de 12 milhões de dólares.

Todos esses valores em moeda estrangeira (dólares americanos) seriam pagos com a intermediação do JP Morgan Chase em Nova Iorque, o que levou o magistrado singular (o juiz de primeiro grau) a argumentar a ausência de autorização do Senado Federal para operações externas de natureza financeira (art. 52, V, da Constituição Federal), ressalta a decisão.

O juiz afirmou que, em razão de o contrato ultrapassar o exercício financeiro e o próprio mandato do prefeito Cesar Maia, haveria obrigatoriedade de incluí-lo no plano plurianual. Outro ponto destacado na decisão do juiz foi quanto ao fato de o acordo prever a submissão de algumas cláusulas à legislação brasileira e de outras à legislação nova-iorquina em divergência com a Lei das Licitações brasileira e com a de Arbitragem, bem como ao princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos. Segundo afirma o juiz, "na verdade, tem-se a impressão de que o município assinou um contrato de adesão, abrindo mão de suas prerrogativas de ente público, o que lhe é facultado".

Ao tentar reverter essa decisão no STJ, o Município alegou que a manutenção da liminar causa "grave comprometimento e perturbação da ordem, economia e segurança pública municipais". Isso porque a liminar impede o cumprimento do cronograma contratual que se insere no planejamento da administração para a cidade, fulminando "o essencial em nome de dúvidas quanto ao acessório, trazendo como conseqüências a frustração e não-realização de importantes objetivos administrativos: criação de empregos, recuperação da área portuária, investimento de particulares e incremento ao turismo, valorização imobiliária e incremento da arrecadação portuária".

Cita, ainda, a iminência de fuga da Fundação Guggenheim para outra sede, em descrédito para a municipalidade diante da comunidade internacional, afugentando investidores, acarretando penalidades contratuais e comprometendo a contratação do arquiteto Jean Nouvel para o desenvolvimento do projeto do museu (orçado em 12,5 milhões de dólares). A construção de um museu municipal de repercussão internacional como o Guggenheim "é ponto estratégico no projeto de revitalização do centro da cidade e de incremento do fluxo turístico", e a decisão frustra a revitalização urbanística da área portuária e do centro da cidade, comprometendo a recuperação da segurança publica da área "hoje crítica em virtude da degradação urbanística e população rarefeita que constituem a realidade local".

Nilson Naves, contudo, não vislumbrou os riscos alegados pelo município. Primeiro, porque a ordem administrativa não parece ameaçada: os serviços municipais continuam funcionando normalmente e não houve ingerência na tomada de decisões administrativas capaz de comprometer o alegado planejamento da administração para a cidade. "A decisão atinge um contrato específico acoimado de violar normas de ordem pública e causar lesão ao patrimônio municipal", afirma: "Por isso não pode ser responsabilizada por frustração e não realização de alegados objetivos administrativos".

Em segundo lugar, aponta o ministro, porque lhe parece que o risco que há é inverso para a ordem econômica, na medida em que são muitos e elevados os encargos financeiros assumidos pelo município em moeda estrangeira, com expressivo desembolso imediato no exterior, o que pode significar, se confirmada a ilegalidade do ajuste, dano irreversível ou de difícil reparação. De outra parte, a posterior confirmação da legalidade do contrato em debate terá a faculdade de implementar todos os efeitos pretendidos com sua celebração, afirma Naves.

Por fim, o presidente do STJ entende que, em relação à alegada lesão à segurança pública, a suspensão provisória do contrato não vai ao ponto de colocar em risco a segurança pública do local, que o próprio município alega ser região "crítica". "Ou seja, a liminar já encontrou a situação no limite afirmado na inicial", conclui, indeferindo a liminar.

Histórico

A prefeitura desapropriou, neste ano, parte significativa de área considerada não portuária, com a perspectiva de construir um museu integrado no circuito internacional de exposição de obras de arte. O investimento previsto é de R$ 492 milhões, em desembolsos de R$ 123 por ano, divididos em três contratos distintos e integrados, conforme esclarece o município.

O primeiro contrato refere-se à construção de um museu no píer da Praça Mauá. O valor desse projeto é de R$ 360 milhões e se configura ato interno da prefeitura do Rio e se iguala a qualquer licitação para construção de um equipamento cultural. O segundo, é o projeto básico e seu detalhamento e acompanhamento será do arquiteto de notória especialização internacional Jean Nouvel, no valor de R$ 40 milhões, de acordo com o município.

O contrato suspenso pela liminar mantida pelo TJ-RJ é aquele de licenciamento e acesso a acervos e exposições de três museus e apoio curatorial, incluindo o acompanhamento das obras, assinado com a Fundação Solomon Guggenheim (FSG), no valor de R$ 92 milhões. Para o município, "a suspensão dos efeitos do contrato com a FSG praticamente inviabiliza o projeto desenhado para revitalização do centro da cidade e dinamização do turismo".

A contratação da fundação, segundo o município, assegura a qualidade do Museu Municipal do Rio de Janeiro, garantindo-lhe acesso a acervos e exposições dos museus Guggenheim de Nova Iorque, Hermitage de São Petersburgo, considerado o mais importante acervo de artes plásticas do mundo, e Kunshistorische de Viena, que reúne a coleção dos Habsburgo.

Opinião


Carmen Tiburcio, professora de Direito Internacional Privado e Processual Internacional da UERJ e Consultora da área internacional do escritório Luís Roberto Barroso & Associados, em artigo para Migalhas, disserta os fatores que envolvem o contrato para a instalação do Guggenheim carioca.

Para a consultora, a escolha de foro estrangeiro é vedada à Administração Pública, pois sem tal autorização específica esta não se poderia submeter a tribunais estrangeiros. Clique aqui e leia na íntegra este artigo.

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