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Plenário do TSE aprova candidatura de Eurico Miranda

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Da Redação

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Atualizado às 08:16


Deferida

 

Plenário do TSE aprova candidatura de Eurico Miranda

 

A candidatura a deputado federal de Eurico Miranda, cujo pedido de registro tinha sido indeferido pelo TRE/RJ, foi deferida pelo Plenário do TSE ontem (20/9), por maioria de votos de 4 a 3. Coube ao ministro Gerardo Grossi desempatar o julgamento do RO 1069.

 

Ao proferir seu voto-vista, o ministro Gerardo Grossi apoiou-se na LC 64/90 (clique aqui - Lei das Inegibilidades). "Tenho de me ater à lei complementar", ressaltou o ministro. "De todo o debate que se fez nesta Casa - amplo, erudito, enriquecedor - um dado, de fato, ficou certo: o recorrente não sofreu condenação criminal transitada em julgado. É o que me basta para tê-lo inelegível", declarou. O ministro explicou que, como a lei está em vigor, só poderia deixar de aplicá-la se fosse declarada inconstitucional.

 

O artigo 1º, letra 'e', da Lei 64/90 dispõe que são inelegíveis os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado (esgotadas as possibilidades de recurso), pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de três anos, após o cumprimento da pena.

 

Eurico Miranda responde a nove processos na Justiça, sendo oito penais e uma por improbidade administrativa. Dentre os crimes aos quais responde, estão: falsificação de documentos públicos, crimes contra o sistema financeiro e tributário, ausência de contribuições previdenciárias, injúria e difamação, furto e lesão corporal.

 

Em nenhum dos casos, há sentença condenatória transitada em julgado. No entanto, o TRE/RJ negou, por unanimidade, o pedido de registro de Eurico Miranda "em decorrência da vida pregressa do pré-candidato", alegando que ele não teria "postura moral" para exercer o cargo pretendido.

 

Tempo de inelegibilidade

 

Como o recurso foi negado por três ministros dos sete ministros do TSE - Carlos Ayres Britto (que abriu a divergência), César Asfor Rocha e José Delgado - e, conseqüentemente, imposta a pena de inelegibilidade a Eurico Miranda, o ministro Gerardo Grossi levantou a seguinte questão: por quanto tempo ele ficaria inelegível?

 

A LC 64/90 fixa o prazo de três anos após o cumprimento da pena. Porém, o ministro perguntou-se qual seria prazo ao se declarar inelegível, para "se atender a sugestões constitucionais de moralidade, probidade e quejandos", um cidadão que responda a processos criminais. "Sofreria ele pena perpétua? Ficaria ao alvitre do juiz dizer se esse mau cidadão, um dia, se fez um bom cidadão?"

 

Hipótese histórica

 

Na época da ditadura, lembrou o ministro Gerardo Grossi, bastava que uma pessoa respondesse a processo judicial, instaurado por denúncia do MP pela prática de determinados crimes, para que fosse declarada inelegível. Tal dispositivo legal (artigo 1º, inciso I, alínea "n" da LC 5/70 - clique aqui) foi declarado inconstitucional pelo TSE, por voto de desempate, em 23 de setembro de 1976. Pouco depois, o STF modificou, por escassa maioria, a decisão do TSE.

 

A LC 5/70 vigorou por seis anos e meio. Nesse período, se o TSE tivesse de examinar um pedido de registro de candidatura de Juscelino Kubitschek ao cargo de vereador de Diamantina, supôs o ministro Gerardo Grossi, teria de indeferi-lo, mesmo que JK não estivesse, como estava, com seus direitos políticos suspensos por dez anos, pois contra ele tramitavam 12 IPMs (Inquéritos Policiais Militares).

 

"Dada essa notícia histórica, historicamente pertinente, creio que não podemos reeditar aquele dispositivo da LC nº 5 que esta Corte e o STF, afinal, tiveram por inconstitucional", disse o ministro. "Não somos legisladores e, muito menos, legisladores constituintes", completou, reforçando que a inelegibilidade é direito constitucionalmente protegido.

 

A LC nº 5/70 foi revogada pela LC nº 64/90.

 

Resultado

 

A candidatura de Eurico Miranda foi aprovada pela maioria dos ministros do TSE. Os ministros Marcelo Ribeiro (relator), Marco Aurélio, Cezar Peluso e Gerardo Grossi proveram o recurso. Os ministros Carlos Ayres Britto, Cesar Asfor Rocha e José Delgado desproveram-no.

 

Voto do ministro Cesar Asfor Rocha no julgamento de terça-feira (19/9) do recurso sobre a candidatura de Eurico Miranda

 

Após o voto-vista do ministro Carlos Ayres Britto, que abriu a divergência no julgamento do RO1069, o ministro Cesar Asfor Rocha pediu vista. Na sessão de julgamento de terça-feira (19/9), ele leu o voto, no sentido de indeferir a candidatura de Eurico Miranda a deputado federal, argumentando ofensa ao princípio constitucional da moralidade pública.

 

No voto, o ministro destacou que, sopesando os princípios cogitados, da presunção de inocência e da proteção da probidade e da moralidade administrativa, e valendo-se da atribuição que o art. 23 da LC 64/90 outorga à jurisdição eleitoral, "... a existência de uma condenação pelo crime de falsificação de documento público é indício bastante e presunção satisfatória para desabonar completamente a reputação do recorrente para o fim aqui colimado..."

 

Ao final, apontou como desrecomendável à assunção de cargo eletivo o pré-candidato Eurico Miranda.

 

Leia, a seguir, a íntegra do voto-vista do ministro Cesar Asfor Rocha no julgamento de terça-feira (19/9):

___________

VOTO-VISTA

 

MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

 

"Após os votos dos eminentes Ministros Marcelo Ribeiro (Relator), Marco Aurélio e Cezar Peluso, dando provimento a este recurso, e do voto-vista do eminente Ministro Carlos Ayres de Britto, negando-lhe provimento, pedi vista para melhor refletir, e com mais vagar, como a importância do tema o merece, sobre o alcance, o sentido e o significado da causa legal complementar de inelegibilidade, albergada no art. 1º, I, "e" da LC 64/90, que estatui que são inelegíveis os (cidadãos) condenados pela prática dos crimes ali indicados, desde que transitada em julgado a sentença respectiva.

 

Instiga-me sobremaneira a cláusula da Lei Complementar que exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para que a decisão do Juízo Criminal passe a lavrar o efeito cogitado na norma positiva de Direito Eleitoral, qual seja: o de sustar a elegibilidade do cidadão, mesmo quando contra ele já se lavrou decisão final de condenação por crime contra a Administração Pública ou outro de igual (e até maior) poder ofensivo dos valores sociais protegidos pelo Direito, mas ainda não consolidada essa condenação em res judicata.

 

Convém lembrar que a introdução da exigência de sentença penal condenatória transitada em julgado, como consta do referido inciso legal complementar, veio substituir dispositivo da LC 5/70, que se contentava, como bem recordou o eminente Ministro Marco Aurélio em seu judicioso voto, proferido com a erudição e a veemência com que usualmente defende as suas posições, com a só existência de denúncia criminal recebida pelo órgão judicial competente, para que se definisse a inelegibilidade do pretendente à disputa de cargo político.

 

Parece-me do mais realçado valor exegético essa mudança na norma de regência de inelegibilidade, quando pertinente à prévia existência de condenação criminal do postulante a cargo eletivo, cumprindo frisar que a norma anterior, exigente apenas da denúncia recebida, deu lugar à atualmente vigente, que exige a mais conspícua das figuras processuais, ou seja, a consolidação da decisão judicial penal condenatória em coisa julgada.

 

Muito mais do que a compreensão da norma eleitoral afluente, de si mesma portadora de alta definição jurídica, releva anotar a mudança de orientação legal quanto ao tema inelegibilidade, sendo isso de enorme valor hermenêutico, pois representa uma indiscutível reavaliação objetiva de situação e a adoção de solução que se pode dizer diametralmente oposta à anterior.

 

Por outro lado, deve-se deixar de logo bem assinalado que esse dispositivo legal complementar (art. 1º, I, "e" da LC 64/90) foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro, quando reinava uma espécie de sacralidade com relação à coisa julgada, em virtude da qual a ela se atribuía um valor total, absoluto e insuperável, impedindo completamente quaisquer discussões ou reexames sobre as matérias nela inseridas.

 

Não se pode perder de vista que o instituto da coisa julgada serve, há séculos, aos valores da estabilidade, da segurança e da certeza jurídicas, tendo se refinado como instituto processual do mais largo apreço na doutrina dos especialistas e na Jurisprudência dos Tribunais, figurando, ao lado da presunção de inocência, como um dos mais caros índices culturais de evolução jurídica; se estou bem recordado das palavras eruditas e judiciosas do eminente Ministro Cezar Peluso, que, na verdade, proferiu autêntica aula magna acerca da evolução da res judicata, com a largueza própria de sua sólida formação jurídica, a elaboração conceitual da presunção de inocência teve as suas mais precisas idéias a partir da segunda metade do século XVIII, com a iluminada contribuição do famoso Marquês de Beccaria, que tanto influenciou os Enciclopedistas Franceses de 1789.

 

Na seqüência histórica, mas ainda na seara do Direito Criminal, importa relembrar a contribuição de Giovanni Manzinni, cuja influência no penalismo italiano é reconhecida e proclamada por todos, conforme foi aqui também assinalado no voto do Ministro Cezar Peluso; por último, cabe, novamente, referir que a Carta das Nações Unidas de 1945 consagrou esse instituto, que veio sendo objeto de progressivo reconhecimento constitucional nas Constituições escritas ocidentais, não sendo possível referir, nesta altura, qual sistema jurídico contemporâneo deixaria de consagrá-lo; mas é mister se dizer que os institutos da coisa julgada e o da presunção de inocência corporificam, no Processo Penal moderno, e, por extensão nas ações próprias do Direito Sancionador contemporâneo, talvez a síntese mais completa e perfeita das pessoas que se vêem processadas.

 

No Brasil, a presunção de inocência tem o nível de direito/garantia constitucional, a afiançar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), significando que, antes de tal evento processual, todos são tidos e havidos como inocentes, ou seja, não passíveis de sofrerem qualquer redução ou restrição de direito, em razão do processo penal.

 

Entretanto - e este é o ponto para o qual a minha atenção foi chamada - a hermenêutica constitucional e jurídica contemporânea é hoje beneficiária da apreciação que deriva da força dos princípios jurídicos gerais e constitucionais, de tal modo que todos os institutos da velha hermenêutica (expressão do Professor Paulo Bonavides) têm indispensavelmente de ser valorizados, hoje em dia, à luz desses elementos da ordem jurídica (os princípios), sem cuja exata compreensão a atividade exegética se torna bem próxima da repetição servil da letra do texto.

 

Na opinião deste acatado e insigne Mestre cearense, a interpretação tradicional da Constituição, que utiliza os métodos clássicos da interpretação jurídica, considera a Carta Magna em seu sentido apenas estrito, deixando à margem da sua exegese a compreensão mais larga dos seus conteúdos, o que deve ser atribuído à visão do jurista técnico que, em razão desse viés cognitivo, fica tolhido de conhecer a verdade constitucional em sua essência e fundamento (Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 1999, p. 466).

 

Estou lembrado, como todos nós o estamos, que a disposição legal complementar do art. 1º, I, "e" da LC 64/90 está ancorada na presunção de inocência da pessoa, uma conquista cultural relevantíssima, dentre muitas outras de magnitude semelhante, representando, inclusive, seguro indicador de desenvolvimento jurídico da sociedade moderna; entre nós, repito, essa conquista tem foros de direito fundamental, inscrito, como deve efetivamente ser, de modo solene, na Carta Magna (art. 5º, LVII), à maneira de um princípio.

 

Entretanto, adotando-se a interpretação ampla da Constituição, penso ser mister conhecer e mensurar a eficácia de seus princípios, agora dotados de eficácia direta, eis que é incontroversa a assertiva de que a Constituição abriga outros princípios, alguns dos quais voltados à preservação de valores sociais e políticos que ultrapassam o âmbito dos direitos pessoais, que continuam, sem rebuços, merecedores de proteção jurídica, mas somente exercitáveis quando (e se) em harmonia com aqueles outros; aliás, assim mesmo se dá com a propriedade individual (sujeita à desapropriação) ou com a liberdade de empreender (sujeita à função social), para citar apenas esses dois casos de notória exemplaridade.

 

Evidente que a atuação eficaz dos princípios constitucionais não depende, necessariamente, de mudanças normativas inferiores, podendo o Julgador, atentando ao significado das postulações principiológicas, interpretar as normas inferiores de modo a resguardar a integridade e a soberania dos princípios, realizando a função de interpretar o ordenamento normativo em conformidade com os ditames desses mesmos princípios superiores.

 

Tenho absoluta convicção de que não anuncio, agora, novidade alguma, ao dizer que a função da exegese constitucional contemporânea tem por escopo essencial, precisamente, tecer a perfeita compatibilização entre os princípios da Carta Magna, esses elementos da macro-estrutura jurídica do ordenamento positivo, não poucas vezes desafiadores de decifração.

 

A concepção exegética afirmadora da proeminência dos princípios, aliás, de notória importância na história mais recente do Direito, máxime do Direito Constitucional, os vê associados às noções de fundamentos, bases, limites ou referências do próprio conjunto normativo, mas sempre numa posição de supralegalidade, veiculando-se, ainda, a idéia de que cumpre afirmar essa posição em relação a esse mesmo conjunto normativo, como se vê nesta passagem do reverenciado jus-filósofo italiano Norberto Bobbio:

 

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que então não deveriam ser normas? (Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria Celeste dos Santos, Brasília, UnB, 1997, p. 159/159).

 

Por outro lado, cuido de lembrar que, no ordenamento jurídico, todos os institutos possuem ou assumem uma função determinada e estratégica, não havendo instituto de Direito que seja dela desprovido; essa função é manifestada aos destinatários do instituto por meio de prescrições ou comandos, como bem explica o já citado Professor Norberto Bobbio, enfatizando que um corpo de leis tende a eliminar (de si) tudo o que não é preceito (Teoria da Norma Jurídica, São Paulo, Edipro, 2003, p. 78), daí se dizer que o ordenamento jurídico é um universo harmônico de vários preceitos e várias normas, algumas escritas e outras não, como os princípios.

 

Faço esta breve digressão (embora muitos a possam considerar desnecessária), para deixar enfatizado que a exegese constitucional não pode deixar à margem do sistema jurídico a força normativa dos princípios, na feliz expressão do Professor Paulo Bonavides, daí surgir, como elemento axial dessa mesma exegese, a compreensão de sua função.

 

No tocante ao exame do presente Recurso Ordinário, é certo que o princípio da presunção de inocência não pode ser desconhecido do exegeta constitucional, mas parece-me igualmente certo que ele (o intérprete da Constituição) também não pode ignorar, no que interessa aos institutos do Direito Eleitoral, a força normativa dos princípios da Carta Magna, em especial o dizer contido no art. 14, parág. 9º, ao impor a proteção da probidade e da moralidade públicas, quando se cuida de preconizar os casos em que ao cidadão se proíbe o direito de concorrer a cargo eletivo.

 

Na verdade, não se ignora que esses valores constituem princípios constitucionais expressos da Administração Pública (art. 37 da Carta Magna), cuja preservação há de ser provida por meio da atividade jurisdicional em geral e, em particular, por meio da atuação dos órgãos da jurisdição eleitoral, já que se trata de princípio que interessa máxima e diretamente à definição dos que podem concorrer a cargos eletivos.

 

Pondero que nem mesmo se discute, até porque sobre isso não paira dúvida alguma, que os institutos do Direito Penal comum e os do Direito Processual Penal, este com sua vasta gama de proteções à pessoa, são todos plenamente aplicáveis aos casos de imposição de quaisquer sanções, seja de que natureza forem; evidente, portanto, que a presunção de inocência atua sem restrições no campo do Direito Eleitoral Penal. Esse ramo jurídico integra, sem dúvida alguma, o moderno Direito Sancionador, cuja abrangência alcança quaisquer condutas infringentes de padrões normativos.

 

Contudo, é preciso pôr em destaque que, no procedimento de habilitação dos candidatos aos postos eletivos, a atenção da Justiça Eleitoral não deve se focar tão só, unicamente e apenas na identificação dos cidadãos eventualmente condenados por decisões criminais irrecorríveis, eis que esses, com certeza jurídica suficiente, estão, sem dúvida alguma, alcançados pela norma constitucional excludente da sua capacidade de disputar o pleito, como resulta da sua simples leitura.

 

Ao meu ver, o indeferimento do pedido de registro de candidatura de quem está condenado criminalmente por sentença penal transitada em julgado é daqueles pleitos sobre os quais se pode dizer tratar-se de juridicamente impossível, porque a norma de exclusão não comporta qualquer interpretação que desvalorize esse inevitável resultado.

 

Repetindo, por outras palavras, esta idéia, reitero que, nos casos de inelegibilidade previstos na Constituição e/ou na LC 64/90, a atividade jurisdicional eleitoral é simples ou sumária, pois não assiste a essa jurisdição especializada transpor ou suspender ou eliminar a eficácia dessas situações.

 

Todavia, no contra-ponto desta assertiva, isso não significa dizer que seja automático o deferimento de pedidos de registro de candidaturas, apenas porque inexiste, em relação ao postulante, decisão penal condenatória transitada em julgado, pois outros fatores pesam na avaliação judicial eleitoral, que não está reduzida à constatação de ausência de condenação penal irrecorrível.

 

Na verdade, o art. 23 da LC 64/90 é solarmente explícito quanto ao procedimento de apreciação jurisdicional dos pedidos de registro de candidatos, enunciando mensagem de incontornável definição:

 

Art. 23 - O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

 

Parece-me, com a devida vênia dos que discordarem, que esta citada norma da LC 64/90 não orienta os casos em que o postulante ao registro de candidato tem lavrada contra si sentença penal condenatória transitada em julgado, mas sim os casos em que, mesmo sem essa condenação definitiva, os candidatos, por terem sido condenados, ainda que sem trânsito em julgado, não se apresentam como portadores de vida pregressa recomendável ou isenta de elementos indiciários que apontem no sentido da imoralidade pública ou da improbidade administrativa ou capazes de fazer periclitar o superior interesse público da lisura do pleito.

 

Como se vê, o desafio da Justiça Eleitoral é maior e muito mais complexo quando se cogita, como agora, de saber se a dita norma constitucional proibitiva incide (ou não) sobre as situações dos que, não tendo contra si decisões penais condenatórias trânsitas em julgado, têm, contudo, decisões penais ainda recorríveis, ou mesmo já recorridas, pendentes nas instâncias recursais próprias, pela prática de qualquer dos crimes listados no art. 1º, I, "e" da LC 64/90.

 

Tenho a segura convicção de que a existência de eventuais condenações criminais é da maior relevância para a jurisdição eleitoral, sendo de menor importância o fato de essas condenações já haverem transitado em julgado, porque a Justiça Eleitoral não está, ao apreciar o pedido de registro de candidaturas, aplicando sanção penal (que efetivamente dependeria do trânsito em julgado da condenação), mas avaliando se o postulante ao registro reúne as condições legais e exigidas.

 

Penso que, havendo condenação penal recorrida, haveria, no mínimo, a necessidade de se analisar, em cada caso concreto, a viabilidade material do recurso interposto, em todos os seus aspectos, não bastando a simples interposição do apelo para já se ter por suspensa a inelegibilidade, porque esta (a inelegibilidade) não é pena criminal em sentido estrito.

 

Ao meu ver, é da mais avultada importância se deixar definitivamente assentado que a apreciação, pela Justiça Eleitoral, de pedido de registro de candidatura a cargo eletivo, se desenvolve em ambiente processual de dilargada liberdade judicial de pesquisa e ponderação dos elementos que acompanham e definem a reputação do pretendente. Se assim não fosse, seria a Justiça Eleitoral completamente acrítica e infensa aos valores que busca justamente proteger, quais sejam, a probidade e a moralidade do futuro desempenho do ungido pelas urnas.

 

Ora, a atividade judicial cognitiva está hoje qualificada, com toda a justeza, pela ausência de restrições apriorísticas à formação do juízo; hoje, como se sabe, o Juiz detém não apenas o poder, porém mesmo o dever, de impulsionar a atividade probatória, ainda que as partes dela se desinteressem ou mesmo eventualmente a ela se oponham.

 

Ao deferir (ou indeferir) pedido de registro de candidato, o órgão da Justiça Eleitoral expressa um assentimento (ou uma recusa) à qualificação cívica do postulante, em atividade de avaliação que não deve ficar sempre limitada ou jungida aos resultados de outras avaliações judiciais, precedentes, emanadas de outros órgãos da Magistratura Nacional, por mais reverenciados que sejam, em virtude de suas posições na hierarquia interna do sistema.

 

Não chego ao ponto de afastar da disputa, embora tentado a isso seja, aqueles que se encontram em situações em que essa qualificação cívica do cidadão se acha apenas percutida por denúncia criminal, mesmo tratando-se de denúncia calcada em elementos de seriedade confirmados, com amplos dados indiciários, e ainda que não se possa considerar o denunciado em situação idêntica à daquele cidadão que não tem contra si denúncia alguma.

 

Como todos entendemos, a postulação eletiva não é de ser vista como uma pretensão individualista, em que o indivíduo busca obter o máximo proveito de sua atividade; pelo contrário, sobre essas pretensões paira a vocação de bem servir à polis, daí precisamente a idéia platônica de política como a arte de atender às demandas da cidade.

 

Repito que, por certo, pairarão sobre essas legítimas pretensões individuais os valores maiores e permanentes da ordem democrática e a preocupação em preservá-los contra o desgaste que vem do exercício malsão do poder político, por pessoas civicamente desqualificadas.

 

Assinalo que a sentença penal condenatória (ainda não trânsita em julgado) não assimila, no sistema jurídico, a eficácia que autoriza a imposição de pena, mas satisfaz plenamente o padrão posto como regra principiológica no art. 14, parág. 9º, da Carta Magna, com a força de afastar a elegibilidade do cidadão.

 

Não me parece jurídico nem acertado dizer-se que é nenhuma a importância de uma sentença penal condenatória pelo só fato de não haver transitado em julgado, embora esse trânsito seja a condição insuperável de sua execução; se restar afirmado que a sentença penal condenatória não produz resultado algum sobre os elementos da avaliação subjetiva do conceito da pessoa condenada, se estará, no mesmo passo, afirmando que a Justiça Criminal terá submetido o indivíduo a processo fútil, já que o pronunciamento judicial não definitivo o deixaria na mesmíssima situação jurídica do que não se acha condenado.

 

Ao meu ver, se não se der à condenação penal recorrida essa eficácia, restrita, como se observa, apenas ao direito à elegibilidade, isto é, ao propósito estritamente eletivo, penso que se estará minimizando, ou mesmo deixando-se de reconhecer nesses atos, a função jurídica dos institutos que neles se representam, ou seja, o processo judicial penal e a decisão condenatória são totalmente desinfluentes no que respeita à produção de desconsideração cívica do condenado.

 

Reitero, com insistência e, por óbvio, que não proponho que a pessoa condenada por sentença penal recorrida ou recorrível, seja de logo submetida à execução criminal, mas apenas que essa pessoa não possa disputar cargo eletivo, tendo em vista a regra de seleção, pelo critério da reputação, que a Carta Magna inscreve no seu art. 14, parág. 9º.

 

Tenho, por fim, que a inelegibilidade do cidadão, por esses motivos que estou apontando, não há de ser compreendida como pena criminal antecipadamente executada, mas (apenas) como aplicação da força normativa dos princípios democráticos, nos domínios específicos do Direito Eleitoral, que manda que a seleção dos que podem postular cargo eletivo tenha em conta a sua vida pregressa, como meio de preservação do próprio teor de democraticidade do Estado de Direito.

 

Portanto, não é somente a prática delitiva dos ilícitos penais expressos no art. 1º, I, "e" da LC 64/90 que conduzem à inelegibilidade do candidato, mas inelegibilidade também tem por matriz a condenação criminal pela prática de outros crimes, não listados no referido dispositivo legal complementar; explicando melhor o meu pensamento, proclamo que a ausência de elegibilidade não deriva somente de condenação transitada em julgado, embora esta seja uma hipótese de indiscutibilidade manifesta, mas deriva também de outras hipóteses, qual a condenação não transitada em julgado, albergada na avaliação que o órgão jurisdicional eleitoral deve fazer dos pedidos de registro, nos termos do art. 23 da LC 64/90, antes transcrita.

 

Reconheço que o art. 1º, I, e da LC 64/90 está limitado pela dicção do art. 14, parág. 9º da Carta Magna, prevendo que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, dando margem ao entendimento de que os crimes não previstos na LC que disciplina aquele item constitucional não gerariam, em relação ao seu agente, a inelegibilidade em apreço.

 

Por outro lado, a segurança jurídico-penal também recomendaria, em princípio, que se tivesse aquele rol da LC 64/90 como taxativo, inclusive porque essa orientação jus-metodológica seguiria ao pé da letra a norma magna do art. 14, parág. 9º da Constituição.

 

Porém, com a devida vênia, a lógica jurídica aplicável aos casos de inelegibilidade não anda à cata de ilícitos penais, mas sim em busca de indicadores de inadequação do candidato à obtenção do registro, e essa função preservadora da moralidade e da probidade públicas não pode ficar restrita a certos e determinados crimes, como se os demais não gerassem a restrição em apreço.

 

Como se sabe, a interpretação literal, sobretudo a interpretação literal dos dispositivos da Constituição, não é o melhor dos métodos de apreensão do significado das normas legais, devendo mesmo ceder o passo a outros que sejam mais hábeis à tarefa de compreensão jurídica, dentre os quais avulta a interpretação funcional-teleológica, que mantém no mais alto nível de consideração a mensagem posta pelo legislador constituinte originário, não permitindo que se perca a sua eficácia pelas armadilhas, restrições e atalhos próprios da legislação infra-constitucional.

 

Como já destacado anteriormente, a recomendação mais constante dos hermeneutas constitucionais é a de que a interpretação da Constituição se faça pelos seus princípios, ao invés de se fazer pelas suas palavras; neste caso, restaria inócua a mensagem do art. 14, parág. 9º da Carta Magna, se lhe fosse dada a interpretação literal, pois ficariam fora da sua incidência saneadora os praticantes de crimes afins, conexos, instrumentais ou de qualquer modo vinculados aos listados no art. 1º, I, e da LC 64/90.

 

Nem precisa se gastar muito esforço para demonstrar que os condenados por crimes conexos ou instrumentais dos listados nesse dispositivo também são inelegíveis, embora não se possa dizer (e nem prever) que outros crimes seriam esses.

 

Como muito bem observa a Professora Ada Pellegrini Grinover (As Nulidades no Processo Penal, São Paulo, RT, p. 47), a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente aos órgãos do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do Juiz competente para o processo: por meio das regras constitucionais e legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluindo-se dos demais órgãos jurisdicionais, para que só aquele deva exercê-lo em concreto.

 

Ora, seria de todo inaceitável que um caso que fosse de inelegibilidade escapasse ao juízo ou à avaliação da jurisdição eleitoral, pois se estaria atribuindo a outro órgão (excluído da estrutura da jurisdição eleitoral) uma competência estranha às suas e, ao mesmo tempo, sobreposta à dos órgãos jurisdicionais específicos.

 

Sendo assim, pela vontade superior da Constituição, a moralidade e a probidade administrativas devem ser eficazmente preservadas e essa preservação, no que compete à Justiça Eleitoral, tem de abranger a sua avaliação ampla, não restrita, de modo que a supremacia jurídica permaneça na Constituição e não nas regras que a complementam.

 

Retorno ao argumento de que crimes não previstos na LC 64/90 podem, eventualmente, acarretar a inelegibilidade de seus agentes, como, por exemplo (mas não só), quando é instrumental ou conexo com aqueles; dessa forma, afasto a exegese restritiva e reafirmo que a competência da Justiça Eleitoral não pode ser encurtada por normas inferiores à Constituição.

 

Destarte, ao meu sentir, com a devida vênia dos que pensam em contrário, qualquer indivíduo que tenha a sua vida pregressa (reputação) tisnada por condenação, ainda que sem trânsito em julgado, pelo cometimento de outros graves crimes há de sofrer a restrição decorrente de tal situação, daí porque é juridicamente aceitável que se tenha como apenas exemplificativo o supra citado rol de ilícitos (LC 64/90).

 

Registro que, se assim não for, ter-se-á de reconhecer como elegíveis os que tenham cometido, por exemplo, homicídios em série (serial killers), lenocínio, crimes contra o patrimônio privado (assalto, roubo, estelionato, etc.), seqüestro, tráfico de drogas e de armas, racismo, atentados contra o Estado Democrático de Direito e/ou outros, pela simples razão de não constarem naquela lista.

 

No caso presente, cumpre observar que o recorrente está condenado pelo crime de resistência, embora a sentença não tenha trânsito em julgado, bem como processado por outros delitos de gravidade manifesta, como crimes contra a ordem tributária e de apropriação indébita previdenciária, sem falar em lesão corporal, processos esses que referencio apenas para melhor deixar delineado o perfil do recorrente.

 

Com efeito, sopesando os princípios cogitados, da presunção de inocência e da proteção da probidade e da moralidade administrativa, e valendo-me da atribuição que o art. 23 da LC 64/90 outorga à jurisdição eleitoral, tenho que a existência de uma condenação pelo crime de falsificação de documento público é indício bastante e presunção satisfatória para desabonar completamente a reputação do recorrente para o fim aqui colimado, que o aponta como desrecomendável à assunção de cargo eletivo, tendo em vista que, atentando para essas circunstâncias e no interesse público de lisura do pleito, a sua não participação no certame é medida que se impõe.

 

Reitero que esse juízo não compromete a percepção ou avaliação que no futuro venha a ter a respeito das imputações delitivas feitas ao recorrente, as quais serão apreciadas na instância própria e no momento oportuno. O de que se trata, por agora, é tão-só e apenas de preservar o pleito eleitoral, impedindo-se, jurisdicionalmente, a participação de quem, como o recorrente, não ostenta as condições reclamadas pelos valores da moralidade e da probidade administrativas.

 

Com a devida vênia, nego provimento ao recurso, acompanhando o voto divergente, do eminente Ministro Carlos Ayres de Britto, ainda que por fundamentação diferente.

 

É como voto, eminentes Pares."

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