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Redebate sobre a incidência do ICMS na importação de bens para uso e consumo próprio

Como é de conhecimento geral, mormente da comunidade jurídica, por meio da edição da Emenda Constitucional (EC) n. 33, de 11 de dezembro de 2001, o Governo Federal, em conjunto com os Governadores, buscou literalmente driblar o entendimento até então contrário do Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na importação de bens, quando realizada por contribuinte meramente para uso próprio. Ante a proximidade da definição do tema, pela nossa Suprema Corte Constitucional, que, desta feita, será analisado sob o prisma da Emenda Constitucional n. 33/01, impende, por oportuno, reacender o debate em torno dessa incidência.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Atualizado em 4 de dezembro de 2006 13:58


Redebate sobre a incidência do ICMS na importação de bens para uso e consumo próprio

Leandro Pacheco Scherer*

Como é de conhecimento geral, mormente da comunidade jurídica, por meio da edição da Emenda Constitucional (EC) n. 33 (clique aqui), de 11 de dezembro de 2001, o Governo Federal, em conjunto com os Governadores, buscou literalmente driblar o entendimento até então contrário do STF, acerca da não incidência do ICMS na importação de bens, quando realizada por contribuinte meramente para uso próprio. Ante a proximidade da definição do tema, pela nossa Suprema Corte Constitucional, que, desta feita, será analisado sob o prisma da Emenda Constitucional n. 33/01, impende, por oportuno, reacender o debate em torno dessa incidência.

A despeito da redação do artigo 2º, parágrafo 1º, inciso I, da Lei Complementar n. 87/96 (clique aqui) - diploma legal que, segundo mandamento constitucional, teve como função regular e estabelecer as bases gerais do ICMS -, o qual dispunha que o ICMS incidia sobre as operações de importação efetuadas por pessoas físicas, mesmo que sem qualquer intuito comercial e/ou habitualidade, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a Constituição Federal de 1988 (clique aqui), firmou entendimento de que, não havendo, no ato de importação, objetivo comercial, ou seja, operação de natureza mercantil, descabe a incidência do ICMS.

Consoante alinhavado no intróito, a construção e edição da Emenda Constitucional n. 33/01 teve justamente como desiderato inescondível contornar a posição fixada pelo STF - que escorreitamente interpretou o dispositivo constitucional - para conferir nova redação ao artigo 155, inciso XI, alínea "a", e, conseguintemente, preceituar que o ICMS incide "sobre a entrada de mercadorias e serviços importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou destinatário da mercadoria, bem ou serviço". Tal seja, mesmo contra a posição do STF, contra a matriz constitucional do ICMS, e contra a realidade lógica, os Executivos lograram êxito em aprovar a malsinada EC 33/01.

Todavia, nada obstante o advento da inadequada EC n. 33/01, para descontentamento dos executivos federal e estadual, parte dos contribuintes não se conformou com essa alteração, que culminou num indevido ônus tributário, e, nessa medida, acorreu ao Poder Judiciário objetivando a declaração de inconstitucionalidade da EC n. 33/01, por, entre outros, visível malferimento ao contido no artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição da República, cujo diretivo consigna, peremptoriamente, que sequer será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, assim entendidos não somente os direitos catalogados no artigo 5º da Lei Máxima, como também todo e qualquer postulado constitucional com status de direito ou princípio fundamental.

No que concerne ao ICMS, é preceptivo balizar e fundamental do tributo, norteador da estrutura-mestra do imposto, justamente por ser sua pedra angular, que molda toda sua configuração, a obediência ao obrigatório princípio constitucional da não-cumulatividade, inserto no artigo 155, § 2º, I, da Lex Legum, que enuncia que o ICMS será sempre não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Esse é o fidedigno teor do contido na Lei das Leis.

Isso que dizer que o cânon constitucional da não-cumulatividade, além de perfectibilizar um princípio nodal do ICMS, que, sem exceção, deve estar presente em qualquer operação que o precitado imposto incida, por corolário inequívoco constitui direito inarredável do contribuinte, que, sob essa ótica fundamental, deve exigir, em todas as ocasiões, que, quando sujeito ao pagamento do ICMS, o faça dentro do formato não-cumulativo do imposto. Do contrário, verdadeiramente não lhe pode ser exigido tal tributo, pela ausência de seu pressuposto relevante, que delineia o seu arquétipo.

Ora, fixadas tais premissas, se infere, de modo hialino, e como desdobramento singelo e lógico, que a Emenda Constitucional n. 33/01 está maculada por eiva de inconstitucionalidade insuprível, pois, quando o contribuinte não habitual do ICMS importa dado bem para consumo próprio, resta inaplicável, e naturalmente afastado, o referido princípio constitucional da não-cumulatividade, porquanto o contribuinte que importa bem para consumo próprio não pode compensar o valor devido na operação seguinte, vez que a mesma logicamente não existe. Noutras palavras, na situação em voga, isto é, em que o contribuinte denominado não habitual, importa bem para consumo próprio, o princípio da não-cumulatividade simplesmente não se concretiza, simplesmente não se manifesta, exatamente pela natureza da operação, que não tem caráter comercial.

Esse, inclusive, sempre foi o posicionamento dos Egrégios STJ e STF, antes da edição da multimencionada Emenda Constitucional n. 33/01 e que, espera-se, permaneça inalterado, mesmo depois do advento da EC 33/01. Nesse viés, logo após, aliás, da publicação da EC 33/01, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 496223/RS, já se pronunciou no idêntico sentido do definido antes do advento da EC 33/01, ou seja, de que a EC 33/01 não teria o condão de alterar conceito real e constitucional, abstraindo-se da realidade, para, então, cobrar o tributo. Dita decisão do STJ foi publicada em 01/09/2003, data posterior, portanto, a publicação da Emenda Constitucional n. 33/01.

Com a proximidade da definição da matéria pelo STF, quando, assim desejamos, finalmente seja colocado um ponto final no assunto e, como decorrência lógica, numa orientação natural, estritamente de acordo com os fatos e a natureza jurídica, reste definitivamente reconhecido que a pessoa, contribuinte não habitual do imposto, quando importe bem para consumo próprio, não tenha que recolher o ICMS.

De todo o exposto, ressoa induvidoso que a operação de importação de bens por contribuinte não habitual, para consumo próprio, não pode ser objeto de incidência do ICMS, notadamente por ausência do preceptivo constitucional nevrálgico e inafastável da não-cumulatividade, que, em matéria de ICMS, deve estar peremptoriamente presente, em todas as circunstâncias, o que, como demonstrado ao longo dessas considerações, efetivamente não acontece. Esperemos que o STF assim também se posicione, reiterando, destarte, tudo o que assentou até então.

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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados




 


 

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