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STF - Defesa deve ter acesso pleno aos autos de um inquérito policial, incluindo os dados de interceptações telefônicas

Da Redação

quarta-feira, 19 de março de 2008

Atualizado às 09:25


STF

Defesa deve ter acesso pleno a dados de interceptações telefônicas juntadas ao inquérito

Por unanimidade, os ministros da Primeira Turma do STF confirmaram ontem o entendimento de que a defesa deve ter acesso pleno aos autos de um inquérito policial, incluindo os dados obtidos a partir de interceptações telefônicas. Para o relator do HC 92331 (clique aqui), ministro Marco Aurélio, "a busca de parâmetros não pode conduzir a manter-se, quando já compelido certo cidadão a comparecer para ser interrogado, ou para prestar esclarecimentos, o óbice ao acesso aos fatos que estariam a impeli-lo a tanto".

O HC 92331 foi impetrado no Supremo pela defesa de duas pessoas acusadas pela PF, na Operação 274, de suposta formação de cartel no setor de vendas de combustíveis em João Pessoa/PB. Para a advogada dos suspeitos, a acusação contra seus clientes foi totalmente embasada nos conteúdos de interceptações telefônicas, mas a própria justiça paraibana negou o acesso da defesa a essas escutas, alegando a necessidade de preservar as investigações, porque ainda estariam em curso, mesmo tendo os investigados sido chamados para um interrogatório.

Em setembro do ano passado o relator concedeu liminar para suspender o inquérito em curso até o julgamento final do pedido, e também suspender o interrogatório dos investigados. A seguir o STJ concedeu em parte ordem em habeas corpus, para permitir à defesa o acesso apenas às peças constantes nos autos que interessassem à defesa. Em seguida, explicou a advogada, a magistrada paraibana, desrespeitando a decisão do Supremo, determinou o acesso a documentos apensados ao processo, e o prosseguimento da investigação.

Para a defesa, o cerne da investigação se baseia nos grampos telefônicos. O acesso a estes apensos, mesmo que importante, não resolve a questão, disse a advogada. Impedir o acesso da defesa aos dados dos grampos telefônicos, que teriam embasado todo o inquérito policial, fere o devido processo legal e o princípio da comunhão das provas, concluiu a defensora, que pediu ao Supremo que concedesse a ordem para que a defesa pudesse conhecer o conteúdo das conversas telefônicas gravadas, e também para que fossem excluídos do inquérito policial todas as peças formadas a partir do momento em que a investigação voltou a tramitar por ordem da magistrada paraibana, à margem do que determinado pela liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio, em setembro de 2007.

Decisão

O ministro Marco Aurélio frisou logo de início em seu voto que o sigilo das diligências é a tônica da investigação policial, mas somente até que se chegue ao estágio em que os fatos apurados viabilizem a convocação para interrogar o investigado. Em seu entender, se já existem indícios para se convocar alguém a depor, deve-se dar acesso, à defesa do investigado, às informações que motivaram essa convocação.

O inquérito policial é um procedimento administrativo, não um processo, mas deve também respeitar os direitos fundamentais do indiciado, como os de poder manter-se em silêncio, não produzir provas contra si mesmo, bem como o amplo acesso aos autos. "Fora disso é inaugurar época de suspeita generalizada, de verdadeiro terror", frisou o relator, lembrando do escritor Franz Kafka, que em seu livro "O Processo" retrata exatamente a vida de um personagem que passa a ser investigado, sem contudo ser informado ou ter conhecimento dos motivos dessa investigação.

O sigilo pode estar ligado às diligências, às investigações em andamento, disse o ministro. Mas a partir do momento em que as informações passam a fazer parte dos autos - gravações e degravações de grampos legais, inclusive - deve-se dar amplo acesso à defesa, sob pena de ferir de morte o devido processo legal. O ministro votou no sentido de atender o pedido da defesa, integralmente, e conceder a ordem de Habeas para permitir o amplo acesso da defesa às peças constantes do inquérito.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito disse entender que a interceptação telefônica, mesmo sendo legal, permite abusos que devem ser combatidos. Ele salientou que negar à parte o acesso aos dados obtidos dessa forma é cercear seu direito de defesa.

Aquilo que já não é objeto de diligência, já estiver completado e juntado aos autos do inquérito, são peças públicas, acrescentou a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, também acompanhando o voto do relator para deferir o habeas corpus. Ela lembrou que mesmo em se tratando de inquéritos que estejam correndo sob segredo de justiça, esse sigilo não se aplica às partes, que devem ter amplo acesso a todas as peças.

Já o ministro Ricardo Lewandowski lembrou notícia veiculada hoje nos principais veículos de imprensa, que trata exatamente do aumento de interceptações telefônicas legais no país. Para o ministro, o STF precisa estabelecer as balizas para esse procedimento. Ele votou pelo deferimento da ordem.

O último a votar, também acompanhando o relator, foi o ministro Carlos Ayres Britto, para quem todas as peças que são juntadas aos autos, em um inquérito, passam a ser cobertos pelo princípio da comunhão das provas. "O que vem para os autos torna-se público, está sob as vistas do investigado", disse Britto, ressaltando o caráter constitucional desse entendimento.

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