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Julgada improcedente ação movida pela Mesbla contra o Banco Bradesco

O juiz João Marcos de Castello Branco Fantinato, do RJ, julgou improcedente ação em que Ricardo Mansur, da empresa Mesbla, pedia ressarcimento de danos decorrentes a suposto abuso de poder econômico por parte do banco. Mansur alega que adquiriu o controle da loja de departamentos devido a orientação e financiamento concedidos pelo banco.

Da Redação

quinta-feira, 19 de março de 2009

Atualizado em 18 de março de 2009 15:04


Emissão de debêntures

Julgada improcedente ação movida pela Mesbla contra o Banco Bradesco

O juiz de Direito João Marcos de Castello Branco Fantinato, do RJ, julgou improcedente ação proposta pela Mesbla (leia-se Ricardo Mansur) contra o Banco Bradesco.

Segundo o juiz, o banco "não causou a quebra da Mesbla, mas, muito pelo contrário, amargou sério prejuízo nas operações que travou com o seu controlador".

Entenda o caso

O empresário Ricardo Mansur, em 1996, com financiamento fornecido pelo Banco Bradesco, adquiriu o controle da Actisa S.A., que detinha o controle da Mappin Loja de Departamentos.

Nessa esteira, em 1997, adquiriu também a Casa Anglo Brasileira S.A. mediante fiança bancária concedida também pelo mesmo banco.

Em 1998, Ricardo Mansur alega ter sido orientado pelo banco a adquirir a Mesbla S.A., então em concordata. Para tanto, relata que o Bradesco apresentou um estudo de viabilidade da Mesbla, consistindo na captação de investimentos e reestruturação societária e operacional da mesma.

O conselho da empresa teria aprovado uma emissão de debêntures de R$ 420 milhões para capitalizar a companhia, operação essa a ser intermediada pelo banco, mediante contrato de 'underwriting'. No meio do caminho, segundo Mansur, o Bradesco teria mudado o propósito da emissão, dando total prioridade ao pagamento das dívidas junto ao banco. E isso teria quebrado a Mesbla.

A acusação

A empresa imputa sua quebra à conduta do banco, o qual a aconselhou a se aventurar na aquisição da Mesbla e numa operação de emissão de debêntures para salvá-la, mas agiu diferentemente do acordado, forçando o pagamento de débitos pendentes.

A acusada

Já o banco Bradesco defende-se e ressalta que "a quebra da Mesbla decorreu da sua gestão temerária por parte de seu controlador, S. Ricardo Mansur, sendo este reincidente em provocar a quebra de empresas que administra e lucrar com isso, a fim de sustentar uma vida de luxo exagerado".

A sentença

Na sentença o juiz afirma que, "primeiramente, esclareça-se que não há que se presumir que o réu tenha pretendido, por meio de manobras ardilosas, quebrar a autora. Normalmente, bancos nada têm a lucrar com a quebra de seus clientes. Pelo contrário, como vem relatado na contestação, o réu amargou um prejuízo de R$ 350 milhões de seu relacionamento com a mesma, montante esse cujas chances de pagamento minguaram com a referida quebra. Aventar que o réu contribuiu dolosamente para essa situação, revela-se até fantasioso".

  • Confira abaixo a decisão na íntegra.

______________

34° Vara Cível da Capital Feito n. 2007.001.082415-0

Autor: Mesbla S.A.

Réu: Banco Bradesco S.A.

SENTENÇA

Trata-se de ação ordinária proposta por MESBLA S.A. em face de BANCO BRADESCO S.A., pleiteando o ressarcimento dos danos decorrentes de alegado abuso de poder econômico por parte do banco/réu, conforme inicial de fls. 2/76, instruída pelos docs. de fls. 77/263. Às fls. 309/347, contestação opondo a incompetência do juízo empresarial, a conexão com feito em curso na 29ª Vara Cível de São Paulo, além da prescrição trienal do art. 206, & 3°, V, do Código Civil e, no cerne do mérito, pugnando pela improcedência do pedido. Às fls. 869/898, réplica no sentido da inicial.

É O RELATÓRIO, DECIDO:

Conheço diretamente do pedido, eis que se revela desnecessária maior dilação probatória. De fato, de pouca utilidade se verifica requerer cópia do processo que tramitou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM RJ 2005.6924), pois suas principais peças já se encontram nos autos e sua conclusão vem relatada na inicial. Da mesma forma, igualmente desnecessária a oitiva do Presidente do grupo Bradesco, pois a prova exigida neste caso é eminentemente documental. Com efeito, pleiteia a empresa/autora o ressarcimento dos danos decorrentes de alegado abuso de poder econômico por parte do réu na condução de determinadas operações societárias levadas a efeito pelas partes. Relata que o réu, desde os anos 70, vinha financiando as empresas do grupo pertencente ao Sr. Ricardo Mansur, inclusive participando do lançamento, distribuições e subscrições públicas de ações.

Nesse sentido, o Sr. Ricardo Mansur, em agosto de 1996, com financiamento fornecido pelo réu, adquiriu o controle da Actisa S.A., que detinha o controle da Mappin Lojas de Departamentos S.A. Nessa esteira, em 1997, adquiriu também a Casa Anglo Brasileira S.A. mediante fiança bancária concedida pelo réu, o qual percebeu vultuosa comissão pelo negócio. Em 1998, o Sr. Ricardo Mansur alega ter sido orientado pelo réu a adquirir a Mesbla S.A., então em concordata. Para tanto, relata que o réu apresentou um estudo de viabilidade da Mesbla, consistindo na captação de investimentos e reestruturação societária e operacional da mesma.

Nesse sentido, ficou decidido o lançamento de debêntures da Casa Anglo Brasileira S.A. em duas séries, no valor total de R$ 420.000.000,00, operação essa a ser intermediada pelo réu, mediante contrato de 'underwriting'. Tal lançamento de debêntures angariaria capital de giro para levantar a empresa de sua concordata. Ocorre, porém, que, após da aprovação da citada emissão em Assembléia Geral de Acionistas, o réu impôs a assinatura de determinado Protocolo de Intenções em desacordo com aquilo que havia sido aprovado na Assembléia. Segundo tal instrumento, tendo em vista que o réu possuía créditos contra a United S.A., Mappin e Mesbla (todas empresas controladas pelo Sr. Ricardo Mansur), teria o banco direito a subscrever em dinheiro debêntures no valor de R$ 19.500.000,00, além de permutar créditos contra a United por debêntures de sua propriedade e de subscrever debêntures através de créditos contra a Casa Anglo Brasileira S.A.

Se houvesse qualquer subscrição adicional, o réu teria direito de que todos os valores então integralizados na Casa Anglo Brasileira S.A. seriam utilizados para pagamento dos créditos que indicasse. Nomearia também 2 Conselheiros para o Conselho de Administração da Casa Anglo Brasileira S.A. Dessa forma, o réu resolveu um problema contábil seu, excluindo o valor de R$ 200.000.00,00 de seu passivo (seu crédito contra a Mesbla), mas com isso a capitalização gerada pela emissão das debêntures se teria frustrado, a fim de satisfazer o crédito em questão.

Nesse sentido, lançadas as debêntures no mercado, o seu resultado financeiro, em vez de ser empregado para angariar capital de giro para a sociedade/autora, acabou sendo destinado à quitação de dívidas da última para com o réu. Tal situação, além de desprover a autora do necessário fôlego para se reerguer, foi interpretada no mercado de forma alarmante, iniciando-se assim uma fuga dos investidores e provocando uma 'débâcle' nas finanças da mesma, o que se tornou decisivo para a sua quebra. Das debêntures emitidas, somente 40% foram subscritas. Note-se que tal fato foi causa de processo no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão fiscalizador do mercado de capitais, o qual acabou por culminar multar ao réu.

A autora imputa assim sua quebra a tal conduta do réu, o qual a aconselhou a se aventurar na aquisição da Mesbla e numa operação de emissão de debêntures para salva-lá, mas agiu diferentemente do acordado, forçando o pagamento de débitos pendentes. Tal atitude seria a causa da quebra da autora, pretendendo aqui, em conseqüência, ser ressarcida dos correspondentes prejuízos, estimados em valor não inferior a R$ 7.920.000.000,00. Requer ainda, em sede de antecipação de tutela, que o réu provisione, em seu balanço, o valor aqui cobrado, a fim de evitar o risco de não conseguir pagar a condenação que vier a sofrer em razão deste feito.

O réu, em seu turno, invoca a conexão com processo em curso na 29ª Vara Cível de São Paulo (proc. n. 99.085.410-8), que trata de causa idêntica. Opõe também a prescrição trienal do art. 206, & 3° V do Código Civil, eis que os fatos alegados (a emissão de debêntures) ocorreram no final de 1998.

No mérito, em suma, esclarece que o fato de o banco ter sofrido uma sanção por parte da CVM não significa que a causa da quebra da Mesbla tenha sido a referida emissão de debêntures. Pelo contrário, esclarece que a multa imposta pela CVM se deu em razão da ausência do registro de relatório econômico-financeiro da emissão dos títulos e do fato de ter-se emitido a 2ª série de debêntures antes da subscrição da 1ª.

Ressalta que a quebra da Mesbla decorreu da sua gestão temerária por parte de seu controlador, S. Ricardo Mansur, sendo este reincidente em provocar a quebra de empresas que administra e lucrar com isso, a fim de sustentar uma vida de luxo exagerado. Antes de mais nada, cumpre afastar a conexão com o feito em curso na 29ª Vara Cível de São Paulo, uma vez que o mesmo já se encontra sentenciado, estando inclusive em fase de processamento de recurso especial. Quanto à prescrição, deve esta ser igualmente afastada. De fato, a prescrição começa a correr da violação de um direito subjetivo, pelo prazo que a lei prever.

Neste caso, o prazo é trienal, conforme o art. 206, & 3°, V, do novo Código Civil, na medida em que o pedido versa sobre reparação civil. Mas a dificuldade é encontrar o seu termo inicial, pois o prejuízo alegado resulta de uma série de causas conjuntamente. É certo que as debêntures foram lançadas no mercado em finais de 1998, mas não foi o seu lançamento que, exclusivamente, teria provocado a quebra da Mesbla. Há uma gama de outros fatores igualmente relevantes que o sucederam. Nesse sentido, mais importante é que o prazo para seu resgate venceu em finais de 2005, remetendo a prescrição para finais e 2008. Como a presente ação foi ajuizada em 13/6/2007, não há que se levar em conta a prescrição trienal. No mérito, contudo, não assiste razão à autora, pois a causa de sua quebra não é imputável ao réu.

Primeiramente, esclareça-se que não há que se presumir que o réu tenha pretendido, por meio de manobras ardilosas, quebrar a autora. Normalmente, bancos nada têm a lucrar com a quebra de seus clientes. Pelo contrário, como vem relatado na contestação, o réu amargou um prejuízo de R$ 350 milhões de seu relacionamento com a mesma, montante esse cujas chances de pagamento minguaram com a referida quebra. Aventar que o réu contribuiu dolosamente para essa situação, revela-se até fantasioso.

Da mesma forma, tampouco se pode presumir que o réu pretendesse adquirir a autora, pois poderia tê-lo feito diretamente da família De Botton, proprietária originária do grupo. Acrescente-se que o banco/réu se trata de um dos maiores bancos do País, não sendo de se imaginar que necessite aventurar-se no comércio varejista para crescer. O mais evidente é que a decisão de adquirir a Mesbla veio do próprio Sr. Ricardo Mansur, o qual assumiu o risco de comprar uma empresa concordatária. Ressalte-se que dito empresário, dada a sua experiência, possuía plenas condições de avaliar o risco do negócio em que estava entrando. Se o banco réu, por sua vez, afiançou dita compra, trata-se de negócio corriqueiro entre instituições financeiras, eis que auferem comissão. E quanto ao estudo de viabilidade econômico-financeira realizado pelos técnicos do banco, o mesmo se refere à emissão de debêntures e não à compra da Mesbla.

Por sinal, no que diz respeito à emissão das debêntures, note-se que as alegadas imposições do banco réu, constantes do instrumento citado na inicial, nunca chegaram a se concretizar, pois o mesmo nunca resultou num contrato definitivo. Representava mero protocolo de intenções, cuja eficácia dependia expressamente da assinatura de um contrato definitivo, o qual nunca foi firmado. Aliás, essa é a afirmação do próprio Sr. Ricardo Mansur à CVM, como se pode verificar na sua transcrição de fls. 334. Pelo que consta, ao contrário do afirmado na inicial, não houve o pagamento dos créditos do banco/réu contra a Mesbla com o resultado da emissão de debêntures, o que seria a alegada causa da quebra. De fato, não prevalece a versão de que o banco/réu teria aconselhado a autora a emitir debêntures e depois a teria forçado a quitar os créditos que detinha.

Na verdade, o que ocorreu é que o grupo do banco/réu, veio a adquirir metade das debêntures efetivamente subscritas, pagando parte em dinheiro e permutando parte com outros créditos já vencidos que detinha contra o grupo empresarial da autora. Com efeito, a ABS Empreendimentos Imobiliários Participações e Seguros S.A. e Bradesco Previdência e Seguros S.A. (ambas do grupo do réu) subscreveram 479.886 debêntures ao preço total de R$ 52.612.120,20, isso entre novembro de 1998 e janeiro de 1999.

Quanto às demais debêntures subscritas por terceiros, o que se verifica é que banco/réu não embolsou um só centavo dos valores decorrentes da sua integralização. O réu, quando muito, permutou debêntures já vencidas por novas, com prazo de pagamento mais dilatado. Tal permuta se perfez com a empresa United Indústria e Comércio S.A., a qual as adquiriu do Banco Crefisul S.A. (ambas do grupo do controlador da Mesbla) e posteriormente as permutou com o banco/réu. Tal operação, em última análise, significou um aumento do capital de giro da Mesbla, e não a perda de liquidez, pois aumentou o prazo de vencimento de um passivo já vencido. Verifica-se, portanto, que não houve a manobra do réu descrita na inicial, de imposição de lançamento de debêntures para se pagar. Ao contrário, houve injeção de recursos na Mesbla, aumentando o prejuízo do banco. Lembre-se que, dos R$ 420 milhões emitidos em debêntures, R$ 164 milhões foram efetivamente subscritos, dos quais R$ 81 milhões foram adquiridos pelo banco/réu.

E a sanção imposta pela CVM pouca relação tem com a presente lide, pois decorreu de irregularidade formal, representada pela ausência de registro de um relatório econômico-financeiro da emissora de títulos e pelo lançamento da 2ª série de debêntures antes da subscrição da 1ª. Acrescente-se que, juntamente com o réu, o Sr. Ricardo Mansur também foi penalizado pela CVM por esse mesmo fato.

Aliás, a CVM representa o órgão fiscalizador do mercado de capitais, com o objetivo de proteger o interesse dos adquirentes de ações e títulos emitidos pelas sociedades anônimas de capital aberto. A sanção imposta, portanto, visa à proteção do mercado e não do co-autor do lançamento de debêntures em questão. No que diz respeito ao resultado final da operação de debêntures, frise-se que seu malogro não é imputável ao réu.

Este, como entidade encarregada do 'underwriting', assumiu mera obrigação de meio e não de resultado, como é de praxe em tais operações. Na verdade, a época de tal lançamento coincidiu com uma crise na economia mundial (crise da Rússia, de 1999), da qual foram vítimas várias empresas no País. Por todas as razões apontadas acima, conclui-se que o banco réu não causou a quebra da Mesbla, mas, muito pelo contrário, amargou sério prejuízo nas operações que travou com o seu controlador. Diante disso, não há como se acolher a pretensão autoral.

ISSO POSTO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, condenando a autora a pagar as custas processuais e honorários de 10% sobre o valor da causa.

Rio de Janeiro, 10 de Março de 2009

João Marcos de Castello Branco Fantinato
Juiz de Direito

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