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Desertificação e meio ambiente

Patrícia Luciane de Carvalho e Letícia Borges da Silva

O período do pós-guerra representou uma fase na qual o mundo buscava novos mecanismos para estabelecer uma paz mais sólida e duradoura, tendo em vista as catástrofes sociais e ambientais provocadas com as Duas Grandes Guerras Mundiais.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Atualizado em 14 de janeiro de 2010 11:49


Desertificação e meio ambiente

Patrícia Luciane de Carvalho*

Letícia Borges da Silva**

1. Introdução

O período do pós-guerra representou uma fase na qual o mundo buscava novos mecanismos para estabelecer uma paz mais sólida e duradoura, tendo em vista as catástrofes sociais e ambientais provocadas com as Duas Grandes Guerras Mundiais.

Uma das soluções encontrada foi a integração dos países, através da promoção do comércio entre eles, fato este que ocasionou a construção de um sistema multilateral de comércio tal como se apresenta nos dias de hoje.

O devir histórico fortaleceu também a ideia de um Direito Internacional social, através da adoção de um tratamento especial, destinado a países com menor nível de desenvolvimento. Reconheceu-se o caráter responsável dessa prática do Direito, criando-se um sistema geral de preferências e, sobretudo, um quadro mais aceitável para as economias sufocadas dos países pobres.

A sociedade internacional estava se reorganizando uma vez que a experiência do passado então recente, mostrara que o caminho seguido não trouxera felicidade, mas sim devastação e ódio entre as nações. A solução pacífica das controvérsias emoldurou, portanto, uma nova formatação de Estado ao deixar a guerra como opção excluída e marginalizada.

Dessa forma, a discussão entre os países foi conduzindo o sistema para a consagração de alguns direitos universais, os quais seriam aceitos por todos e a nenhum país seria lícito e coerente desrespeitá-los.

O Direito Internacional caminhou para essa vertente, surgindo acordos e pactos internacionais para reconhecer tais direitos. E, um dos que ganhou respaldo no cenário mundial, aliado intimamente à noção de direitos humanos, foi o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, não só para as presentes, mas também para as futuras gerações.

As Conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de 1972 e 1992 (Meio ambiente e Desenvolvimento) formam o escopo internacional sobre a temática ambiental no plano internacional. À luz dessas Convenções diversos temas ambientais foram ou ainda são discutidos ao redor do mundo, dentre eles, a poluição, as mudanças climáticas, a biodiversidade e a desertificação.

2. Meio Ambiente na CF/88

O Brasil, como o país que possui uma das maiores concentrações de riqueza natural do Planeta, adotou medidas tendentes a seguir o ritmo do cenário mundial. Sendo assim, em 1981 promulga-se a lei que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81 - clique aqui), mas o instrumento legal determinante no contexto ambiental foi, sem dúvidas, a CF/88.

O meio ambiente é considerado um interesse difuso que precisa ser preservado para as presentes e futuras gerações, e essa é a noção trazida pela Constituição Federal em seu artigo 225 que estabelece:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º-Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais,

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas."

Deve-se partir da idéia que meio ambiente envolve não o ecossistema, mas tudo e todos que dele dependam ou estejam a ele relacionados, dentro de uma perspectiva ecocêntrica1.

Em sendo assim, envolve também a comunidade social, ou seja, os elementos naturais (solo, água, ar, flora e fauna - biodiversidade), culturais (patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico) e artificiais (espaço urbano construído).

A lei 6.938/81 conceitua meio ambiente, em seu artigo 3º, inc.I como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". Além disso, ela define instrumentos capazes de preservar e restaurar os processos ecológicos, tais como, o zoneamento ambiental, criação de espaços territoriais protegidos, etc. Cita-se estes dispositivos de maior relevância quanto ao tema para demonstrar que o Brasil possui as diretrizes e instrumentos, inclusive de ordem constitucional, para promover a proteção do meio ambiente, sem que isto prejudique o seu desenvolvimento econômico, desde que este se dê baseado em princípios de sustentabilidade ecológica.

No entanto, em que pese a importância e o conhecimento acumulado, existe ainda, principalmente na esfera agrícola e da biotecnologia, o desrespeito às práticas de prevenção e salvaguarda ambiental. E, é neste contexto que surge o problema da desertificação, das secas e aridez dos solos.

3. Desertificação

O conceito do que seja desertificação encontra-se na Convenção Internacional de Combate à Desertificação Naqueles Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África2, a qual foi amplamente discutida durante a Conferência do Rio de Janeiro em 1992, constituída sob a égide das Nações Unidas, e adotada na sede da UNESCO, Paris, em 18 de Junho de 1994:

"degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-áridas secas resultantes de fatores diversos tais como as variações climáticas e as atividades humanas".

Quando o referido dispositivo menciona fatores diversos como as "variações climáticas", está enfocando as regiões áridas, as quais naturalmente sofrem com as próprias características climáticas. Mas quando se fala em atividades humanas têm-se as seguintes situações3:

1. Perda da biodiversidade local em decorrência principalmente da extração de madeira e da caça;

2. Degradação do solo como resultado da compactação causada pelo uso de mecanização pesada ou por efeito da utilização de agentes químicos, os quais podem causar salinização ou solidificação;

3. Perda da umidade natural da superfície em decorrência da perda da cobertura vegetal;

4. Perda da água subterrânea como resultado da falta de absorção em decorrência da ausência de cobertura vegetal; e,

5. Interferência dos assentamentos humanos em decorrência de sua falta de infra-estrutura.

Considerando-se a primeira situação abrangida pela Convenção ("variações climáticas"), as regiões áridas assim se caracterizam devido a pouca quantidade de água advinda da chuva e a sua perda através da evaporação e transpiração. Neste enquadramento, incluem-se todas as áreas que naturalmente possuem baixo índice pluviométrico e altas temperaturas.

Estas áreas são bastante representativas, eis que correspondem a 51.720.000 Km2, ou seja, 33% (trinta e três por cento) do território mundial, com exceção das áreas hiper-áridas e desérticas4. Nestas regiões vivem cerca de 900 milhões de pessoas5.

Para piorar a situação normalmente essas regiões correspondem às regiões mais pobres do mundo, fato que agrava ainda mais as péssimas condições humanas das localidades6.

Estudos da própria ONU revelam situações alarmantes em se tratando do tema desertificação. Um recente relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente) menciona que, embora haja iniciativas internacionais tendentes à resolução do problema, o mundo ainda perde constantemente terreno para desertificação, com cerca de 1 bilhão de pessoas já diretamente afetadas e com 5,2 milhões de hectares de terras áridas utilizáveis, em mais de 100 países, em franco processo de erosão e destruição do solo7.

Passando para a segunda situação prevista pela Convenção ("atividades humanas"), tem-se, por um lado, o agravamento das regiões áridas em decorrência do seu mau uso e uma situação nova: a desertificação de regiões não abrangidas pelo mapeamento feito pela UNESCO. Um exemplo brasileiro que se pode citar, dentro desta conjuntura, é o do Estado do Rio Grande do Sul8.

O Rio Grande do Sul desde 2003, conforme notícias dos meios de comunicação, tem sofrido com o fenômeno da desertificação. Em decorrência do agravamento no ano de 2005, o Governo Estadual decretou em março situação de calamidade pública e aguarda liberação de verbas do Governo Federal para as famílias atingidas, principalmente de agricultores.

O subchefe da Coordenadoria da Defesa Civil do Estado entregou no dia 10 de março ao diretor do Departamento de Desenvolvimento e Reconstrução da Secretaria Nacional de Defesa Civil, relatório detalhado sobre a situação da seca no Estado. Até aquela data já eram 417 decretos de situação de emergência, dos quais 367 já foram vistoriados e 263 homologados. A maioria dos municípios atingidos é da região Sul do Estado.

Estudos científicos dos meteorologistas do Centro de Climatologia Urbana de São Leopoldo indicam que, nos próximos anos, deve continuar a prevalecer uma tendência de estiagem no Estado do Rio Grande do Sul.

Percebe-se que tanto uma, quanto outra situação causam problemas não só para o meio ambiente, mas também para a esfera econômica já que atinge diretamente o setor agrícola, bem como o aspecto social, causando em alguns casos miséria em toda uma região. Miséria esta que pode acarretar a dependência absoluta de solidariedade governamental.

Outra conseqüência apontada pela Organização das Nações Unidas é o não aproveitamento de vastas áreas de terras (6 milhões de hectares) atingidas pela desertificação ou, ainda, o alto custo (10 milhões de dólares ao ano) necessário para a sua recuperação ou simples manuseio.

No caso brasileiro do Rio Grande do Sul, tem-se a solicitação feita ao Poder Executivo Federal, automaticamente, restará ao erário público, o pagamento da conta socioambiental.

Algumas possíveis causas são apontadas para a ocorrência da seca gaúcha, dentre elas9:

1. Aumento populacional, expansão dos mercados produtivos e, concomitantemente, sobreexploração do meio ambiente;

2. Pecuária extensiva, que é praticada com a eliminação de plantas ou pela compactação do solo (pisoteio reiterado); e,

3. Predomínio do plantio das culturas de milho, feijão e arroz, que são conhecidas pela alta necessidade de água.

A solução para estas causas é apenas uma, independente da ocorrência ser no Rio Grande do Sul ou em qualquer outra região do mundo: a utilização correta do solo, através, principalmente, do seu correto manejo, mantendo-se o necessário equilíbrio ambiental.

Este uso adequado corresponde a duas técnicas apontadas por agrônomos e conhecidas há séculos pelo homem:

1. Dividir a propriedade rural em bolsões de uso, nos quais o gado utiliza cada qual separadamente durante o ano, para que no momento que retorne para o primeiro bolsão este já esteja com a superfície recuperada; e,

2. Dividir a propriedade entre a pecuária e a plantação, para que em um determinado período do ano uma parte seja cultivada com produtos agrícolas e no resto do ano seja reservada para a pecuária.

Quando se fala na Convenção das Nações Unidas, como o fizemos para fundamentar o interesse internacional sobre o presente assunto, verifica-se da leitura de seus dispositivos, que ela envolve a cooperação técnica e financeira entre os países, inclusive com a transferência de informações e de tecnologia apropriada. Mas sobre este aspecto destaca-se a participação do público de forma geral, já que como vimos, a desertificação não é fenômeno causado apenas pelas condições climáticas, mas, principalmente, pela ação humana. Sendo assim, há que se buscar uma responsabilidade maior das pessoas no tocante desertificação, visto que somos nós também que provocamos este terrível fenômeno, capaz de gerar problemas em diversas esferas: social, econômica, ambiental, política, orçamentária, etc.

O artigo 19 da Convenção define alguns instrumentos de combate, buscando diminuir o impacto da atividade humana no meio ambiente, de forma a evitar o fenômeno da desertificação:

Art. 19: Desenvolvimento das capacidades, educação e conscientização pública:

1. As Partes reconhecem a importância do desenvolvimento das capacidades - ou seja, criação e/ou reforço das instituições, formação profissional e aumento das capacidades relevantes a nível local e regional - nos esforços de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca. Elas promoverão o desenvolvimento das capacidades pelas vias seguintes, conforme for adequado:

a) plena participação da população a todos os níveis, especialmente ao nível local, em particular das mulheres e dos jovens, recorrendo à cooperação das organizações não-governamentais e locais;

b) fortalecimento, ao nível nacional, das capacidades de formação profissional e de pesquisas nas áreas da desertificação e da seca;

c) criação e/ou reforço dos serviços de apoio e extensão rural com a finalidade de difundir de forma mais efetiva os processos tecnológicos e as técnicas consideradas relevantes, e a formação profissional de agentes de extensão rural e de membros das organizações de agricultores para que possam ficar em condições de promover abordagens de tipo participativo no tocante a conservação e uso sustentado dos recursos naturais;

d) encorajamento do uso e difusão dos conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas da população local nos programas de cooperação técnica, sempre que seja possível;

e) adaptação, onde for necessário, da tecnologia ambientalmente adequada relevante e dos métodos tradicionais de agricultura e pastoreio às condições sócio-econômicas modernas;

f) provimento de formação profissional e tecnologia adequada ao uso de fontes de energia alternativas, particularmente dos recursos energéticos renováveis, especialmente orientados para a redução da dependência em relação à utilização da madeira como fonte de combustível;

g) cooperação, conforme mutuamente acordado, dirigida ao reforço da capacidade dos países Parte em desenvolvimento afetados, de elaborar e implementar programas nas áreas da coleta, análise e intercâmbio de informação, de conformidade com o disposto no artigo 16;

h) processos inovadores de promoção de formas de subsistência alternativas, incluindo a formação profissional orientada para a aquisição de novas qualificações;

i) formação de responsáveis por tomadas de decisão, gestores e outro pessoal incumbido da coleta e análise de dados, da difusão e utilização de informações sobre situações de seca obtidas através de sistemas de alerta rápido, e da produção alimentar;

j) funcionamento mais eficaz das instituições e quadros legais nacionais já existentes e, se necessário, criação de novos, juntamente com o reforço do planejamento e gestão estratégicos; e

k) desenvolvimento de programas de intercâmbio para fomentar o desenvolvimento das capacidades nos países Partes afetados, recorrendo a um processo interativo de ensino e aprendizagem a longo prazo.

2. Os países Partes em desenvolvimento afetados promoverão, em cooperação com outras Partes e com organizações intergovernamentais e não-governamentais competentes, conforme apontado, um exame interdisciplinar da capacidade e da oferta disponíveis aos níveis local e nacional, assim como da possibilidade de reforçá-los.

3. As Partes cooperarão entre si e através de organizações intergovernamentais relevantes, bem como com organizações não-governamentais, no sentido de levar a cabo e apoiar programas de conscientização pública e educacional nos países afetados e, onde for relevante, também nos países Partes não afetados, de modo a fomentar uma compreensão das causas e efeitos da desertificação e da seca e da importância em serem alcançados os objetivos da presente Convenção. Para este efeito, deverão:

a) lançar campanhas de conscientização dirigidas ao público em geral;

b) promover, permanentemente, o acesso do público à informação relevante, bem como uma ampla participação daquele nas atividades de educação e conscientização;

c) encorajar a criação de associações que contribuam para a conscientização pública;

d) preparar e permutar material de educação e conscientização públicas, sempre que possível nas línguas locais, permutar e enviar peritos para formar pessoal dos países Partes em desenvolvimento afetados, capacitando-o para a aplicação dos programas de educação e conscientização pertinentes e para a utilização plena do material educativo relevante que esteja disponível nos organismos internacionais competentes;

e) avaliar as necessidades educativas nas zonas afetadas, elaborar planos de estudo escolares adequados e expandir, se necessário, programas educativos e de formação básica de adultos, bem como a igualdade de oportunidade de acesso a todos, especialmente jovens e mulheres, na identificação, conservação, uso e gestão sustentados dos recursos naturais das zonas afetadas; e

f) preparar programas interdisciplinares de caráter participativo que integrem a conscientização aos problemas da desertificação e da seca nos sistemas educativos, bem como nos programas de educação extra-escolar, de educação de adultos, de ensino à distância e de ensino técnico-profissional e profissionalizante.

3. A Conferência das Partes criará e/ou reforçará redes de centros regionais de educação e de formação dirigidos ao combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca. A coordenação destas redes estará a cargo de uma instituição criada especialmente para tal propósito, com o objetivo de formar os quadros científicos, técnicos e administrativos e de reforçar as instituições incumbidas da educação e formação profissional nos países Partes afetados, consoante os casos, tendo em vista harmonizar programas e o intercâmbio de experiência entre elas. Estas redes cooperarão estreitamente com as organizações intergovernamentais e não-governamentais relevantes para evitar duplicação de esforços.

4. Relações entre desertificação, biodiversidade e mudanças climáticas

A biodiversidade forma-se pela riqueza de vidas existente no planeta Terra sendo o produto de centenas de milhões de anos de evolução. Ela se divide em três categorias: os genes, as espécies e os ecossistemas.

A variedade genética provém da multiplicidade de genes dentro das espécies podendo gerar diferenças dentro delas, por exemplo, a diversidade genética do ser humano, e assim por diante. A diversidade de espécies corresponde à sua pluralidade existente numa dada região e o inter-relacionamento que ocorre naturalmente entre elas, estando representada nas diferentes categorias taxonômicas pertencentes ao reino animal e vegetal. Já a diversidade de ecossistemas é resultado de interações bióticas, tais como animais, plantas, bactérias; e abióticas, clima, solo, salinidade e outros.

Dessa forma, nota-se que para a manutenção da biodiversidade em suas três dimensões é necessária uma estabilidade sistêmica, de tal modo que suas inter-relações possam ser mantidas. Ela depende de um equilíbrio ambiental mínimo capaz de manter os ciclos biológicos essenciais. Certamente, que um desequilíbrio climático afeta em muito a manutenção da diversidade biológica e por essa razão deve ser evitado.

Sendo assim a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas no seu artigo 4º,§ 1º, alínea "e" dispõe:

"Cooperar nos preparativos para a adaptação aos impactos da mudança do clima; desenvolver e elaborar planos adequados e integrados para a gestão de zonas costeiras, recursos hídricos e agricultura, e para a proteção e recuperação de regiões, particularmente na África, afetadas pela seca e desertificação, bem como por inundações."

Além disso, a Convenção menciona que os países devem se responsabilizar quanto às regiões sujeitas à seca e à desertificação, tomando medidas relacionadas a financiamento, seguro e transferência de tecnologia para atender as necessidades resultantes dos efeitos negativos da mudança do clima. (art. 4º, §8º, alínea "e").

Toda essa preocupação emergiu diante da grande perda de biodiversidade em todo o mundo, como resultado de mudanças climáticas, relacionadas direta ou indiretamente com a ação humana. A desertificação, certamente, é uma das piores conseqüências ambientais para a biodiversidade, pois reduz drasticamente a variabilidade de vidas num ecossistema específico, além dos problemas sociais que afetam a população.

Os efeitos negativos, ou seja, aqueles que ocasionam a perda de biodiversidade devem ser seriamente evitados e por isso há o entrelaçamento das três Convenções Internacionais (Desertificação, biodiversidade mudanças climáticas) para combater o desequilíbrio ecológico.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada no Rio de Janeiro na ECO 92, corresponde a um dos principais documentos do Direito Internacional Ambiental, da qual mais de 162 países são partes, dentre eles o Brasil.

Ela estabeleceu que o uso da biodiversidade deve ocorrer de uma forma sustentável, pois é a partir dela que se mantêm os ciclos biológicos essenciais e é da onde a Humanidade retira os insumos básicos para a sua sobrevivência. A CDB determina instrumentos (pesquisa, incentivos, educação, etc) capazes de manter a biodiversidade, aproveitando seus benefícios, mas sem comprometer o direito das futuras gerações.

Ademais estabelece que as partes devem coibir práticas que venham a causar danos à biodiversidade, devendo cada Estado se responsabilizar pela minimização de impactos negativos sobre a diversidade biológica. Nesse sentido o art. 14.1 alínea "b" da CDB esclarece:

"1. Cada Parte Contratante, na medida do possível e conforme o caso, deve:

(...)

b) Tomar providências adequadas para assegurar que sejam devidamente levadas em conta as conseqüências ambientais de seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica (...)"

O Brasil, em específico, deve repensar a condução de sua política agrícola e biotecnológica, no sentido de não provocar impactos negativos na biodiversidade como determina expressamente o referido dispositivo da Convenção. Considerando ainda o mandamento constitucional é possível interpretar que o processo de seca e desertificação, que vem ocorrendo especificamente no Rio Grande do Sul, deve ensejar ou impulsionar uma ação ainda mais efetiva do nosso País, no sentido de emprenhar esforços para a reversão ou minimização da ação humana negativa em todo o território, que vem provocando este trágico desgaste ambiental, e que ainda pode se agravar. Isso é possível através do trabalho de conscientização da população em geral, mas principalmente nas áreas afetadas, como a própria Convenção sobre Desertificação estabelece no seu já mencionado art. 19.

A esse respeito o art. 10 alínea "d" e "e" da CDB também menciona:

"Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso:

(...)

d) Apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade biológica tenha sido reduzida; e

e) Estimular a cooperação entre suas autoridades governamentais e seu setor privado na elaboração de métodos de utilização sustentável de recursos biológicos"

Enfim, existem mecanismos nacionais e internacionais suficientes para que se exija e adote políticas públicas e privadas com vistas à resolução do problema da desertificação, no entanto, basta para isso um mínimo de comprometimento em seguir os mandamentos jurídicos, sob a égide dos quais, está o Brasil.

5. Da responsabilidade do estado e da coletividade quanto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

A Constituição Federal além de ser a norma maior do ordenamento jurídico brasileiro é caracterizada por ser uma carta principiológica, no sentido de que além de servir como norma definitiva a ser respeitada pelas demais esferas do ordenamento, também serve de orientação para este e principalmente para os entes públicos no exercício de suas funções.

O artigo 225 da Constituição estabelece ser dever do Estado a preservação do meio ambiente. Mas não é só isto, declara também que o meio ambiente deve ser ecologicamente equilibrado.

Ao estabelecer o dever do Estado, está a definir a responsabilidade solidária dos entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) cada qual em sua competência constitucionalmente definida. Por outro lado, ao indicar a coletividade, está a reconhecer a participação fundamental da sociedade civil.

A esfera de atuação de um ou de outro corresponde ao dever de preservar, de fiscalizar e de defender o meio ambiente, para que este permaneça em estado de equilíbrio ecológico, o qual deve alcançar a geração presente, bem como as gerações futuras.

Deve-se entender por meio ambiente ecologicamente equilibrado aquele que mantém as suas características originais, contribuindo, desta forma, para a preservação do ecossistema. Neste sentido cabe à sociedade contribuir para este equilíbrio, mas principalmente à esfera pública o dever de respeitar e fazer respeitar a preservação do meio ambiente.

Este dever do ente público envolve primeiro a esfera preventiva com campanhas de educação e de esclarecimento, em um segundo momento com a esfera de recuperação dos danos até então provocados e, em um terceiro momento, quando necessário através do Ministério Público, com a responsabilização dos agentes causadores do prejuízo ao meio ambiente a, concomitantemente, à sociedade presente e futura.

Assim, não há como ser admitido a tentativa de transferir a responsabilidade pelos danos causados da esfera pública para a esfera privada, ou vice-versa. Ainda, inadmissível que se justifique a existência de danos, como no caso da desertificação, em nome do desenvolvimento econômico. Isto porque, seja na esfera nacional, através da Constituição Federal, seja na esfera internacional, através dos tratados, inclusive da Organização Mundial do Comércio, o tema econômico é trabalhado juntamente com o necessário respeito ao meio ambiente.

6. Conclusão

Inicialmente o Direito Internacional Ambiental preocupava-se mais com a preservação de espécies isoladas, passando posteriormente a direcionar suas atenções para o ambiente como um todo, ou para as condições dos lugares naturais. Tanto é que se passou a valorizar a preservação in loco (in situ), visando também à manutenção dos habitats e ecossistemas. Essa postura refletiu-se também no campo nacional.

Sendo assim, o tema da seca e desertificação encaixa-se nesse enfoque considerando que elas atingem o equilíbrio ambiental em geral, afetando a fauna, a flora, os recursos hídricos, o solo, etc, e, portanto, deve ser fortemente combatido.

Outro fator para se considerar é o fato de a poluição e o desequilíbrio da natureza não possuir fronteiras, ou seja, muitas vezes os resultados de uma degradação ocorrida numa certa região refletem-se em muitas outras.

Atualmente, o planeta inteiro sofre com os desgastes da instabilidade ecológica, logo os efeitos da desertificação atingem não somente as regiões já amplamente conhecidas como sendo áridas por sua natureza, haja vista o ocorrido no Rio Grande do Sul. A tendência é aumentar as áreas áridas e semi-áridas ao redor de todo o mundo, se medidas necessárias não forem tomadas. A agricultura e a biotecnologia utilizam intensivamente os recursos naturais, muitas vezes, sem a devida preocupação com o seu custo ambiental. As atividades econômicas precisam atentar para o longo prazo e as conseqüências de sua atuação desenfreada.

Finalmente, em que pese a relevância das Convenções sobre Desertificação, Biodiversidade e Mudanças Climáticas, medidas preventivas como as estudadas devem ser levadas mais a sério, sendo fiscalizadas pela sociedade, Poder Público e outros, para que se possa evitar a tragédia ambiental da desertificação e garantir a manutenção da biodiversidade, que é, em última análise, extremamente importante para suprir as necessidades humanas.

Caso isso não aconteça, fica apenas uma questão: a quem caberá a conseqüência de nossos atos egoístas, centrados tão somente em nosso livre desenvolvimento? Quem pagará a conta? Provavelmente aqueles que agora não podem se manifestar. Tenhamos a capacidade de deixar aos nossos descendentes um mundo farto e belo tal como o herdamos de nossos antepassados.

7. Referências

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

REVISTA VEJA, 16 de março de 2005. Nordeste?Não. Rio Grande do Sul. São Paulo, p. 89.

SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Baruerei-SP: Manole, 2003.

SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2001.

WENDLING, Jeferson L. G. Biodiversidade. Ouro Azul. Curitiba, ano I, 1999. p. 22-25.

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1 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. 2ed, São Paulo: Cultrix, 1997.

2 As partes nesta Convenção: Reconhecendo que os seres humanos das áreas afetadas ou ameaçadas estão no centro das preocupações do combate à desertificação e da mitigação dos efeitos da seca; Refletindo a preocupação urgente da comunidade internacional, incluindo os Estados e as Organizações Internacionais, acerca dos impactos adversos da desertificação e da seca; Conscientes de que as zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas constituem uma proporção considerável da superfície emersa da Terra e constituem habitat e fonte de sustento de uma grande parte da população mundial; Reconhecendo ainda que a desertificação e a seca são problemas de dimensão global na em medida em que afetam todas as regiões do Globo e que se torna necessária uma ação conjunta da comunidade internacional para combater a desertificação e/ou mitigar os efeitos da seca; Observando a elevada concentração de países em desenvolvimento, em particular os menos avançados entre aqueles mais afetados por seca grave e/ou desertificação, e as conseqüências particularmente trágicas destes fenômenos na África; Observando também que a desertificação é causada por uma interação complexa de fatores físicos, biológicos, políticos, sociais, culturais e econômicos; Considerando o impacto do comércio e de aspectos relevantes das relações econômicas internacionais na capacidade dos países afetados combaterem eficazmente a desertificação; Conscientes de que o crescimento econômico sustentado, o desenvolvimento social e a erradicação da pobreza são prioridades dos países em desenvolvimento afetados, particularmente os africanos, e de que são essenciais à satisfação dos objetivos de sustentabilidade; Tendo em mente que a desertificação e a seca afetam o desenvolvimento sustentável através das suas inter-relações com importantes problemas sociais, tais como a pobreza, a má situação sanitária e nutricional, a insegurança alimentar e aqueles que decorrem da migração, da deslocação forçada de pessoas e da dinâmica demográfica; Manifestando apreço pela importância dos esforços realizados e pela experiência acumulada pelos Estados e Organizações Internacionais no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca particularmente através da implementação do Plano de Ação das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, que foi adotado pela Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, em 1977; Tomando consciência de que, apesar dos esforços anteriores, o progresso no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca não atingiu as expectativas e de que uma abordagem nova e mais eficaz é necessária, a todos os níveis, no quadro do desenvolvimento sustentável; Reconhecendo a validade e a relevância das decisões adotadas pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, particularmente a Agenda 21 e o seu capítulo 12, os quais fornecem uma base para o combate à desertificação; Reafirmando, neste contexto, os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos conforme o disposto no número 13 do capítulo 33 da Agenda 21; Recordando a resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas no 47/188, em particular a prioridade que nela é atribuída à África, e todas as demais resoluções, decisões e programas pertinentes das Nações Unidas, bem como declarações que, a propósito, foram feitas por países africanos e países de outras regiões; Reiterando a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em cujo Princípio 2 se estabelece que os Estados têm, de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito internacional, o direito soberano a explorar os seus próprios recursos de acordo com suas políticas ambientais e de desenvolvimento, bem com a responsabilidade de assegurar que as atividades sob sua jurisdição ou controle não causarão danos ao meio ambiente de outros Estados ou áreas situadas fora dos limites da sua jurisdição; Reconhecendo que os governos desempenham um papel fundamental no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca e que o progresso nestas áreas depende da implementação de programas de ação, a nível local, nas áreas afetadas;Reconhecendo também a importância e a necessidade de cooperação internacional e de parceria no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca;Reconhecendo ainda a importância de que sejam proporcionados aos países em desenvolvimento afetados, particularmente na África, meio eficazes, entre os quais recursos financeiros substanciais, incluindo recursos novos e adicionais, e acesso a tecnologia, sem o que lhes será muito difícil implementar plenamente os compromissos que para eles decorrem desta Convenção;Preocupados com o impacto da desertificação e da seca nos países afetados na Ásia Central e na Transcaucásia;Sublinhando o importante papel desempenhado pela mulher nas regiões afetadas pela desertificação e/ou seca particularmente nas zonas rurais dos países em desenvolvimento, e a importância em assegurar, em todos os níveis, a plena participação de homens e mulheres nos programas de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca;Destacando o papel especial desempenhado pelas organizações não-governamentais e outros grupos importantes no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca;Tendo presente a relação existente entre a desertificação e outros problemas ambientais de dimensão global enfrentados pelas comunidades internacional e nacionais;Tendo também presente que o combate à desertificação pode contribuir para atingir os objetivos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, da Convenção sobre a Diversidade Biológica e de outras Convenções ambientais;Cientes de que as estratégias de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca terão a sua máxima eficácia se baseadas numa observação sistemática adequada e num conhecimento científico rigoroso e se estiverem sujeitas a uma reavaliação contínua;Reconhecendo a necessidade urgente de melhorar a eficácia e a coordenação da cooperação internacional para facilitar a implementação dos planos e prioridades nacionais;Decididas a tomar as medidas adequadas ao combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca para benefício das gerações presentes e futuras, Acordam no seguinte: (...). (grifos nossos)

3 Extraído do sítio clique aqui.

4 Extraído do relatório da UNESCO de 1979 Map of the World Distribution of Arid Regions. Observe-se que este relatório data da década de 80, portanto, a abrangência atual é muito maior.

5 Extraído do relatório da Organização das Nações Unidas Status of Desertification and Implementation of the U. N. Plan of Action to Combat Desertification.

6 É por este motivo que o Brasil busca incentivar e incrementar as regiões áridas nacionais principalmente através da tecnologia de irrigação e do incentivo de desenvolvimento empresarial local (cultivo de frutas, para dar apenas um exemplo).

7 United Nations Office at Geneva, Tuesday Highlights, 18 june 1996. IN: SOARES. Direito Internacional do meio ambiente, 2001, P. 381.

8 A Defesa Civil do Estado está solicitando a todas as prefeituras dos 496 municípios gaúchos para que preencham um questionário elaborado pelo órgão. Para isto, ofícios foram remetidos devendo ser respondidos até no máximo, dia 03 de abril. A cópia física poderá ser remetida posteriormente à data estipulada. Denominado de Plano de Ação para a Minimização dos Impactos da Seca no Rio Grande do Sul, a medida visa atender as populações que enfrentam racionamento e falta de água, tanto em áreas urbanas como nas comunidades rurais. "Buscamos, através da agilidade que os meios eletrônicos oferecem, auxiliar ainda mais no atendimento das demandas existentes. Ali, as prefeituras irão, por exemplo, indicar obras prioritárias, necessidades hídricas como açudes, poços artesianos, redes de distribuição, barragens e cisternas", disse o chefe da divisão administrativa da Defesa Civil do Estado, major Gilberto Flores Lippert. A atividade está ligada às ações de planejamento estratégico que vem sendo executadas também pela defesa civil nacional, que está monitorando a questão da falta de chuvas no Rio Grande do Sul.

9 Apontamentos feitos pelo Núcleo Desert do IBAMA em 1992 para a Eco/Rio.

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*Consultora jurídica em Propriedade Intelectual. Professora de Direito da Propriedade Intelectual

**Mestre em Direito






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