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Da criação de partidos políticos

Alvaro Lazzarini

Questionamentos têm ocorrido sobre a criação indiscriminada de partidos políticos no Brasil, muito deles tidos como "nanicos" por não ter nenhuma, ou quase nenhuma, representatividade, no Congresso Nacional.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Atualizado às 09:00


Da criação de partidos políticos

Alvaro Lazzarini*

Questionamentos têm ocorrido sobre a criação indiscriminada de partidos políticos no Brasil, muito deles tidos como "nanicos" por não ter nenhuma, ou quase nenhuma, representatividade, no Congresso Nacional.

Moacir Assunção, em reportagem que publicou1, tratando destes questionamentos e após colher posicionamentos de diversas autoridades no assunto, como também o nosso posicionamento, bem afirma que "se o TSE aprovar a fundação das novas legendas, o Brasil pode chegar a 58 partidos ante os 27 que existem atualmente. Trinta e uma novas agremiações aguardam a oportunidade de se tornar partidos", o que dificulta, ao eleitor, saber quem tem "propósitos de realmente representar setores da sociedade" e "quem pretende apenas vender seu espaço na TV e no rádio para participar dos maiores ou se tornar 'língua de aluguel', encarregando-se de atacar rivais na defesa de interesses de terceiros, em troca de cargos ou dinheiro".

Marco Antonio Teixeira, Humberto Dantas, Carlos Melo e Marcelo Augusto Melo Rosa de Sousa, com efeito, externaram o inconformismo com a idéia de criação de novos partidos. Mas, como reconheceu Moacir Assunção, que assina a reportagem, há obstáculos, porque, "não é fácil, entretanto, conseguir o aval do TSE. Além de ter de montar um grupo de 101 pessoas que integrarão o futuro partido, as legendas precisam obter cerca de 468 mil assinaturas de apoiadores espalhados por, pelo menos, nove Estados da Federação, de forma que demonstrem caráter nacional". Na oportunidade, concordamos ser válido o inconformismo, mas, na atualidade constitucional e infraconstitucional, difícil barrar novas legendas, embora possamos "ser mais rígidos, de forma que fosse possível impor dificuldades à criação indiscriminada de agremiações".

Na atualidade, de fato, será difícil barrar novas legendas, pois, devemos lembrar que o "pluralismo político" é um dos cinco fundamentos que dão alicerce à República Federativa do Brasil, formada, conforme o artigo 1º, caput, da vigente CF/88 (clique aqui), pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, e, assim, constituída em um Estado democrático de direito. O "pluralismo político", portanto, está previsto no inciso V da citada norma constitucional, no mesmo patamar dos quatro outros anteriores incisos, que, pela ordem, indicam, também, como fundamento, "a soberania" (I), "a cidadania" (II), "a dignidade da pessoa humana" (III) e "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (IV).

Quanto ao "pluralismo político", ensina Alexandre de Moraes2, fica demonstrada "a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos".

Bem por isso não podemos esquecer que, no parágrafo único do mesmo artigo 1º, está bem esclarecido que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Ao prever o "pluralismo político" como fundamento da nossa democracia, o Constituinte de 1988 nada mais fez do que acolher o quanto disposto no artigo 2º da "Declaração Universal dos Direitos Humanos", adotada e proclamada pela Assembléia Geral da ONU, na sua Resolução 217 (III), de 10 de dezembro de 1948, no sentido de que "todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição".

Em um regime democrático, como pretende ser o da República Federativa do Brasil, "toda pessoa humana deve ter garantidos seus direitos civis (como o direito à vida, segurança, justiça, liberdade e igualdade), políticos (como o direito à participação nas decisões políticas), econômicos (como o direito ao trabalho), sociais (como à educação, saúde e bem estar), culturais (como o direito à participação na vida cultural) e ambientais (como o direito a um meio ambiente saudável)"3.

Os direitos políticos a que aludimos, ao certo, integram a vasta gama dos denominados "direitos humanos fundamentais", e estão contidos nas normas que constam do Título II ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), Capítulo IV (artigos 14 a 16), sendo que, em razão deles, o seguinte Capítulo V (artigo 17), da Constituição da República vigente, cuida "Dos Partidos Políticos".

Interessa-nos mais de perto o retro indicado artigo 17 da Cf/88 por impor regras para os "Partidos Políticos", estando no seu caput que livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana", tudo observando-se os preceitos que se seguem nos seus quatro parágrafos.

Como verificamos, a norma constitucional acima transcrita declara, expressamente, ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, desde que observados os resguardos e os preceitos a que se refere o citado artigo 17.

Daí por que o legislador infraconstitucional houve por bem editar a Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995, Lei dos Partidos Políticos, que dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, da CF/88.

Nesta lei, no seu artigo 1º - regulamentando o § 2º do artigo 17 da Constituição - , está previsto ser o partido político uma pessoa jurídica de direito privado, destinada a assegurar, no interesse democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal, sendo, a teor do seu artigo 2º, "livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos cujos programas respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana", no que repete a norma constitucional do referido artigo 17,.§ 1º.

O partido político é uma associação política, que só adquire personalidade jurídica na forma da lei civil, com o seu registro dirigido ao Cartório competente do Registro Civil das pessoas jurídicas, da Capital Federal, como determinado no artigo 7º, caput, e, desde que atendidas as exigências contidas no seu § 1º, da lei de regência.

Para a sua criação, ainda, devemos considerar outras exigências, como, por exemplo, a do artigo 8º da mesma Lei dos Partidos, de que "o requerimento de registro de partido político, dirigido ao Cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, da Capital Federal, deve ser subscrito pelos seus fundadores, em número nunca inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados".

Obtido o registro civil de pessoa jurídica do Partido Político, o estatuto respectivo, também, deve ser registrado no TSE, para, só após, conforme § 2º, do artigo 7º, poder participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão nos termos fixados na mesma lei dos partidos, como também, consoante o seu § 3º, ter assegurada "a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão". Esses parágrafos regulamentam os §§ 2º e 3º do artigo 17 da Constituição da República.

Devemos, igualmente, ressaltar, em face da norma constitucional do artigo 17, as exigências do § 1º do referido artigo 7º, pois, por ele, "só é admitido o registro do estatuto do partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles".

Bem por isso pensamos que, por força da legislação vigente, embora livre a criação de partidos políticos, ela, contudo, não pode ser indiscriminada sob pena de violar os princípios jurídicos da realidade e da razoabilidade4, que se aplicam, também, a atividade legislativa, como entendemos da lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro5, ao tratar de "a discricionariedade nas três funções do Estado", pois, "a liberdade do legislador é a mais ampla, porque o seu limite é a Constituição".

Na hipótese em exame, quanto ao princípio da realidade, a atual realidade brasileira não mais é aquela que existia quando da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, embora a lei, também, tivesse vindo para melhor disciplinar os partidos políticos. O Colégio Eleitoral do Brasil cresceu em números de eleitores, e aumentou os pretendentes a cargos políticos, nestes quase quinze anos de vigência da Lei dos Partidos Políticos. A Justiça Eleitoral - a "Justiça que deu certo" - se modernizou, sendo referência mundial.

No entanto, apesar de tudo isto, na atualidade e graças aos veículos de comunicação social, os escândalos e desmandos políticos passaram a ser do conhecimento público. Nunca antes foram tão divulgados pela imprensa, pela rádio e pela televisão, bem como por outros meios eletrônicos como pela internet. Escândalos e mais escândalos têm surgido nos meios políticos, alguns deles com censura prévia à sua divulgação, com flagrante violação ao artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, combinado com o artigo 220, ambos da Constituição de 1988, que vedam qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica e artística, sendo que, por invioláveis que são a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, na hipótese de violação, ao ofendido está assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral, como proclamado no inciso X do mencionado artigo 5º da Constituição da República. Não pode haver prévia censura aos veículos de comunicação social, em especial, quando se tratar do que se convencionou chamar de "homem público", em que não se recomenda como sendo absoluta a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Quem exerce cargo público, ou em razão dele, deve contas à sociedade a que serve, razão de ter o dever de ter uma conduta que dignifique a sua função, quer na vida pública, como também na privada.

Apesar de tudo isto, e ainda quanto ao princípio da realidade, devemos retornar a Moacir Assunção, no seu citado trabalho jornalístico, quando registra que "Os cientistas políticos demonstraram inconformismo diante da idéia de fundar novos partidos. 'Isso confunde mais ainda o eleitor. Hoje, já temos um número exagerado de legendas, o que distorce o debate eleitoral e dá margem para todo tipo de negociações espúrias'", conforme argumenta o professor da FGV Marco Antonio Teixeira, com a concordância do pensamento de Humberto Dantas, conselheiro político do Movimento Voto Consciente, externado no enfocado trabalho jornalístico, ao ponderar que, "do ponto de vista puro, parece lógico que a sociedade seja representada nos partidos", mas, "na prática não é isso que ocorre. Muitos surgem para reforçar o fisiologismo e a partilha de recursos do Fundo Partidário", o que deve ser criticado. Por sua vez - continua Moacir Assunção - Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), de modo incisivo, sustenta que "mesmo os atuais partidos, que são muitos, não representam mais ninguém. Na prática, como na maior parte dos países democráticos, no Brasil há duas ou três legendas, em torno das quais gravitam todas as demais".

Esta a verdadeira realidade brasileira bem retratada no aludido trabalho de Moacir Assunção, que também se apóia no entendimento de Marcelo Augusto Melo Rosa de Sousa, vice-presidente da comissão de direito político-eleitoral da OAB/SP, e que mostra os obstáculos para obter o aval do TSE à tese defendida contra a proliferação de partidos políticos.

De outra parte, diante do princípio da razoabilidade, não nos parece razoável continuar a insistir nos parâmetros do artigo 7º, § 1º, reportado pelo artigo 8º, § 3º, ambos da lei em exame, que, para o registro do estatuto de partido político, exige o apoiamento de eleitores correspondentes a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.

Finalizando, e como sugestões, caberá, ao certo, em uma "Reforma Política", total ou parcial, que o legislador proceda, diante da realidade brasileira, a revisão desses parâmetros numéricos, exigindo-se, por exemplo, o aumento do apoiamento de eleitores que correspondam a, pelo menos, um por cento dos votos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados, aumentando-se, também, a sua distribuição para metade mais um, ou mais, dos Estados, dado o caráter nacional que deve ter a pretensão de um novo partido político. Distribuir só um terço, como está na redação atual, não dá legitimidade para a dimensão da ação nacional que deve ter o partido político.

Ao legislador da "Reforma Política" caberá, também a teor de nova redação ao artigo 8º, caput, da Lei dos Partidos, exigir que o requerimento de registro do partido político deva ser subscrito pelos fundadores, em número nunca inferior a duzentos ou outra proporção que não seja a dos minguados cento e um atuais.

Enfim, tudo dependerá da vontade política do legislador infraconstitucional, o que nem sempre ocorrerá, como vem ocorrendo em relação a outros temas dependentes de uma verdadeira reforma política, ensejando, assim, que os cidadãos brasileiros tomem a "iniciativa popular" de que trata o artigo 61, § 2º, da Constituição, para o que os veículos de comunicação social muito contribuirão, "por suas próprias características de repercussão" como o demonstra Odete Medauar6, ao tratar do "controle não institucionalizado" - também conhecido como "controles sociais" - da Administração Pública, em posfácio à sua obra "Controle da Administração Pública".

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1 ASSUNÇÃO, Moacir. Brasil pode chegar a 58 legendas se nanicos obtiverem registro, "O Estado de S. Paulo", São Paulo, edição de sábado, 26.12.2009, Nacional/A5

2 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Editora Atlas, São Paulo, 1997, p. 61

3 LAZZARINI, Alvaro. Temas de Direito Administrativo,(Poder de Polícia e Direitos Humanos), 2ª ed., 2003, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 258.

4 Sobre os princípios da realidade e da razoabilidade é precisa a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto na sua obra Legitimidade e Discricionariedade (Editora Forense, Rio da Janeiro, 1989, p. 37) quando trata dos limites da discricionariedade: "Nossa sistematização parte de dois princípios que ao tempo de Forsthoff não tinham curso e que hoje ganham os mais sérios tratamentos da doutrina e ascendem até aos projetos consittucionais. São dois princípios técnicos que não existem autonomamente mas servem de instrumento para que se afirmem os princípios substantivos. São eles: o princípio da realidade e o princípio da razoabilidade. O entendimento do princípio da realidade parte de considerações bem simples: o direito volta-se à disciplina da convivência real entre os homens e todos os seus atos partem do pressuposto de que os fatos que sustentam suas normas e demarcam seus objetivos são verdadeiros. São os fatos que regularmente ocorrem ou podem ocorrer, na natureza física ou convivencial, e só excepcionalmente e por disposição expressa, a ordem jurídica acolhe ficções ou presunções. Em outros termos, a vivência do Direito não comporta fantasias. [ ... ] O Direito Público, ramo voltado à disciplina da satisfação dos interesses públicos, tem, na inveracidade e na impossibilidade, rigorosos limites à discricionariedade.Com efeito, um ato do Poder Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado, no impreciso e no duvidoso não está, por certo, seguramente voltado à satisfação do interesse público; da mesma forma, o ato do Poder Público que se destine à realização de um resultado fáctico inalcançável mão visa a satisfazer a um interesse público. [ ... ] O perigo da violação do princípio da realidade é, ainda por cima, a desmoralização da ordem jurídica pela banalização e a vulgarização do dsscumpimento, além do pesado tributo do ridículo. A aplicação discricionária do Direito não pode, em conseqüência, considerar existente, suficiente ou possível o que não o é" . Em seguida continua o citado publicista a tratar do princípio da razoabilidade, dizendo que o seu entendimento, "leva-nos mais adiante. Não se trata, agora, de apreciar, à luz da lógica tradicional, se o que se previu na premissa maior, contida na norma jurídica, se concretiza na premissa menor, dessumida dos fatos. A essa altura, o que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos. [ ... ] Se, como vimos ao estudar o princípio da realidade, a aplicação discricionária da norma jurídica não vai ao ponto de considerar existente, suficiente ou possível o que não o é, tampouco, sob o princípio da razoabilidade, ela não pode conduzir a resultados que ignorem, desconsiderem ou traiam os interesses públicos a que devam atender."

5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da Discrionariedade Administrativa, São Paulo, 1990, edição não comercial, p. 44-45.

6 MEDAUAR, Odete. Obra cit. 1993. Editora Revista do Tribunais, São Paulo, p. 181

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*Desembargador aposentado do TJ/SP




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