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Imóveis onde funcionam supermercados na mira do Fisco Carioca

Os proprietários de imóveis no Município do Rio de Janeiro onde funcionam supermercados terão mais um motivo para se preocupar no início desse ano. Isso porque, além de terem que pagar o IPTU do exercício de 2010, esses proprietários poderão ter que pagar também o IPTU de exercícios anteriores, que está sendo cobrado somente agora pelo Fisco Carioca, de forma complementar e retroativa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Atualizado em 2 de março de 2010 11:42


Imóveis onde funcionam supermercados na mira do Fisco Carioca

Alaim Rodrigues Neto*

Os proprietários de imóveis no Município do Rio de Janeiro onde funcionam supermercados terão mais um motivo para se preocupar no início desse ano. Isso porque, além de terem que pagar o IPTU do exercício de 2010, esses proprietários poderão ter que pagar também o IPTU de exercícios anteriores, que está sendo cobrado somente agora pelo Fisco Carioca, de forma complementar e retroativa.

De acordo com o Fisco Carioca, essa cobrança do IPTU está sendo feita em razão da edição do Decreto Legislativo 600/2007 pela Câmara dos Vereadores, que sustou os efeitos do Decreto 26.101/2005 (clique aqui), editado pelo então prefeito, César Maia.

Explica-se melhor. O Decreto 26.101/2005 alterou a Lei 641/1981 (Código Tributário Municipal) para incluir a definição "supermercado" na tabela de tipologias, um dos fatores de correção utilizados para o cálculo do valor venal, que é a base de cálculo do IPTU. Na prática, essa alteração no Código Tributário Municipal fez com que os imóveis onde funcionavam supermercados passassem a ser enquadrados em uma tipologia específica, geralmente com um fator de correção mais benéfico, reduzindo os valores venais e, por conseguinte, o valor do IPTU dos anos seguintes.

Acontece que a Câmara dos Vereadores entendeu que o Decreto 26.101/2005 não poderia ter alterado o Código Tributário Municipal de forma unilateral, sem a participação do Poder Legislativo, muito menos para fins de concessão de um benefício fiscal setorial. Como o Decreto 26.101/2005 extrapolou sua função meramente regulamentadora, a Câmara dos Vereadores sustou seus efeitos, por meio da edição do Decreto Legislativo 600/2007. Ou seja, a Câmara dos Vereadores reverteu tudo aquilo que havia sido determinado pelo Decreto 26.101/2005: os imóveis onde funcionam supermercados voltaram a ser enquadrados nas tipologias anteriores, geralmente com um fator de correção mais gravoso, aumentando sensivelmente os valores venais e, por conseguinte, o valor do IPTU.

Por conta desses acontecimentos, o aumento do IPTU dos imóveis onde funcionam supermercados já pôde ser sentido no bolso de diversos contribuintes cariocas. O verdadeiro problema não está no aumento da carga tributária, mas sim na postura do Fisco Carioca em utilizar o Decreto Legislativo 600/2007 como escusa para efetuar a cobrança complementar e retroativa do IPTU desses imóveis, durante a vigência do Decreto 26.101/2005. E é nesse exato ponto que se faz o alerta.

O Fisco Carioca está aplicando o Decreto Legislativo 600/2007 a fatos geradores ocorridos em momento anterior a sua entrada em vigor, com o objetivo nada nobre de majorar tributos. Tal atitude viola de forma flagrante o princípio da irretroatividade das leis, notadamente as tributárias, previsto no artigo 150, inciso III, alínea "a" da Constituição Federal e no artigo 106, caput, do Código Tributário Nacional.

Mas isso não é tudo. Não se pode esquecer que o IPTU é tributo cujo lançamento é feito de ofício pelo próprio sujeito ativo, sem a participação do contribuinte. Isso significa que foi o Fisco Carioca que verificou a ocorrência do fato gerador, apurou a base de cálculo, aplicou a alíquota e calculou o valor do tributo devido pelos contribuintes.

A imutabilidade de lançamento de ofício é a regra, cuja exceção é prevista somente nas hipóteses dos incisos do artigo 145 e do artigo 149 do Código Tributário Nacional. Nada mais justo, tendo em vista que o contribuinte pauta sua conduta quanto ao cumprimento das obrigações tributárias na presunção de legalidade desse tipo lançamento, que é ato administrativo vinculado.

O Fisco Carioca está alterando o critério jurídico adotado a época dos fatos geradores, sendo que tal atitude não está no rol de exceções do Código Tributário Nacional que autorizam a revisão do lançamento. O entendimento firmado na Súmula 227 do extinto Tribunal Federal de Recursos ("A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão de lançamento.") é uma contundente prova de que tal postura é repudiada há tempos pela jurisprudência.

Por mais que se reconheça o poder de revisão dos atos administrativos, permitir a ampla e irrestrita alteração do lançamento de ofício pelo Fisco Carioca nessa hipótese específica é ilógico, além de atentar contra a segurança jurídica e beneficiá-lo de sua própria torpeza, principalmente nos casos em que houve a extinção do crédito tributário pelo pagamento do IPTU em tempo e modo próprios. É por isso que a cobrança de IPTU nos termos pretendidos viola também o princípio da proteção da ao ato jurídico perfeito, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e no artigo 6o, parágrafo 2o, da Lei de Introdução ao Código Civil.

As alegações do Fisco Carioca não comovem nem convencem. Não há dúvidas de que a cobrança complementar e retroativa do IPTU de exercícios anteriores até 2006, sob o pretexto da edição do Decreto Legislativo 600/2007, é inconstitucional e ilegal. Os contribuintes cariocas que porventura tenham sido - ou que venham a ser - intimados desse tipo específico de cobrança não devem se conformar e buscar o reconhecimento do direito de não pagar o IPTU, seja em esfera administrativa ou judicial.

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*Associado do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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