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Obrigação de declarar bens ou valores existentes no exterior

Antonio Carlos Rocha da Silva

Não me parece lícito penalizar administrativamente quem se negar a prestar informações sobre bens ou valores existentes no exterior, que possam acarretar denúncias criminais contra o informante.

quinta-feira, 20 de março de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

 

Obrigação de declarar bens ou valores existentes no exterior

 

Antonio Carlos Rocha da Silva*

 

Acho importante comentar esse assunto, que foi abordado corretamente mas de forma simplificada, por colegas de outros escritórios em seus informativos a clientes ou em artigos jurídicos.

 

A Medida Provisória 2.224, de 4 de Setembro de 2.001, além de aumentar o valor da multa para R$ 250.000,00 (artigo 3o), também definiu como infração "o não fornecimento de informações regulamentares exigidas pelo Banco Central do Brasil relativas a capitais brasileiros no exterior, bem como a prestação de informações falsas, incompletas, incorretas, ou fora dos prazos e das condições previstas na regulamentação em vigor" (artigo 1o ), sujeitando os infratores à mesma penalidade. A Circular 3.071/01 do Banco Central do Brasil, fixou o período de 02.01.2.002 a 31.03.2.001 para a apresentação das declarações àquele Órgão, e a de Circular 3.071, de 07.03.202, prorrogou-o para 15 de maio do ano passado. No dia 6 de março de 2003, o laço amplo da Receita Federal, usando norma do Banco Central do Brasil, pretende derrubar bois gordos que constituíram suas reservas alimentares no exterior, não só para fraudar tributos ou para ocultar outra origem criminosa de capim gordura recolhido em pasto alheio, mas também, por temor ao risco de incêndio na fazenda Brasil. A multa foi agora foi aumentada para R$ 300.000,00.

 

O objetivo declarado dessas normas, foi o de possibilitar ao Banco Central melhor controle dos investimentos de brasileiros no exterior. Tal controle não parece ter apenas efeitos estatísticos, como anunciado, mas também, está vinculado, de forma indireta , à legislação criminal sobre lavagem de dinheiro, que determina aos bancos, dentre eles, entendo igualmente abrangido o Banco Central do Brasil, informarem ao COAF (órgão superior de fiscalização das operações enquadráveis na lei) todas as operações e informações consideradas suspeitas. Cabe também ao Banco Central denunciar ao Ministério Público os crimes de evasão de divisas por ele constatados, o que representa um risco para os que prestarem informações sem que tenham obedecido à regulamentação cambial e fiscal sobre remessas de moeda estrangeira para o exterior.

 

Neste aspecto, é importante notar que a referida Medida Provisória 2.224 considera como capitais brasileiros no exterior: os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional, por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas, ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária.

 

O artigo 2º de referida Medida Provisória determina que a multa, a ser recolhida ao Banco Central do Brasil, aplica-se aos que detenham capitais brasileiros no exterior, a partir de 5 de Setembro de 2.001. O parágrafo único de mencionado artigo estende a aplicabilidade da multa às pessoas (físicas e jurídicas) que não mais detenham posição de capitais brasileiros no exterior na data da requisição ou exigência da informação.

 

Entendo que essa extensão da aplicabilidade da multa à falta de informação sobre bens que não mais existem, fere o inciso XL do art. 5º da Constituição Federal (Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais) o qual estabelece que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, podendo, os que forem apenados, recorrer ao Banco Central ou ao Judiciário, para contestar a imposição da pena administrativa.

 

Outra deficiência jurídica, no meu ponto de vista, encontra-se no embasamento legal da Resolução 2.911/2.001, do Conselho Monetário Nacional, ao citar o Decreto-lei 1.060, de 21/10/1969, assinado pela Junta Militar, fundamentado no Ato Institucional No. 5, que autorizava o Ministro da Fazenda, com base em decisão de processo administrativo, decretar a prisão dos culpados por sonegar tributos. A Constituição Brasileira de 1988 revogou implicitamente aquele normativo, ao estabelecer, dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, no seu artigo 5º, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (inciso LIV); "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (inciso LVII); "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel" (inciso LXVII).

 

Por outro lado, a prestação obrigatória de informações que possam implicar a incriminação do informante, seja em crime de lavagem de dinheiro, evasão de divisas ou de sonegação fiscal (nesta última hipótese, se a informação for obtida ilegalmente por intermédio da Receita Federal) também, a nosso ver, fere (i) o direito garantido pelo inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que determina que "o réu preso tem direito permanecer calado" e (ii) o artigo 186 do Código de Processo Penal, que dispõe que "o réu não está obrigado a responder às perguntas do juiz, ainda que não esteja preso". Esses dispositivos legais são doutrinariamente definidos como "o direito de ficar calado e não se auto incriminar" reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em habeas corpus concedido a ex-diretor do Banco Central do Brasil, que se recusara a responder perguntas numa CPI.

 

Isto posto, não me parece lícito penalizar administrativamente quem se negar a prestar informações sobre bens ou valores existentes no exterior, que possam acarretar denúncias criminais contra o informante. Quanto às pessoas físicas e jurídicas que fizeram investimentos seguindo a regulamentação cambial sobre remessas internacionais de reais e/ou câmbio flutuante e relacionaram esses bens, sua origem, e rendimentos nas declarações anuais enviadas à Receita Federal (obrigação legal para pessoas físicas), ou registraram esses bens em seus balanços e demonstrações financeiras (exigência legal para pessoas jurídicas), estarão demonstrando sua qualidade de cidadãos exemplares, prestando as informações ao Banco Central do Brasil, em que pesem as deficiências normativas anteriormente comentadas.

 

Considerando a minha formação de caráter pessoal e profissional, sou absolutamente contrário à ação delituosa dos que remetem e ocultam no exterior, o fruto de sua atividade espúria; mas não posso, como advogado e defensor dos princípios constitucionais, aplaudir normas que violam aqueles princípios e atentam contra a democracia ao revigorar indevidamente Decreto-lei baixado pela Junta Militar, revelando a inabilidade jurídica de legisladores que, buscando objetivos meritórios, deixam-se levar pela recomendação maquiavélica de que "os fins justificam os meios". A matéria é incendiária nos tempos atuais, e está a merecer um legislação dura e rigorosa, sem brechas que permitam escapar das grades os facínoras, mas que não prejudique o fluxo normal de capitais do e para o exterior, neste mundo globalizado, já tão cheio de ameaças de violência e de torturas.

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*advogado em São Paulo, especialista em direito econômico e financeiro, sócio da Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados Associados.

 

O presente artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não representando a opinião do Escritório, nem devendo ser considerado um parecer legal para qualquer operação ou negócio específico.

 

 

 

 

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