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O recém criado Instituto de Recuperação Judicial

Não eram recentes os reclamos da sociedade brasileira pela edição de legislação que modernizasse as regras atinentes à recuperação de empresas no Brasil.

segunda-feira, 20 de junho de 2005

Atualizado em 17 de junho de 2005 13:24


O recém criado Instituto de Recuperação Judicial - Necessidade de edição de adequado programa de refinanciamento de débitos tributários e previdenciários para sua devida implementação

Luiz Roberto Peroba Barbosa*

I. Introdução

Não eram recentes os reclamos da sociedade brasileira pela edição de legislação que modernizasse as regras atinentes à recuperação de empresas no Brasil. Falou-se muito sobre a necessidade de criação de mecanismos jurídicos que possibilitassem, de forma efetiva, a recuperação de sociedades que, por um infortúnio ou má administração, e não simplesmente pela característica do negócio, estivessem enfrentando dificuldades financeiras.

Todas essas discussões, por estímulo do próprio governo, foram muito intensificadas no ano passado e culminaram na aprovação, pelo Congresso Nacional, de projeto de lei que, no início do ano, foi sancionado pelo Presidente da República. Trata-se da nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101, de 9.2.2005).

Paralelamente às discussões que deram origem a esta lei, o Congresso Nacional também debateu mudanças no Código Tributário Nacional (CTN), com o objetivo de acomodar as regras tributárias e previdenciárias às inovações trazidas pela novel legislação falimentar. Tais debates culminaram na aprovação da Lei Complementar nº 118, que foi sancionada pelo Presidente da República, no mesmo dia da lei de recuperação de empresas. A Lei nº 118 incluiu os parágrafos 3º e 4º ao artigo 155-A do CTN. O parágrafo 3º determina que a lei específica disporá sobre regras especiais de parcelamento para as empresas em recuperação judicial.

Nessa linha, ainda tramita no Congresso Nacional, Projeto de Lei do Senado, de nº 245, de 20041 que tem por objetivo a criação de um programa de Recuperação Fiscal Federal ("novo Refis") a partir da implementação de um parcelamento especial para débitos tributários federais e previdenciários, para empresas em recuperação judicial.

Sobre este tema, de extrema relevância para o funcionamento do recém criado instituto da recuperação judicial, concentraremos-nos neste texto.

II. A real necessidade da criação de programa especial de refinanciamento das dívidas tributárias e previdenciárias

Em face da elevada carga tributária, sabemos que, via de regra, o principal problema das empresas brasileiras que se encontram em dificuldade financeira está relacionado ao pagamento dos tributos. Não são raras as vezes em que o empresário brasileiro se vê obrigado a deixar de pagar os tributos para honrar compromissos com fornecedores e salários dos empregados. Ou seja, o principal credor dessas empresas é o governo.

Ocorre que, as regras da recuperação judicial, que propiciam ampla negociação com os credores, não envolvem a participação do Estado, mas tão somente credores privados. Isto pode por em risco a aplicação e funcionamento desse novo instituto, especialmente porque tanto a nova lei de recuperação de empresas (artigo 57), quanto o CTN (artigo 191 A), exigem a apresentação de prova da quitação de todos os tributos para a concessão da recuperação judicial.

Não obstante, como ambos os dispositivos fazem referência aos artigos 151, 205 e 206 do CTN, infere-se que a suspensão da exigibilidade também será aceita para a concessão da recuperação judicial.

Assim, como alternativa à ideal ampla e aberta negociação entre o Fisco e o contribuinte, para a redução e alongamento da dívida nessas situações, como existe em outros países, apresenta-se a figura do parcelamento (ou de programa especial de recuperação de dívidas fiscais), que, se deferido, é causa de suspensão da exigibilidade do crédito, de acordo com o artigo 151 do CTN e propicia, como conseqüência, a obtenção de Certidão Positiva com efeitos de Negativa, documento indispensável para a concessão da recuperação judicial.

É essencial que se edite programa especial de recuperação fiscal que dê condições mínimas ao empresário que, pretendendo evitar o processo de falência, valha-se do novo instituto da recuperação judicial, que oferece possibilidades para retomada de suas atividades e adimplemento de suas obrigações fiscais correntes.

À primeira vista, pode-se pensar, que o Governo beneficia o mau pagador e perde com a implantação de programa dessa natureza, pois abre mão de parcela da dívida tributária, por meio de redução de multa e juros e alongamento do prazo de pagamento.

Entretanto, esse raciocínio simplista não parece ser o mais correto!

Há que se meditar, evitar radicalismos, e dar o devido balanceamento à questão, sob pena de equivocarmo-nos na interpretação do consagrado princípio de que o interesse público deve sempre se sobrepor ao do particular.

Nesta hipótese, deixar de prever situação especial para aquele empresário que, por infortúnio ou mesmo má administração, ingressou com pedido de recuperação judicial, é fazer com que todos percam.

Perde o empresário que irá à falência. Perde o investidor que eventualmente deixa de ter boa oportunidade para explorar atividade econômica rentável de empresa já conhecida e estabelecida. Perde o governo que deixou de criar condições para uma determinada sociedade ser vendida ou recuperada e, o que é o pior, perde a sociedade duas vezes. Perde com a não arrecadação dos tributos, na medida em que não serão angariados fundos no procedimento de falência para quitar os tributos em aberto e, perde, com a redução da atividade econômica do País, pelo fechamento de mais empresas (que poderia ter interessados e viabilidade econômica). Frise-se ainda que mesmo que se angarie quantidade expressiva de fundos na falência, são remotíssimas as possibilidades de recebimento das multas pois elas ocupam apenas a sétima posição na ordem dos credores enquanto os tributos ocupam a terceira posição.

Não há como se ver, nesta hipótese, nenhum interesse público privilegiado em relação ao do particular. Diante disso, há que se criar regras especiais de refinanciamento da dívida para as empresas que pretendam participar da recuperação judicial.

Há que se ter um programa que não necessariamente conceda ampla anistia com o perdão total de todas as dívidas fiscais, mas possibilite, ao menos, a postergação do pagamento da dívida com alguma redução das penalidades e redução da taxa de juros que deve incidir sobre as parcelas, visando dar às empresas, em dificuldades financeiras, que pretendam participar de processo de recuperação judicial, condições mínimas para a continuidade do negócio.

III. Críticas ao Projeto que está em trâmite no Congresso Nacional

O projeto do "novo Refis", que tramita no Congresso, não parece atender aos pontos indicados acima. Também não cumprem essa finalidade os parcelamentos de débitos tributários e previdenciários atualmente em vigor. Isso porque tais programas não concedem redução alguma das multas que atingem patamares expropriatórios e determinam a aplicação de correção dos valores pelos elevados juros SELIC e podem alcançar, no máximo, quatro anos de postergação dos pagamentos.

Não parece razoável imaginar que empresa, que recém ingressou num programa de recuperação judicial, consiga, além das suas dívidas comerciais e dos tributos correntes, quitar obrigações tributárias pretéritas nessas condições.

Além disso, o projeto de lei inclui um dispositivo que fixa prazo para que o devedor comprove a suspensão da exigibilidade dos tributos ou sua quitação, obrigando que o Juiz decrete a falência, no caso de o devedor não cumprir tal exigência. Em outras palavras, se o projeto de lei vir a ser aprovado dessa forma, modificando, nesse particular, a Nova Lei de Recuperação e Falências, grande parte das empresas não mais terão instrumento legal hábil para impedir a sua falência, posto que, ao ingressarem com pedido de recuperação judicial, estarão pré-datando o seu atestado de óbito.

Por esta razão, setores organizados da sociedade devem fazer a devida movimentação para que o Congresso, ao refletir sobre essas normas, amplie as alternativas para pagamento dos débitos pretéritos, sob pena de colocar em risco o sucesso dessa salutar inovação da recuperação judicial, no Direito brasileiro.

Com base em experiências anteriores de programas de reorganização de dívidas fiscais, sugerimos que o projeto de Lei que tramita no Congresso contemple: (i) redução substancial de juros e multas; (ii) possibilidade de compensação de créditos tributários e prejuízos fiscais (próprios e de terceiros) no abatimento das dívidas; (iii) utilização de depósitos judiciais para a redução/quitação da dívida consolidada no programa; (iv) aplicação da TJLP ao invés da Selic, para a correção das parcelas;(v) redução dos honorários da Fazenda; e, por fim, (vi) a possibilidade de o devedor em recuperação judicial pleitear o parcelamento de seus débitos, sem ter que renunciar ao direito constitucional de defesa, questionando administrativa ou judicialmente lançamentos tributários indevidos.

Como frisamos acima, deve-se fazer uma cuidadosa interpretação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, sob pena de se não se dar condições adequadas para que as empresas ingressem com pedido de recuperação judicial. A não criação de programa especial de refinanciamento de dívidas tributárias nas condições acima indicadas, além de não trazer nenhum benefício econômico à sociedade, do ponto de vista de arrecadação ou incremento do desenvolvimento econômico, pode tornar inútil o enorme esforço de vários setores da sociedade para a aprovação, pelo Congresso Nacional e pelo Presidente da República, das regras de recuperação de empresas.
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1Projeto de Lei do Senado de nº 245/2004 de autoria do Senador Fernando Bezerra, com as modificações do Substitutivo do Senador Tasso Jereissati (PLS 245/04 - Substitutivo). Após ser aprovado no Senado Federal, o projeto foi recentemente enviado à Câmara dos Deputados.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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