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A casa própria e a boa-fé

Euclides Di Dário

O princípio da boa-fé deve reger as relações contratuais de compra e venda de imóveis, tanto na fase pré-contratual como na fase pós-contratual.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Atualizado em 5 de setembro de 2011 15:52

Euclides Di Dário

A casa própria e a boa-fé

O casamento, a família e a propriedade são institutos de grande significado para as pessoas de um modo geral. Todos querem ter sua casa e o direito de moradia é inclusive assegurado constitucionalmente.

O Brasil tem um grande déficit habitacional e o governo tem investido no sentido de facilitar o crédito e assim possibilitar que mais pessoas tenham acesso à moradia. Por outro lado, a estabilidade e o crescimento econômico dos últimos anos têm criado um ambiente propício para a expansão do mercado imobiliário.

A cada dia surgem novos lançamentos sinalizando condições vantajosas para os compradores. A maior procura recai sobre os empreendimentos com aquisição do imóvel na planta e com financiamento do valor da aquisição.

O financiamento pode ser uma armadilha com juros elevados de 12% ao ano ou mais, índices insuportáveis de reajuste das prestações ou imensos resíduos. O comprador, muitas vezes em função da dificuldade de tratar com os cálculos da matemática financeira, compromete-se a pagar mais do que pode. O ideal é que a dívida não represente mais que 30% de sua renda mensal.

Além disso, é preciso, analisar os empreendimentos com cuidado para identificar aqueles que realmente representem um bom investimento e sejam conduzidos por empresas qualificadas e de boa-fé.

Fato é que muitas pessoas, movidas pelo sonho de ter uma casa própria e sair do aluguel, ou pelo desejo de trocar o atual apartamento por outro maior, acabam vivendo um pesadelo. Iludidas por aproveitadores e normalmente, de forma apressada, sem a assistência de um advogado, envolvem-se em negócios com empresas oportunistas, gananciosas, desprovidas dos recursos necessários para executar a obra e sem compromisso com a qualidade e satisfação dos clientes.

O número de processos envolvendo a aquisição de imóvel vem crescendo muito nos últimos anos. A razão é a frustração dos proprietários diante do aparecimento de problemas nos seus contratos, tais como:

  • Propaganda enganosa;
  • Descoberta inesperada de que determinados itens (acabamento, churrasqueira e etc.) são opcionais e não estão inclusos no valor do imóvel;
  • Cobrança indevida de juros;
  • Atraso na entrega das chaves;
  • Falhas estruturais do próprio imóvel, como rachaduras e trincas, infiltrações, mau cheiro; falta de escoamento das águas provocando inundações;
  • Garagem com dimensões insuficientes;
  • Uso de material diferente daquele que consta no memorial descritivo;
  • Indisponibilidade do memorial descritivo ou falta de informações sobre a obra;
  • Dificuldade de comunicação com a construtora ou incorporadora que não respondem os requerimentos e não indicam o responsável para resolver os problemas;
  • Dificuldades com o financiamento do imóvel;
  • Obra embargada em razão de estar sendo construída em área de preservação ambiental;
  • Falta de Registro da Incorporação no Cartório de Registro dos Imóveis;
  • Hipoteca da Incorporação;
  • Falta de Habite-se;
  • Falência da construtora;
  • Venda ou fusão da construtora.

Diante do surgimento de problemas na aquisição da casa própria não podemos olvidar dos princípios que regem os contratos de compra e venda de imóveis. Entre eles está o princípio da boa-fé, que deve ser respeitado em todas as fases do contrato, inclusive na fase pré-contratual e na fase pós-contratual.

A execução do contrato deve trazer bons resultados para ambas as partes e os contratantes devem agir no sentido de que a execução do contrato atinja os seus objetivos. O princípio da boa-fé está consagrado no art. 422 do Código Civil (clique aqui):

Art. 422 - Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.

Os compradores de imóveis contam ainda com a lei 4.591/64 (clique aqui) e com o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90 (clique aqui).

O que fazer?

Quem está pensando em adquirir um imóvel poderá seguir os procedimentos da Cartilha do Consumidor publicada pelo IBEDEC - Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo e disponível no site www.ibedec.org.br. É recomendável escolher uma construtora tradicional, visitar seus empreendimentos anteriores e buscar informações sobre eventuais dificuldades financeiras ou insatisfações por parte de seus clientes. Além disso, é importante ter a assistência de um advogado para assinar o contrato.

Os contratos de compra e venda, normalmente, são contratos de adesão e incluem cláusula de tolerância ou prorrogação para entrega do imóvel. Alguns estabelecem a possibilidade de adiar a entrega em até 180 dias e outros chegam até 250 dias. A multa estabelecida para atrasos costuma ser irrisória. Esse tipo de cláusula cria vantagens desproporcionais para uma das partes, prejudicando a outra, o que contraria o princípio de equilíbrio das obrigações dos contratos.

A lei não estipula nenhum prazo nem faculta às empresas prazos de carência para que cumpram o contratado. O Código de Defesa do Consumidor estabelece de forma taxativa, em seu Art. 51, que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabelecem obrigações desproporcionais entre as partes e tragam excessiva vantagem a uma delas, especialmente quando o prejudicado é o consumidor.

Dessa forma, o comprador poderá cobrar do vendedor, judicialmente se for preciso, todos os prejuízos materiais e morais resultantes do atraso na entrega do imóvel. Além disso, é sempre possível arguir judicialmente a nulidade das cláusulas abusivas dos contratos de compra e venda de imóveis.

Dados do mercado imobiliário mostram um alto índice de inadimplência, contudo, o comprador não poderá perder a totalidade de seu investimento em função de dificuldades de pagamento das prestações. No Art. 53 o Código de Defesa do Consumidor estabelece que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Com o objetivo de evitar maiores dissabores os compradores poderão fiscalizar e acompanhar a obra. Isso é possível graças a lei 4.591/64 - lei dos condomínios, que em seu Art. 50 estabelece a possibilidade de constituição da "Comissão de Representantes" para representar os compradores junto ao construtor ou à incorporadora em tudo que interessar ao bom andamento da obra. Essa comissão poderá acompanhar a obra e dar ciência aos demais futuros moradores das condições da construção e sua evolução, além de negociar com os vendedores as ações necessárias para resolver os problemas eventualmente existentes na edificação.

É importante que o síndico, logo após a entrega das unidades, faça uma minuciosa vistoria e produza um relatório detalhado com todos os problemas verificados tanto nas áreas comuns como nas áreas privativas. Para tanto, deverá contar com a cooperação dos condôminos que deverão relatar os desvios observados e a situação de suas unidades. Esse relatório deverá ser encaminhado aos responsáveis pela obra para as devidas providências.

De acordo com o Art. 26 do Código do Consumidor o direito de reclamar dos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 90 dias. Em relação à pretensão de reparação pelos danos causados por vícios ocultos e de qualidade ou quantidade que torne os imóveis impróprios para o uso, estabelece o Art. 27 do CDC o prazo de 5 (cinco) anos a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Nesse caso, não sendo o problema resolvido em 30 dias o consumidor poderá optar por: a) solicitar a substituição do produto b) receber a restituição dos valores já pagos c) solicitar um abatimento no preço do imóvel.

A construção tem garantia legal de 5 (cinco) anos após a emissão do "Habite-se".

Sob a égide do Código Civil de 2002 o prazo prescricional para propor ação judicial contra construtora é de 10 (dez) anos, contados a partir da constatação de vícios ou defeitos de construção, com fundamento nos Art. 618 e 205 do referido Código. Em relação aos fatos regulados pelo Código de 1916, ou seja, anteriores à entrada em vigor do Código Civil de 2002, o prazo prescricional é de 20 (vinte) anos, com fundamento na Súmula 194 do STJ (clique aqui).

Aqueles que estão descontentes com seu contrato devem, num primeiro momento, tentar um acordo com a construtora para resolver seus problemas. Caso isso não produza nenhum resultado podem recorrer ao Poder Judiciário. Dependendo da situação é possível utilizar uma Ação de Obrigação de Fazer ou uma Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais. Os Art. 402 e 403 do Código Civil determinam que, os proprietários lesados podem requerer judicialmente as perdas e danos sofridos, além daquilo que deixaram de ganhar. Lembremos, também, que cláusulas contratuais leoninas (ilegais) porem ser, a qualquer tempo, questionadas em juízo.

Existe, ainda, a possibilidade de utilizar uma Ação Coletiva, reunindo diversos proprietários que se considerem prejudicados, com o envolvimento, inclusive, do Ministério Público. Em caso de atraso considerável na entrega das unidades o Procurador de Justiça poderá requerer a suspensão dos pagamentos das mensalidades. Caso o problema persista e a incorporadora não cumpra com suas obrigações na realização das obras, o Ministério Público poderá requerer que a incorporação seja repassada aos consumidores. Essa união dos esforços, naturalmente, conduz uma maior efetividade na defesa dos direitos dos compradores que sonham com a casa própria.

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*Euclides Di Dário é advogado do escritório Maués Trindade Advogados

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