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Injustiça célere

Vivemos instantes de absoluta esquizofrenia. A repressão policial que faz transitar em julgado condenações à morte nas esquinas é imensa. Conforme dados do Professor Oscar Vilhena, diretor da Conectas Direitos Humanos, em São Paulo, no ano passado, foram mortas pela polícia 915 pessoas, no Rio quase 1.200.

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Atualizado às 07:54

Injustiça célere


Miguel Reale Júnior*

Vivemos instantes de absoluta esquizofrenia. A repressão policial que faz transitar em julgado condenações à morte nas esquinas é imensa. Conforme dados do Professor Oscar Vilhena, diretor da Conectas Direitos Humanos, em São Paulo, no ano passado, foram mortas pela polícia 915 pessoas, no Rio quase 1.200. Bastou a polícia inglesa atingir um brasileiro em Londres para haver uma comoção nacional. Aqui, a produção caseira da violência institucional é aceita com naturalidade. Se Jean Charles tivesse sido morto pela truculência policial brasileira, sua morte passaria desapercebida no multifário noticiário dos entreveros cotidianos.

Banaliza-se a violência, por parte da polícia, que antes atemoriza do que tranqüiliza, e por parte da marginalidade, que viola todos os interditos. Não mais a ação de justiceiros, para se liquidar um desafeto, mas a eliminação coletiva de todos que eventualmente se encontrem ao seu lado no instante marcado para morrer, sejam crianças, velhos ou mulheres. O número de chacinas que se reduzira, agora recrudesce.

Só se pensa em medidas de ordem repressiva para contornar essa situação de calamidade. Repito, de calamidade, quando se verifica que dos jovens entre 15 a 24 anos que falecem, 54% morrem assassinados. O problema não é apenas policial, é manifestamente social.

Uma política criminal de cunho social nem passa pela cabeça das autoridades. Foi riscada da ação administrativa federal uma política de segurança pública de caráter preventivo.

A esquizofrenia revela-se, também, por haver de um lado extrema repressão, de outro uma benevolência assustadora. Os crimes de rua, assaltos e seqüestros relâmpagos, que atemorizam sem dúvida, recebem nos Tribunais sanções elevadíssimas, muitas vezes desproporcionais, mas em contrapartida a grande maioria deles permanece de autoria desconhecida, dada a ineficiência da apuração policial. Já a violência doméstica, um dos maiores males das grandes cidades, cai na lei de crimes de pequeno potencial ofensivo e resultam na transação penal, com a obrigação do ofensor pagar uma cesta básica, valor que o delinqüente desconta do dinheiro que dá para a mulher agredida.

Em certos casos, os juízes querem impor a transação, sob a ameaça injusta de que a não aceitação pode redundar em uma condenação, sempre em busca da sagrada celeridade. Resistir à ameaça leva ao processo, no qual o mesmo juiz termina por absolver o réu em face da ausência de prova da autoria ou mesmo de tipificação penal da conduta.

A suspensão do processo, criada pelo art. 89 da Lei n° 9099/95, tem permitido soluções benevolentes em crimes graves como estelionato, apropriações indébitas e crimes contra a administração.

Este o quadro de um Direito Penal construído sem sistema, ao sabor dos fatos e demagogicamente imposto na crença de que com leis rigorosas combate-se a criminalidade violenta e que com benevolência nos demais crimes acelera-se a justiça. Resultado: uma injustiça célere.

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*Advogado do escritório Reale Advogados Associados e ex-ministro da Justiça









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