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As Limitadas e as Invencionices

Isabel C. Franco e Andrea Raimondi Jimenez

Pouco se tem escrito e discutido sobre certos pontos cruciais referentes ao "direito de empresa" no nCC, especialmente no que tange às sociedades limitadas, as quais foram muito maltratadas por esse novo Código.

quarta-feira, 16 de abril de 2003

Atualizado em 15 de abril de 2003 15:10

As Limitadas e as Invencionices

Isabel C. Franco

Andrea Raimondi Jimenez*

Já está ficando velha a polêmica causada pela entrada em vigor do novo Código Civil. No entanto, mesmo após quase três meses onde só se fala no assunto nos meios jurídicos, continua causando preocupação que pouco se tem escrito e discutido sobre certos pontos cruciais referentes ao "direito de empresa" no novo Código Civil, especialmente no que tange às sociedades limitadas. As limitadas são o coração da empresa brasileira, dos grandes empresários, aos pequenos e micros empreendedores da economia.

De fato, o assunto merece mais atenção. As limitadas foram muito maltratadas por esse novo Código!

São muitos os pontos importantes nesse debate, mas aqui vamos nos ater àqueles que mais nos preocupam no momento por termos visto injustas críticas a opiniões de colegas, taxando-as por vezes como "invencionices".

Grande parte da polêmica se deve à nova classificação das sociedades em simples ou empresárias, pois, de acordo com a nova legislação, assim se classificam as sociedades conforme suas atividades e sua estrutura.

Considera-se sociedade empresária, de acordo com o Art. 982, a que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro.

As demais sociedades com objeto diverso dessa descrição são consideradas sociedades simples.

Atividade própria de empresário sujeito a registro, por sua vez, é o exercício profissional de atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (Art. 966, caput). O parágrafo único do mesmo artigo excetua, da classificação de empresário, aquele que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística. Por fim, de acordo com a segunda parte deste mesmo parágrafo único, determina-se que a exceção não se aplica a casos em que o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística constitua elemento de empresa.

Antes de mais nada, cabe ressaltar que o legislador criou uma exceção à regra geral, porém, dentro desta mesma exceção, especificou quando a mesma não será cabível: "salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

Como todos sabemos, não há definição precisa, até o presente momento, do que seja "elemento de empresa". Apesar de termos nos debruçado sobre o antigo "Codice Civile " italiano de 1942 para estudar o diploma que serviu de inspiração nesse tema ao nosso "novo" código, acreditamos que não há necessidade de aqui invocá-lo pois a disposição do art. 966 é auto-explicativa: não haveria sentido algum em se criar uma hipótese de não cabimento de uma exceção, sem que fosse a mesma hipótese aplicável. Se a intenção do legislador fosse simplesmente classificar toda atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística como não-empresária, para que dizer: "salvo quando o exercício da profissão constituir elemento de empresa"?

Há quem cite como exemplo de sociedade não-empresária aquela entre advogados ou médicos. Discordamos, com o devido respeito, dessa que nos parece uma análise superficial e simplista de um conceito tão importante quanto o questionamento se a estrutura utilizada no exercício da profissão
por tais profissionais constitui ou não elemento de empresa. Mas não vamos aqui entrar na discussão específica de sociedades de advogados, por se tratar de assunto muito mais complexo, sujeito a ordenamento legal diferenciado.

No entanto, estamos em boa companhia quando opinamos que, a atividade intelectual não é, a princípio, empresarial (como quer a primeira parte do parágrafo único do Art. 966), mas se apresentar os elementos inerentes à atividade econômica organizada para a produção ou circulação de serviços (como quer a definição de empresário contida no caput do Art. 966) claramente caracterizar-se-á tal atividade intelectual como empresária.

Ilustrando: tratando-se de dois médicos que se unem para explorar atividade dependente, exclusivamente, de seu conhecimento técnico intelectual, constituirão sociedade simples. Porém, não se pode dizer que grandes clínicas ou hospitais não possuam característica de empresa. O exercício da profissão de médicos, sócios de um hospital, não constitui elemento de empresa?

Parece claro que, se nada que tais profissionais fizessem pudesse constituir elemento de empresa, não haveria sentido em a lei estabelecer a exceção, conforme dito anteriormente.

Partindo-se do pressuposto lógico que o legislador tinha de fato um objetivo ao prever essa exceção, pode-se facilmente concluir que exerce atividade que constitui elemento de empresa uma grande clínica ou hospital, que presta serviços em diferentes áreas, com especialidades diversas e com vários médicos e assistentes. Essa clínica ou hospital será sem dúvida uma sociedade empresária.

Obviamente, nesses casos, não há de se falar em sociedade do gênero simples. É este um exemplo prático de caso em que o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, constitui elemento de empresa.

Outro assunto em matéria de sociedades limitadas, que temos visto abordado com descuido e este, sim, muito nos preocupa, é a regência supletiva das normas das sociedades anônimas, que poderá ser prevista no contrato social das limitadas. Segundo o Art. 1.053, nas omissões do capítulo redigido especificamente para as limitadas (Capítulo IV), reger-se-ão as mesmas pelas normas da sociedade simples. O parágrafo único do mesmo artigo permite, entretanto, a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima.

Fica claro - mas vale enfatizar - que a regência é supletiva e somente ocorrerá para matérias sobre as quais for omisso o novo Código Civil.

Isso não obstante, alguns juristas entendem que, havendo previsão de regência supletiva pela lei das sociedades anônimas, as limitadas estariam obrigadas a, por exemplo, publicar balanço e todos os seus atos societários em jornal de grande circulação, já que essa exigência consta da lei das sociedades anônimas.

Segundo o dicionário Novo Aurélio, "suprir" significa: "completar; inteirar; preencher a falta de". Ora, o capítulo específico das limitadas não é omisso com relação à publicação de atos societários. Pelo contrário, em seus artigos 1.063, § 3º, 1.084, § 1º e 1.152, § 3º há previsão expressa de publicação de determinados atos ou documentos. Nos outros artigos, todavia, não há essa obrigação. Se não há a obrigação prevista na lei específica, não há de se falar em publicação por conta de regência supletiva da lei das sociedades anônimas. Não há omissão; simplesmente não há obrigação.

Com todo o respeito aos ilustríssimos colegas de opinião contrária, aplicarmos as especificidades da legislação de regência supletiva a uma sociedade agora regida por um capítulo específico do novo Código Civil é incorreto.

As sociedades limitadas somente estão obrigadas a publicar os atos e os documentos que o novo Código Civil, no capítulo a elas pertinente, assim prevê. Não podemos admitir exigência que extrapole aquelas contidas no capítulo das limitadas, não por interesses financeiros ou por desrespeito aos minoritários, como dizem alguns, mas simplesmente porque as normas das limitadas não prevêem essa obrigação. Não, o legislador com certeza nem pensou nisso, se não claramente teria estabelecido essa obrigação no capítulo específico das limitadas, como de fato o fez em determinadas situações...

Assim, julgamos, nessa nossa análise, ter simplesmente exercitado o puro raciocínio lógico-jurídico.


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*escritório Demarest e Almeida Advogados

 

 

 

 

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