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Como se faz história?

Quando Juscelino Kubitschek de Oliveira surgiu à minha vista, era jovem, mas sempre, desde o ginásio, interessei-me pela política. Ávido, acompanhei a queda da ditadura de Vargas, melancólica, como quaisquer outras que lhe seguiram ao longo dos anos. E JK veio após o malogro do retorno de Vargas, em eleição direta e tumultuada pela agressividade com que a União Democrática Nacional (UDN) conduziu o processo, num país em frangalhos.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Atualizado em 28 de novembro de 2005 08:54


Como se faz história?


Jayme Vita Roso*


Quando Juscelino Kubitschek de Oliveira surgiu à minha vista, era jovem, mas sempre, desde o ginásio, interessei-me pela política. Ávido, acompanhei a queda da ditadura de Vargas, melancólica, como quaisquer outras que lhe seguiram ao longo dos anos. E JK veio após o malogro do retorno de Vargas, em eleição direta e tumultuada pela agressividade com que a União Democrática Nacional (UDN) conduziu o processo, num país em frangalhos.


Em pouco tempo, no governo, sua beleza de coração e sua vaidade masculina ressaltaram e Juscelino Kubitschek conseguiu dar ao povo sofrido mais do que esperança: orgulho de ser brasileiro. Ousar, sem se lunático ou fantasioso, com um estilo que começou com ele e acabou com ele. Depois, tivemos um personagem taciturno, militares com a ordem unida presente em qualquer ato, um jaquetão nos trópicos, depois um dândi na Dinda, um silencioso mineiro, um intelectual distante da nação e um egresso da classe operária, que não se firma nem se afirma.


Se Getúlio fora acossado por Carlos Lacerda, por ele levado ao suicídio, sob a pregação de que, no Catete, corria um mar de lama, a Revolução surgiu, em 1964, porque pregava a propaganda, orquestrada por Lincoln Gordon (ex-embaixador americano), de que o comunismo e a corrupção minavam o país. Assim, sucessivamente, o Brasil foi sendo saqueado. E continua, mormente após as não explicadas privatizações.


Se nós continuarmos com esse (des)amor ao Brasil, o que interessa às grandes potências, seguiremos deplorando, com amargor, com os nossos patrícios enfileirados nas portas dos consulados para deixarem o país onde nasceram, revivendo as estampas "Brasil: ame-o ou deixe-o". A juventude, despersonalizada, abúlica, sem rumo, violenta, está despreparada para o avenir. As empresas nacionais, desmotivadas, porque, sabiamente, deixam de investir, já que os juros praticados são verdadeira obra de Shylock. A perda da memória pátria chega às beiras da esquizofrenia coletiva.


Essa desfiguração do Brasil, de alegre, matreiro e sutil para um país acabrunhado, inconseqüente, corrupto e despreparado, a quem interessa?


A todos, menos ao povo: àqueles que tomam ônibus ou metrô, viajam nos barcos fluviais, aos favelados, aos que vivem embaixo das pontes ou nas ruas das grandes cidades, aos desempregados, e assim por diante, sempre no descendente da escala social, medida em todos os seus parâmetros.


Sem ser historiador, menos historiógrafo, sem cuidar de política - no feminino, no masculino ou como adjetivo, assim como é na língua francesa1 - sobrou-me, sem soçobrar, dar alguns retoques sobre um político nacional: Juscelino Kubitschek.


Sobre Juscelino Kubitschek tudo se escreveu. E é pouco. Ou é nada. Li o que me veio às mãos para dar-lhes este testemunho. Mas seria isolado. Busquei. Bati em portas. Achei para testemunhar sobre JK um fidalgo, daquele gênero que hoje só conhecemos ou recordamos na leitura de outras épocas: Olavo Drummond.

Sua carreira é luminosa. Advogado, galgou ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; ao Tribunal de Contas da União; à Procuradoria da República e a tantos outros postos de realce, inclusive ao de prefeito de sua amada Araxá.


Com toda a cortesia, recebeu-me para uma longa conversa, em seu escritório em São Paulo. Conversamos. Estava acabrunhado: perdera uma irmã. Tomei-lhe as respostas ao que propusera. Fizemos uma pausa. Em uma outra semana, faleceu outra irmã e um cunhado. Encerrei o diálogo, porque meu sagaz interlocutor estava angustiado. No dizer de um provérbio árabe: "É melhor uma pitada de veneno que um rio tênue de angústia".


Após o doutor Olavo ter lido, ponderado e atentado às perguntas que lhe formulei, preferiu respondê-las concatenadamente, sem a clássica fórmula dicotômica.


Recordemos Juscelino Kubitschek, por Olavo Drummond, pois, "enquanto há vida, existe esperança".


O diálogo, como foi, está escrito e transcrito. Merece severa reflexão e leitura atenta.


Foram estes os meus questionamentos e, em seguida, o relato do doutor Olavo:


1. Ministro, como conheceu JK?

2. Desse conhecimento, surgiu amizade? Que gênero era? Havia troca de interesses?

3. O senhor conquistou sua confiança?

4. JK, como presidente, no Catete, como se sentia? E o senhor, ali, colaborava com ele?

5. A que aspecto mais saliente de JK o senhor deu valor?

6. Relate Brasília, por favor, como veio a idéia de sua construção, por que ela se consumou, qual o custo financeiro, etc.

7. Ao sair do governo, JK deixou o país quebrado?

8. Como agiu JK nos episódios em que os aeronautas se rebelaram?

9. JK foi cassado. Foi justo esse ato?A decisão foi tomada de inopino por Costa e Silva?

10. Como reagiu JK à perseguição? O exílio se constituiu numa saída honrosa?

11. Encontrou-se com ele? Onde se deu o exílio e como se lembrava do país?

12. Qual a força do amor de JK pelo Brasil?

13. JK era um homem rico e abastado?

14. JK, como médico, tinha visão de desenvolvimento? A que atribui?


"Recebo, com honra, a oportunidade de um depoimento sobre a imagem de um dos políticos brasileiros de maior densidade espiritual de todos os tempos, mercê da convivência com ele, que o destino me proporcionou. Tema difícil e de difícil resumo, porque Juscelino se alteou como um ser humano de textura ética incomparável e seu comportamento, como cidadão, e seu compromisso, com a cidadania, viveram intensamente no menino, no estudante, no operário do Morse e no médico. Fulgurantes foram os atributos pessoais que marcaram, indelevelmente, o político convivente com a vitória administrativa como Congressista, Chefe de Gabinete do Governo de Minas, Prefeito de Belo Horizonte, Governador de Estado e, ao final, como o maior estadista que ocupou a Presidência da República de nosso país. E parariam aí as cintilações do homem no convívio com a glória? Não. Estendiam-se ao império das sombras, ao reino das perseguições sofridas, durante terríveis anos de cassação dos seus direitos políticos, estigma de opróbrio para os seus autores, que acompanhou Juscelino até a tragédia e a morte. No sofrimento, vislumbrou-se de corpo inteiro, aos olhos da Nação, o cidadão especial. A amargura do exílio e as injustiças sofridas deram contorno de luz ao estadista e projeção ao homem.


Pausa do meu interlocutor. E retoma.


"Acompanhei Juscelino em muitas fases de sua caminhada. Como jornalista, deputado estadual e amigo, vivi, alegrei-me e sofri com ele os momentos mais significativos de sua vida. Principalmente, após as realizações do poder, quando a visita do infortúnio remeteu-o a uma vida de desalento no quotidiano de uma expectativa frustrante, curtida no além-mar.


Vezes inúmeras, deixei o país para passar ao seu lado, por vontade minha e por convocação dele. Sofrido, perseguido, azucrinado, injustiçado por uma ditadura militar, inspirada e incentivada por políticos civis, que temiam a adoração que o povo lhe consagrava, era o Presidente, no exílio, procurado para manifestar o seu repúdio ao que se costurava nos gabinetes do regime de força. Juscelino, altivo e generoso, sepultava sofrimentos e malquerenças, continha uns e outros, acalmava a curiosidade da imprensa internacional acesa, em busca de manifestações de ira contra o infortúnio brasileiro. Replicava, elogiando o Brasil, pedindo que acreditassem em nossas potencialidades e tivessem em conta o seu plantio como Presidente, pois um país novo haveria de ser aclamado gigante no terceiro milênio. Não reagia como um político minúsculo. Era o cidadão, limpo de alma, que pedia aos interlocutores, com humildade, que considerassem as vicissitudes por que passava como um incidente comum, absorvível pelos êxitos da própria História. Assisti-o enfrentar, com essa reação, grupos de jornalistas, que o visitavam em seu escritório em Paris, e ouvi-o, com a mesma dialética, falar sobre a excelência de nosso país e sobre nossa vocação democrática, em reuniões de que participou em centros educacionais, universidades de prestígio ou organismos dedicados às pesquisas e investimentos de natureza econômica".


A emoção assalta o doutor Drummond, quando encerra esses informes e retrospectos. Mas, no mesmo tom, segue.


"Certa vez, em Lavandou, na Côte D'Azur, na residência de praia do proprietário do Paris Match, Albert Prevost, presenciei um episódio edificante em torno do nosso Presidente. Além de dona Sarah, Márcia, Maristela e Rodrigo, assistiram à cena os saudosos Reinaldo Reis e Horácio de Carvalho, quando ouvimos, do anfitrião, uma exaltação ao homem Juscelino, como figura emblemática de uma época: "Presidente, o senhor é um cidadão do mundo!". E era. E mais nos impressionou o que se seguiu: o jornalista influente pediu-nos que subíssemos com ele, imediatamente ao almoço, a uma colina próxima, também às margens do Mediterrâneo. Prevost surpreendeu o Presidente JK com a pessoa que nos recebia em tranqüila intimidade. Veio à porta o dono do casarão. Era Vincent Auriol, ex-presidente da França. E, por incrível coincidência, repetiu de maneira espontânea a frase ouvida aquela tarde: "Salve! Tenho em minha casa um cidadão do mundo!". Auriol tomou Juscelino pelo braço e o conduziu até a vitrine de condecorações, onde tremulava uma bandeirinha com a inscrição: "Brasília, Capital do Século.

O cidadão Juscelino possuía a essência necessária aos grandes estadistas. No político virtuoso, morou a paixão pelo trabalho e pelas obras, que desafiam os tempos, e, no cidadão, residia a incandescente generosidade, chama inapagável de sua vida olímpica e exuberante".


Doutor Drummond evoca, saudoso, o caráter de JK.


"O iluminado menino de Diamantina continua sendo o cidadão do mundo. Acima do político, resguardou, imaculado, o cidadão exemplar, buscando evitar sempre que as dedicações que arrebanhava viessem, por implicações perversas, prejudicar aqueles que dele se acercavam. Lembro-me, e tenho documentado, um fato ocorrido na oportunidade de um convite que recebera de José Papa Júnior. O jovem presidente do SESC em São Paulo, no pique raivoso da ditadura militar, inaugurava um clube esportivo e convidou JK para dar-lhe a honra do comparecimento. O Presidente, aceitando o convite, rumou a São Paulo. Esperei-o em Congonhas e o levei ao Hotel Hilton. No percurso aeroporto-hotel, Juscelino tornara-se pensativo, dominado por uma sombra de preocupação. No apartamento, tomou um bloco e redigiu uma carta, enquanto eu assistia a tudo sem poder adivinhar o que se passava. Assinou a missiva e me passou o documento. "Pronto. Aqui está. Não vou. Você irá me representar. Todos reconhecem o quanto somos amigos e aplaudirão a escolha. Reagi: "Mas por quê? Como? Todos o aguardam, Presidente". "Não, Olavo, estive pensando. Sou um homem cassado, vivo sob os olhos de um governo que não me aceita e, muito menos, qualquer homenagem direta ou indireta a mim dirigida. Quem sofrerá as conseqüências, depois, é o Zizinho Papa, jovem, com um futuro brilhante, que não pode atrair para si a idiossincrasia dos poderosos".


Na carta, oferecia justificativas corteses para a ausência, sem mencionar a verdadeira razão do não comparecimento.


Naquela tarde, senti, mais uma vez, o cidadão sobrepondo-se ao político comum. Estava ao lado de um homem que, jamais, deixou que o mapa de sua ascensão na vida pública fosse manchado pelo sacrifício pessoal de quem a ele se ligava. Somada a tantas qualidades, o cidadão Juscelino Kubitschek notabilizou-se pela capacidade de sofrer, em silêncio, as cobranças da impiedade. Amargava a desdita, teve, vezes muitas, os olhos rasos d'água, sufocou lágrimas e esquecia as ofensas. E mais que isso: perdoava. Foi, sempre, do alto de sua magnificência, o apóstolo do perdão".


Continua a rememorar:


"Vem-me, por último, neste retalho de lembrança, a imagem do cidadão cívico. A sincera vocação de Juscelino para o perene exercício do amor à Pátria, consolidada no espírito alegre diamantineiro, devotado ao culto poético das serenatas, temperado pelos ensinamentos de infância, provindos da afetuosa e austera assistência de sua mãe, a extraordinária mestra Júlia. Desde o alvorecer da vida, ainda no trato com os cadernos, aprendeu a decifrar o Brasil, amando-o com entusiasmo. Ao seresteiro, coube o cenário das capistranas, por onde passeou amor, deslumbrado com o céu diamantinense. A perfeita identidade com a sua gente gerou um processo de absorção dos sentimentos melhores de cidadania, que iriam informar-lhe a vida".


Dei-lhe uma longa pausa. Fomos almoçar e, voltando, continuou:


"Certa vez, às vésperas de sua posse na Presidência, visitei Diamantina em sua companhia. Assis Chateaubriand encomendara a mim e ao extraordinário Eugênio Silva, responsável pelas imagens, uma reportagem substanciosa para "O Cruzeiro", sobre o Nonô da Mestra Júlia. Queria-a arrancada dos quarteirões de suas origens. Assim, quando visitávamos a casa de sua infância, mostrou-nos os espaços de saudade, detendo-se diante de um quarto humilde: "Aqui era o quarto de Naná. Ali, ficava a sua caminha. Aqui, um tosco criado-mudo onde colocava santos e fotos. É o que jamais me esquecerei: a minha irmã sempre encarnou com doçura o patriotismo. Menina, ainda, ensinou-me o amor ao símbolo verde e amarelo. Naná mantinha sobre a sua cama simples uma faixa com as cores do Brasil, onde se destacava a inscrição da bandeira: Ordem e Progresso...


Sob o carinho da mãe, o afeto da irmã e o encantamento interior que Deus lhe reservou, moldou-se, assim, o cidadão cívico. O Brasil o teve e o repassou à joalheria do mundo, para que figurasse nas prateleiras do futuro como reluzente representação da cidadania brasileira".


Empolgado com o reviver, en lieu da narrativa fria dos homens despidos de senso e de conteúdo, testemunhou:


"Conheci pessoalmente o Presidente Juscelino, no início de 1947, dias depois de sua posse como Deputado Federal, por Minas. Estava eu na redação do "Estado de Minas", onde era repórter, preparando uma matéria completamente só, pois os companheiros do vespertino "Diário da Tarde" haviam encerrado o trabalho e os colegas do "Estado de Minas" ainda não haviam assumido os postos. A minha atenção foi despertada por uma voz cristalina e simpática: 'Uai, está sozinho?'. Reconheci-o, imediatamente. Fora Prefeito de Belo Horizonte, dominava o noticiário da imprensa pela sua atuação moderna e impetuosa e, sobretudo, era muito estimado nos círculos mais díspares. Lamentou que não estivesse ali ninguém de suas relações. Dispus-me, imediatamente, a ajudá-lo no que me fosse possível.


Juscelino falava comigo separado por um balcão bem próximo à minha mesinha de trabalho. Depois do 'posso entrar?' e minha aquiescência, ele mesmo puxou uma cadeira, sentou-se ao meu lado e foi logo dizendo que estava ali para pedir uma noticia. Sobre Diamantina. A cidade entraria em festas e ele desejava uma nota que despertasse a região para o evento. Queria uma nota. Não necessitaria de enfoque privilegiado. Fosse pequena, mas em página de destaque. Ouvi-o atentamente e, à mão (naquele tempo somente o secretário e o redator-chefe usavam uma velha Remington), redigi com zelo a notícia. "Formidável!", reagiu o deputado Juscelino. "Será que não vão achar exagero? Sabe como é, sou oposição e essa nota está além do que espero". Respondi-lhe que tudo faria para que não fosse alterado o texto. Acrescentei, ainda, que o jornal estava inclinado a destinar tratamento especial para os novos parlamentares. Ao despedir-se, quis saber o meu nome. Ao ouvi-lo, arregalou os olhos, meio assustado: "Você não é o repórter que acompanha o governador Milton Campos, pelo jornal "Estado de Minas"?". Disse-lhe que sim, era eu mesmo. E ele, com uma gostosa risada: "Então defenda essa notícia com a mesma dedicação que você ajuda o seu governador...".


Acompanhei-o até a saída, na parte térrea. Despedindo-se, contou-me que estava de partida para o Rio. E brincou: "Endereço: Palácio Tiradentes, meu caro...". Na noite seguinte, telefonou-me na redação, agradecendo a nota e que levasse o seu reconhecimento a Geraldo Teixeira da Costa e a Pedro Aguinaldo Fulgêncio, redator-chefe e secretário da redação, respectivamente".


Amizade consolidada, em pouco, mas que calou em meu generoso interlocutor:


"Aquele episódio representa um capítulo em minha vida. Com ele, nasceu uma amizade pétrea, uma convivência alegre e, principalmente, cívica. Nunca nos apartamos. Amizade sem qualquer interesse, a não ser o meu de vê-lo um dia glorificado na Presidência da República. Antes, todavia, coube a Juscelino o exercício do cargo de Governador, em substituição a outro grande amigo, Milton Campos. Ao lado das atividades de jornalista, todos nós tínhamos arrimo no serviço público. Recebi acenos para estar mais próximo do governador, mas optei por continuar na redação da "Rádio Inconfidência", onde ingressei, por concurso, juntamente com José Aparecido de Oliveira. Convidado pelo saudoso desembargador Aprígio Ribeiro.afastei-me por um tempo das afeições partidárias, sem jamais perder a convivência com o governador Juscelino e com seu primo, o grande político mineiro José Maria Alkmim, ao tempo secretário das Finanças de JK. Quando tomava corpo a campanha de Juscelino à Presidência, cercado de simpatias nacionais esparsas e de um entusiasmo bem mais acentuado em Minas, resolvi candidatar-me a Deputado Estadual. JK e Alkmim tentaram dissuadir-me, para poupar-me de um desencanto, pois, pelo PSD, partido de Juscelino, era impossível, devido à exigência de número muito maior de sufrágios. Juscelino e Alkmin telefonaram para os dirigentes do PTN, inscrevi-me e fui eleito com generosa votação. Quando celebrava a vitória, Juscelino chegou a Araxá, onde pretendia descansar poucos dias. Chamou-me ao Grande Hotel, onde se achava cercado de amigos do Rio e de São Paulo. Ao fim da noite, no jardim de inverno do hotel, um casal carioca aproximou-se. Falávamos sobre a possível candidatura de Juscelino ao Catete. Ele colocava prós e contras, especialmente sobre a posição de Café Filho, então Presidente da República e totalmente contrário à solução mineira para o grande desate. Com a audácia de repórter, que nunca deixei de ter, dei minha opinião, no sentido de que fizesse um alerta nacional, convocando todas as forças para o debate sucessório. E acrescentei: "E será agora, governador. Vocês me esperem aqui, pois vou redigir uma entrevista guardando fidelidade ao seu pensamento, que eu conheço bem". Juscelino entusiasmou-se. O carioca, senhor Vinícius Valadares, achou minha idéia uma temeridade. Ana Lúcia, sua esposa, jovem e decidida, deixou aflorar, com eloqüência, seu entusiasmo. Juscelino decidiu: "Escreva e traga". Subi aos escritórios do hotel, redigi a entrevista com alegria e pressa, submeti o texto e encontrei unanimidade com palmas de JK, em uma rodinha madrugadeira de quatro pessoas. Após, usando o telefone do Grande Hotel, passei a matéria para a Meridional, na redação do "Diário de São Paulo", e, na manhã seguinte, todos os vespertinos da cadeia de Chateaubriand estampavam com o máximo realce a manifestação do Governador de Minas. Diante da repercussão, por meio de um amigo comum, Elmano Cardim, o presidente Café Filho, imediatamente após ler os jornais, convocou Juscelino para uma conversa. JK deixou Araxá às pressas, em seu pequeno avião, e foi ao Presidente Café. Dele ouviu que a entrevista tumultuara o ambiente e que ele, Juscelino, estava distante de ver examinada a sua candidatura. Nem remotamente poderia cogitar da empreitada, porque tinha a oposição de altos escalões da República, notadamente do Exército. Em autobiografia, Juscelino narra o fato, dando relevo à entrevista a mim confiada".


Volta, atrás, o doutor Drummond, e dá realce ao acontecimento antes narrado sobre o convite que fizera Zizinho Papa a JK, para completá-lo, com tons marcantes, para caracterizar aquele jovem empresário que merecia outro destino, se não fora ter sido amigo dos seus amigos.


"Compareci, Zizinho Papa leu a carta e pronunciei um breve improviso. O Presidente voara para o Rio, mas, à noite, telefonei para dar-lhe contas da missão que tive a honra de cumprir. E ele, agradecendo-me: "Quando você era Procurador da República em exercício, junto ao Supremo, foi o meu grande amigo do exílio, sem receio de perder o cargo. E, ainda agora continua firme ao meu lado.Você não tem mesmo medo de arriscar o ganha pão...". "Não, Presidente, tenho medo é de perder a vergonha...". E acrescentei: "Não sei se esta resposta me pertence, se a li em algum lugar ou se a inventei agora. Só sei que saiu do meu coração...". Juscelino, sempre afetuoso, não faltou com a bondade, fazendo justiça à fama de cativante orador, um "soltador de borboletas": "Ora, meu caro, esta resposta é a fotografia de quem você realmente é...".


Retornando ao escritório do doutor Drummond, na Avenida Angélica, em São Paulo, em outro dia, ele pontualiza a afeição recíproca com JK e seus familiares:


"Com a eleição de Juscelino, tantas eram as minhas idas e vindas à antiga Capital, que passei a residir no Rio, porque, atado ao jornalismo como redator de "O Cruzeiro," a revista me requisitava para reportagens especiais. Quase todas ligadas a Juscelino. Com freqüência ia a Belo Horizonte, pois me recusei a renunciar ao mandato de deputado estadual. A minha terra precisava dos meus ofícios. Com as verbas do mandato, pude financiar a educação de mais de duzentas crianças nos Colégios São Domingos e Dom Bosco. Terminado o mandato na Assembléia de Minas, por inspiração de Juscelino, o meu velho amigo Sebastião Paes de Almeida convidou-me a assumir a Secretaria da presidência do Banco do Brasil. Conseguira, ainda deputado estadual, concorrer a uma cadeira federal, tendo obtido suplência. Dela desisti, em favor de Uriel Alvim. Juscelino reconheceu a instabilidade da minha permanência na política e convidou-me para exercer o cargo de Delegado do Brasil nos Estados Unidos, para assuntos da Marinha Mercante. Aceitei e lá passei mais de um ano, tendo feito companhia à dona Sara e às meninas, durante a temporada que Márcia ali passou sob cuidados médicos.


Minha amizade a dona Sara e Juscelino levou-me a freqüentar a intimidade do Palácio das Laranjeiras, onde era recebido como pessoa da casa. Ao Catete ia sempre estar com Álvaro Lins, Victor Nunes e Osvaldo Maia Penido, todos da Casa Civil e que tiveram a oportunidade de chefiá-Ia. Ao Catete levava reivindicações mineiras e atuava como jornalista de "O Cruzeiro". Tendo acumulado um acervo de informações sobre as atividades de Juscelino como deputado federal e governador, pude ser testemunha rente aos trabalhos do Catete e à rotina familiar das Laranjeiras. A afirmativa de que o homem só se revela quando acontece nos centros das grandes deliberações vale-me como uma certeza do quanto foi grande e historicamente inexcedível nosso Presidente Juscelino. Era a energia que construía e a candura que perfumava.


Era o homem JK, despojado de cargos e bens materiais... E o doutor Drummond retrata:


"Homem pobre, o pouco que amealhou durante a vida gastou no exílio, sendo muito importante destacar o seguinte: existe uma falsa informação de que JK, quando morreu na estrada, preferiu ir de automóvel, porque tinha encontro com uma senhora da sociedade do Rio de Janeiro. Sei por mim que ele era um homem de dedicações, tanto femininas como masculinas, tendo tido mesmo uma paginação afetuosa com uma dama, que o estimava sobremaneira. Mas, asseguro que, quando se dirigia para o Rio de Janeiro, não ia ao encontro dela. Como sei disso? Durante os três dias que JK passou em São Paulo, estive ao lado dele o tempo todo. Ficou hospedado na casa da Manchete. Buscava-o para visitas e passeios até o momento em que foi levado pelo motorista da Manchete ao quilômetro dois da Dutra, onde iria encontrar seu motorista, que o levaria ao Rio de Janeiro. Ao final de conversa que tivemos no domingo pela manhã, o dia fatídico, pediu-me completa discrição da informação que ia me passar. Deixava de viajar de avião porque tinha encontro reservado com Victor Nunes Leal, que o esperava no Rio. Tomava cuidados para não ser visto pelos agentes de segurança, que o mantinham na mira e impediam seu deslocamento até o apartamento em que tinha encontro com seu ex-chefe da Casa Civil. Deu-me, em seguida, a razão de seus temores: Roberto Marinho lhe telefonara antes da partida para São Paulo, prevenindo-o contra o excesso de exposição, uma vez que chegara ao seu conhecimento o fato de que alguns militares da revolução estavam tomando providências, junto aos organismos competentes, no sentido de confiscar seu apartamento, único bem que lhe restava. A informação fora dada ao doutor Roberto pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão. Em verdade, JK era apontado pelos seus adversários como a sexta fortuna do mundo, uma deslavada mentira urdida para empalidecer seu prestígio. Eu mesmo, nas vezes em que fiz companhia a ele em Paris e em Nova York, fui portador de numerário arrecadado por amigos, para que o ajudasse na amargura do exílio".


JK amava sua profissão de médico...


"Senti a dimensão de JK pela medicina no exílio. Fez questão de me levar a um hospital, onde, durante sua passagem como médico residente em Paris, tivera contato com ilustres mestres internacionais da época. Entramos sem nenhum alarde. JK andou comigo pelos corredores e, muito emocionado, expressou-se assim: "Saudade. Aqui está tudo exatamente como deixei. A parte física do hospital é a mesma, enriquecida apenas com a chegada dos modernos equipamentos. Quando passei por aqui, meu caro, jamais supunha que um dia iria ser prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais ou presidente da República, tão ajustado me encontrava na vocação de médico. Jamais passaria pela minha cabeça que seria convocado para servir à política de meu país. Ao deixarmos o casarão da saúde, cruzamos a rua e Juscelino voltou a fixar-se naquele monumento, com olhos de saudade E comentou: "Ao entrarmos ali, vi-me médico, jovem, curioso pela ciência e apaixonado pela cirurgia. Quando saímos, senti-me marcado pelo tempo, salvo pela própria arte, como se fora um paciente devolvido à vida, mas com sinais de um doente vivendo a esperança do amanhã. Um sentimento estranho, sabe?". Dias depois, ainda impressionado com o que ouvira à saída do hospital, pedi ao Presidente que me repetisse as palavras com que descrevera a sua emoção. Ele me disse que fora um improviso alinhavado e esquecido...".


Reservemos, em nossos corações, um preito de saudade a JK. Oremos por sua bondosa alma, para que, na paz do Senhor, tenha encontrado e reconhecido o mérito que sua pessoa trouxe ao nosso país, a quem tudo devotou e de quem nada pôde sentir de alegria, nos últimos anos de sua frutuosa e edificante vida.

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Nota bibliográfica


1
Politique. Adj. et n. (du grec politikos, "qui concerne la cite"). "1° (nom féminin) Ensemble de l'organisation de la cité, du gouvemement des affaires publiques, du système législatif qui régit cette organisation et de la répartition des pouvoirs qui font fonctionner cet ordre. La politique est, en ce sens, la chose la plus nécessaire à toute société, qu'elle en organise la vie interne (les relations entre les citoyens) ou qu'elle lui permette d'exister en face des autres collectivités humaines (politique extérieure). A partir de cette définition d'ensemble, les significations du mot «politique» sont nombreuses: réflexion sur l'art d'organiser la nation; stratégie élaborée pour mener à bien les affaires publiques, façon da gouverner; champ des forces nationales et des hommes qui s'affrontent pour la conquête du pouvoir. Cette diversité de sens est souvent cachée par la réalité, au jour la jour, de la "politique politicienne». Les significations péjoratives da l'emploi du mot politique (qu'il faut absolument dépasser pour em comprendre le sens profond) ont conduit à opposer la et le politique, d'ou le succês du mot politique comme nom masculin. 2° (nom masculin) Le politique, au sens propre, c'est ce qui est politique, ce qui a profondément rapport à l'organisation de la cité. Cette définition se confond donc avec Ia signification d'ensemble de la politique, mais sans les sens dérivés, sans les connotations péjoratives qui lui sont parfois associées. On parlera du politique par opposition au social ou aujuridique. On parlera du politique chaque fois qu'on voudra insister sur les enjeux profonds de l'organisation des affaires publiques, par opposition à l'aspect passionnel ou superficiel des débats dits politiques. Un citoyen conscient doit justement percevoir l'impor. tance du politique sous les péripéties événementielles de la politiqua, Voir, à ce propos, les deux sens possibles du verbe Dépolitiser. 3° (adjectif) Le mot politique, comme adjectif, peut se rapporter aussi bien à la politique (au sens événementiel) qu'au politique (le domaina politique au sens originei du mot). Pensée politique, ordre politique, passion politique, magouille politique, économie politique, opinion politique, régime politique, etc. Voir le mot Apolitique. In HONGRE, Bruno; FOREST, Philippe; BARITAUD, Bernard. Grand dictoinnaire de culture générale. Bélgica: Marabout, 1996. p. 388.

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*Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos










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