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Refis II - Uma nova arapuca se avizinha

Desde a posse do novo governo, a sociedade brasileira tem assistido a uma verdadeira avalanche de discursos e promessas sem a contrapartida de ações efetivas para a retomada do crescimento.

quinta-feira, 29 de maio de 2003

Atualizado às 15:28

  Refis II - Uma nova arapuca se avizinha  

Newton José de Oliveira Neves*

 

Desde a posse do novo governo, a sociedade brasileira tem assistido a uma verdadeira avalanche de discursos e promessas sem a contrapartida de ações efetivas para a retomada do crescimento. Na área fiscal, prevalece o modelo macroeconômico focado na geração excessiva de receita às custas do encolhimento da estrutura produtiva, cada vez mais asfixiada por uma estrutura tributária sufocante, injusta e burra. Só relembrando, basta citar, que em 2002, a arrecadação tributária alcançou R$ 476,57 bilhões. Um total equivalente a 48,32 % daquele valor corresponde a encargos sobre bens e serviços e 27,42 % são impostos sobre salários. O comércio, a indústria e os trabalhadores foram responsáveis, no ano passado, por 75,7 % da receita da União. Um assalariado paga, em média, 18,76% de imposto, o que somado à parcela que a empresa recolhe por empregado, eleva a carga tributária sobre o salário para 41,71%. Esse é o verdadeiro pano de fundo da dura realidade que pesa sobre as costas do contribuinte brasileiro, enquanto o governo acena com o novo Refis (Programa de Recuperação Fiscal), um quebra-galho que já demonstrou, no passado recente, que só serve para que as empresas façam uma confissão de dívida que é praticamente impagável frente ao cenário de desaceleração econômica que estamos vivendo.

 

De tudo o que foi dito até agora em favor do Refis, como se houvesse um esforço oficial para encobrir aquilo que a sociedade deseja, de fato, ou seja, um alívio fiscal, é bom que fique claro que a medida apenas tangencia o imbróglio fiscal em que muitos contribuintes brasileiros estão mergulhados, depois de anos a fio de expansão brusca da carga tributária, sem a contrapartida em termos de aumento de faturamento, devido à desaceleração econômica.

 

Sob a ótica fiscal, a conjuntura econômica atual exige muito mais do que a aprovação de um paliativo. Para desfazer o nó da economia brasileira, dando condições a que o país volte a crescer, é necessária uma reforma tributária liberalizante, desburocratizante e, sobretudo, que subordine a política fiscal a uma estratégia global de geração de riquezas e que o foco das preocupações do governo deixe de ser o "tira-lá-dácá" em que se transformou a política tributária nacional.

 

Nos últimos anos, criou-se um verdadeiro fosso entre o crescimento da receita fiscal e o do Produto Interno Bruto (PIB). Traduzindo, o Leão abocanha, anualmente, algo em torno de 35% do PIB, enquanto a geração de riquezas nunca passou de 1,5%. Essa triste realidade é fruto da política fiscal para ancorar a conquista de superávits exigidos pelo FMI e que ainda predomina até hoje.

 

Adicionalmente, pratica-se no Brasil uma taxa de juros que inviabiliza qualquer tentativa de que alguém, com um espírito minimamente empreendedor, pense em produzir algo tomando empréstimo bancário. Por sua vez, do lado financeiro, nenhuma aplicação baseada na geração de riqueza consegue concorrer, de longe, com as taxas de retorno ancoradas nos juros pagos pelo próprio governo. É bom que se diga, inclusive, que as taxas de juros vigentes no país têm subido com muito mais intensidade do que qualquer taxa de crescimento nos últimos anos.

 

Enquanto esse quadro permanecer intocável, qualquer arranjo fiscal, como é o caso da MP 107 que pretende instituir o novo Refis, representará apenas um arremedo da reforma fiscal de que tanto tem se falado, para que as empresas tenham fôlego e que a economia volte a crescer. Frente à realidade dos números apresentados acima, está mais do que claro que apenas um novo Refis não basta neste momento.

 

Se o governo e os políticos continuarem de olhos vendados para o que está atrás da inadimplência fiscal, ou seja, a quase insolvência de milhares de empresas que não arrecadam seus impostos - não porque não querem, mas porque não dispõem de receita - de Refis em Refis o contribuinte estará sempre voltando à estaca zero.

 

A reabertura do Refis é uma solução que só interessa, de fato, ao governo, na medida em que as empresas que aderirem estarão dando mais um passo para cair na malha fina do arbítrio fiscal. O programa representa, na prática, uma grande armadilha, tanto que não há nenhum consenso entre o que o governo quer que seja aprovado pela Câmara dos Deputados e o que os políticos esperam poder aprovar.

 

O que todos esperam é que um governo que foi eleito com a promessa de grandes mudanças comece a mudar realmente. Se permanecer a indefinição sobre onde se pretende chegar e qual a estratégia de política econômica e fiscal capazes de virar o jogo, fazendo com que o país volte a crescer, a única certeza que se pode ter é que a economia continuará andando de lado. Com isso, todos os contribuintes inadimplentes correm o risco não apenas de continuar com seus nomes no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal), mas desaparecer ou cair na informalidade, para poder sobreviver. As opções são péssimas para todo mundo, porém, inevitáveis.

 

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* do escritório Oliveira Neves e Associados

 

 

 

 

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