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A Governança Corporativa e a Arbitragem

Luiz Eduardo Lopes da Silva, Ana Paula dos Reis Pirajá e Carla Amaral de Andrade Junqueira

Interesses divergentes, de longa data, comprometem as relações das empresas com o publico investidor. Enquanto para as primeiras, a conveniência se manifesta pela colocação de seus papeis no mercado financeiro sem que os adquirentes exerçam papel de destaque na administração da companhia, aos investidores o interesse se manifesta no sentido de que haja a cada momento maior transparência na administração das empresas onde investem

terça-feira, 17 de junho de 2003

Atualizado em 16 de junho de 2003 12:32

 

A Governança Corporativa1 e a Arbitragem

Luiz Eduardo Lopes da Silva

Ana Paula dos Reis Pirajá

Carla Amaral de Andrade Junqueira *

Interesses divergentes, de longa data, comprometem as relações das empresas com o público investidor.

Enquanto para as primeiras, a conveniência se manifesta pela colocação de seus papéis no mercado financeiro sem que os adquirentes exerçam papel de destaque na administração da companhia, aos investidores o interesse se manifesta no sentido de que haja a cada momento maior transparência na administração das empresas onde investem.

Este conflito é expresso, em maior ou menor grau, em todos os mercados de capitais do mundo e, como não poderia deixar de ser, também no mercado financeiro brasileiro.

Nesse contexto, o legislador brasileiro optou por modificar em 2001 a Lei das S.A's afim de fortificar a proteção dos acionistas minoritários e controlar o poder dos majoritários. Para tanto, introduziu práticas de governança corporativa no próprio texto da lei sem, no entanto, defini-las como tal.2

Em seguida, logo depois da aprovação da reforma da lei societária no congresso, muitas medidas relativas à governança corporativa foram adotadas por diversas entidades públicas e privadas brasileiras.

O Conselho Monetário Nacional - CMN, por exemplo, através da resolução 2758 de 29 de março de 2001; incitou os fundos de pensão a investir em empresas que adotassem práticas de governança corporativa ao autorizar porcentagens de investimento mais altas nestas empresas.

O BNDES criou um programa de assistência às novas sociedades anônimas que adotassem os standars mais elevados de práticas de governança corporativa.

E a Bovespa, buscando superar o conflito de interesses e, assim, dar maior solidez ao mercado de capitais pelo aumento da segurança aos investidores, decorrente de maior transparência na gestão corporativa; se inspirando no Neuer Market alemão, criou o denominado "Novo Mercado" que se instituiu pela fixação de normas buscando, basicamente, tratamento igualitário entre os acionistas e maior transparência na divulgação dos resultados das empresas.

O conjunto normativo assim surgido, genericamente reconhecido como "governança corporativa" assumiu, na versão de nossa bolsa de valores, estrutura que se manifesta em dois níveis diversos, chamados Nível 1 e Nível 2, que se caracterizam pelo grau de comprometimento da empresa aderente ao sistema com as normas. Vale dizer: a companhia que se qualifica para ter seus papéis negociados no Nível 1 assume série de compromissos listados nas normas regulamentares, todas tendendo a aumentar o grau de "governança corporativa" mas não esgotando a lista de obrigações assumidas. O compromisso total somente é atingido quando a empresa vem aderir ao denominado "Nível 2" onde o comprometimento máximo com as normas é exigido.

Dentre as normas rígidas constantes do rol de aderentes ao "Nível 2" encontra-se a filiação compulsória à Câmara de Arbitragem para resolução dos conflitos societários.

E, exatamente essa compulsoriedade é que vem se transformando em obstáculo para que maior número de empresas venha aderir ao projeto de governança corporativa no nível 2.

Com efeito, tomando-se os parâmetros de divergência de interesses com que iniciamos os presentes comentários, tem-se que pode ser a adoção da denominada "justiça privada" instrumento a dificultar a adesão das empresas ao nível máximo de comprometimento com as regras fortalecedoras do mercado.

É que interessadas na captação dos recursos do mercado, nem sempre estão as empresas dispostas a ter sua conduta administrativa direcionada pelo interesse dos investidores que, vez por outra, podem divergir dos programas de longa maturação decididos pela administração da sociedade.

Com efeito, muita vez procede o investidor com vistas a resultados de curto prazo. Animado por notícias ou resultados apresentados pela companhia, busca na aplicação a valorização que lhe permite realizar o ganho em pequeno espaço de tempo. Assim, contesta a destinação que vincula resultados a projetos de maturação lenta ou de resultado incerto.

Já a empresa, por sua vez, tem quase sempre o interesse de reinvestir os ganhos verificados, na maior expressão possível, de forma a ter assegurada já sua participação no mercado em que atua, já seu crescimento, solidez e permanência nos negócios. Então, delibera a retenção ou vinculação dos ganhos aos projetos que assegurem essas metas.

Nesta divergência de interesses a adoção do processo de arbitragem, a ser aplicada através Câmara especialmente criada para esse fim, encontra também resistências de uma das partes e entusiasmado apoio de outra: às empresas que querem manter a independência de sua gestão, pode não convir a solução rápida e técnica que surge da arbitragem; aos investidores a adoção do princípio é saudada como salutar pois ali antevêem foro isento que assegurará a proteção de seus direitos.

Em nossa visão, a questão não deve ser tomada pelo aspecto maniqueista que freqüentemente reveste o debate sobre o tema: a arbitragem, em si, não é boa ou má. É apenas instrumento técnico que faculta solução também técnica, rápida e , portanto, de melhor eficiência do que as que se alcançam pela via judicial.

Claro está que as empresas que, buscando seu crescimento pelo financiamento de baixo custo representado pela oferta de seus papéis no mercado de capitais, tem como corolário dessa política, a obrigação de sujeitar-se , cada vez mais, à disputa por esses recursos escassos por definição, o que fará através do aumento de segurança aos investidores quer quanto à seriedade da gestão, quer quanto à transparência das informações colocadas à disposição dos aplicadores. E, essa postura passa, necessariamente, pela adesão ao nível maior da "governança corporativa" que, no conceito do "Novo mercado" é o nicho onde se reunirão as empresas que melhor revestem o conceito. Inclusive no que diz respeito à submissão de eventuais conflitos à regra de arbitragem na Câmara especializada. Assim, qualificar-se para ingressar no "Nível 2" é caminho seguro para assegurar maior facilidade de captação dos recursos que lhe interessam.

Por outro lado, ao investidor é também chamada a responsabilidade do entendimento de que a aplicação em empresa da espécie das que aqui mencionamos, é de natureza associativa, com isso expressando a idéia de participação no crescimento do negócio e a consequente obtenção de resultados pelo sucesso da atividade empresarial no mercado em que atua ou no desenvolvimento de novos projetos. Também por isso, deve ser alertado tal investidor que a submissão ao regime arbitral tem como resultado possível a censura a seu procedimento eventualmente especulativo, sendo possível registrar-se a existência de risco de decisão que contrarie frontalmente seu interesse face ao comprometimento que seu atendimento traria à própria solidez e de desenvolvimento da empresa receptora do investimento.

Essa consciência dos limites de atuação e da conveniência de adoção da solução arbitral parece-nos relevante de ser destacada pois é em função destes limites que se alcançará, definitivamente, os contornos de um mercado de capitais harmônico onde, desassombradamente concorram investidores e captadores atuando simultaneamente de forma sadia e permitindo o crescimento dos negócios.

É, pois, o equilíbrio das relações que fará com que haja real crescimento do mercado, meta almejada por todos os que militam na área empresária.

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1Governo vs. Governança. Governo trata-se escolha do modo de organização de controle interno (Conselho de Administração, diretoria e etc). Governança compreende a escolha do modo de organzação do controle externo (investidores)

2De fato, o legislador atentou ao principio pelo qual não devemos restringir conceitos à uma definição legal.

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* sócio e associadas de Lopes da Silva & Guimarães Advogados Associados

 

 

 

 

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