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Plano Real X Expurgos Inflacionários

Fabiana Videira Lopes

Quase doze anos após o início do Plano Real, o STJ deverá, ainda este ano, enfrentar a discussão acerca da existência ou não de expurgos inflacionários quando da implementação do referido plano econômico.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Atualizado em 21 de fevereiro de 2006 14:20


Plano Real X Expurgos Inflacionários


Fabiana Videira Lopes*


Quase doze anos após o início do Plano Real, o STJ deverá, ainda este ano, enfrentar a discussão acerca da existência ou não de expurgos inflacionários quando da implementação do referido plano econômico.


Não que aquela Corte ainda não tenha abordado a questão (cfr. REsp 422271/SC), mas é que os julgados existentes tratam de matéria tributária ou de contratos administrativos, quando nos referimos, aqui, a demandas referentes a contratos privados, cujo índice de correção monetária eleito pelas partes era o IGP-M e em que a parte credora pretende a aplicação de determinados índices para os meses de julho e agosto de 1994 em patamares bem superiores àqueles utilizados, à época, pelos devedores.


Tal controvérsia tomou vulto pelo fato de a FGV ter divulgado, naqueles meses, dois índices de correção monetária distintos no que tange ao IGP-M. O primeiro foi calculado utilizando a moeda que não mais se encontrava em curso no País, o Cruzeiro Real. Assim, foram divulgados os índices de IGP-M de 40% e 7,56% para os referidos meses. O segundo, o IGP-2, foi calculado pela FGV tendo por base apenas a nova moeda em curso no País, o Real, alcançando-se os índices de 4,33% e 3,94%, para os meses de julho e agosto de 1994. Nos meses seguintes, como o IGP-2 assumiu as mesmas variações do IGP-M - já que só havia a evolução de preços em Real -, o IGP-2 foi extinto.


Diante dessa disparidade de índices, algumas ações judiciais acabam envolvendo montantes exorbitantes, representando um risco para o devedor que, à época, julgava estar honrando os termos do contrato mas pode, no futuro, vir a ser condenado a ressarcir os credores por essa diferença de valores, a título de suposto "expurgo" do Plano Real.


Entretanto, não nos parece, tal como ocorreu nos planos econômicos anteriormente implementados em nosso País, que tenha havido qualquer expurgo inflacionário no Plano Real.


É que, antes de o Real passar a ser a moeda de curso forçado no país, a Lei 8.880/94 instituiu a "Unidade Real de Valor" (URV), dotada de curso legal para servir como padrão de valor monetário, enquanto o Cruzeiro Real não fosse extinto definitivamente.


Nesse sentido, de acordo com o art. 3º da referida Lei, por ocasião da primeira emissão do Real, o Cruzeiro Real deixaria, automaticamente, de integrar o Sistema Monetário Nacional.


Como se não bastasse, o artigo 38 da Lei 8.880/94 consignou o seguinte: "O cálculo dos índices de correção monetária, no mês em que se verificar a emissão do Real de que trata o art. 3º desta lei, bem como no mês subseqüente, tomará por base preços em Real, o equivalente em URV dos preços em cruzeiros reais, e os preços nominados ou convertidos em URV dos meses imediatamente anteriores, segundo critérios estabelecidos em lei".


Portanto, verifica-se que os índices de correção monetária a partir do mês de julho de 1994 somente poderiam ser calculados com base nos preços em Real e no equivalente em URV, não havendo qualquer previsão legal que possibilitasse que o referido cálculo fosse realizado com base em Cruzeiros Reais. Até porque o parágrafo único do mencionado art. 38 é cristalino ao afirmar que "é nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito a aplicação de índice, para fins de correção monetária, calculado de forma diferente da estabelecida no caput deste artigo".


Daí porque, se é nula de pleno direito a aplicação de índice que não seja calculado com base nos preços em Reais e no equivalente em URV, conclui-se que aqueles índices divulgados pela FGV com base no Cruzeiro Real são nulos de pleno direito. E não é por outra razão que a própria FGV divulgou, em seu site, ao descrever as duas formas de cálculo dos índices de correção monetária nos meses de julho e agosto de 1994, que apenas aqueles índices calculados com base no Real seriam os "adequados para reajustes contratuais a partir de 1º de julho de 1994".


Contudo, em contrapartida, aqueles que defendem os índices de 40% e 7,56% (julho e agosto de 1994), se baseiam nos princípios do 'pacta sunt servanda', do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, motivo pelo qual se o IGP-M era o índice previsto no contrato, tal cláusula, ainda que contrária à legislação vigente, seria de observância obrigatória.


Entretanto, tanto a Lei 8.880/94 (que instituiu a URV), quanto a Lei 9.069/95 (que dispôs sobre o Plano Real), são normas de ordem pública e que têm aplicação imediata, ainda que sobre contratos em curso. E isso porque "as normas que alteram o padrão monetário se aplicam de imediato, alcançando os contrato em execução, (...), não se lhes aplicando, por incabíveis, as limitações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito" (cfr. RE 114982/RS).


Portanto, em que pesem as manifestações de renomados economistas em um e outro sentido, acreditamos que não há que se falar em expurgos no Plano Real, pois a URV foi justamente instituída para impedir tais expurgos. Desse modo, deverá ser utilizado o chamado IGP-2, nos percentuais de 4,33% e 3,94%, em julho e agosto de 1994
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*Advogada do escritório
Siqueira Castro Advogados









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