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Responsabilidade e compensação no Protocolo de Cartagena sobre biossegurança

A Convenção sobre Diversidade Biológica celebrada em 1992 teve por objetivo a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos da utilização dos recursos genéticos.

segunda-feira, 6 de março de 2006

Atualizado em 3 de março de 2006 12:31


Responsabilidade e compensação no Protocolo de Cartagena sobre biossegurança


Antonio José L. C. Monteiro*


1. - A Convenção sobre Diversidade Biológica celebrada em 1992 teve por objetivo a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos da utilização dos recursos genéticos. No artigo 19.3 a Convenção recomendou aos países-signatários examinar a conveniência de se firmar um protocolo estabelecendo procedimentos adequados de transferência, manipulação e utilização seguras de organismos vivos modificados - OVMs passíveis de impactar negativamente a diversidade biológica.

2. - Nesse contexto é que foi firmado o Protocolo de Cartagena em 29.1.2000, tendo por escopo o movimento transfronteiriço, o trânsito, a manipulação e a utilização segura de OVMs passíveis de impactar adversamente a diversidade biológica.

3. - No artigo 27 de Protocolo de Cartagena foi previsto que: "A Conferência das Partes, atuando na qualidade de reunião das Partes do presente Protocolo adotará, em sua primeira reunião, um processo em relação à elaboração apropriada de normas e procedimentos internacionais no campo da responsabilidade e compensação por danos que resultem dos movimentos transfronteiriços de organismos vivos modificados, analisando e levando em devida consideração os processos em andamento no direito internacional sobre essas matérias e procurará concluir esse processo num prazo de quatro anos".

4. - Com a missão de definir o que se entende por "danos que resultem dos movimentos transfronteiriços de organismos vivos modificados" em encontro realizado em Kuala Lampur, Malásia, em fevereiro de 2004, foi criado o Grupo de Trabalho de Especialistas em Responsabilidade e Reparação ("GTERR"). Esses especialistas deverão estipular até 2007 regras e procedimentos internacionais regulando que tipo de responsabilidade e quais modalidades de reparação e compensação serão aplicáveis aos danos resultantes de movimentos transfonteiriços de OVMs.


5. - De pronto se afigura relevante restringir a aplicação do Protocolo ao movimento transfronteiriço de OVMs, deixando claro que o que se pretende são normas que assegurem que a importação e a exportação de OVMs se realizem de forma segura à biodiversidade. O que significa dizer que não deverão ser regulados pelas regras do Protocolo os danos que possam decorrer da utilização de OVMs já nos países importadores, eventos que por óbvio se sujeitam às normas internas de responsabilidade civil vigentes nesses países importadores.

6. - O Protocolo é pautado, em sua integridade, pelo princípio da soberania dos Estados-Parte, que deverão adotar internamente as devidas medidas de proteção à sua biodiversidade. O Brasil, por exemplo, possui lei interna disciplinando integralmente todas as atividades envolvendo OVMs (Lei nº 11.105, de 24.3.2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.591, de 22.11.2005).

7. - Regular também as atividades conduzidas já na jurisdição dos países importadores significaria regular danos causados por particulares; quando na verdade se trata de regulamentar a responsabilidade dos Estados-Parte pelo desrespeito às regras de exportação de OVMs, que se destinam à proteção da biodiversidade no plano internacional. Imaginar os Estados responsáveis por possíveis efeitos adversos de OVMs que nacionais seus exportem para outros países, seria admitir uma inexeqüível responsabilidade solidária dos Estados em relação a todos os efeitos negativos que possam advir dos produtos saídos dos seus territórios.

8. - Outro aspecto fundamental reside na escolha do tipo de responsabilidade aplicável aos danos causados pelo movimento transfronteiriço de OVMs. Considerando que o Protocolo trata de regras de importação e exportação de OVMs, natural será fazer incidir a responsabilização dos Estados apenas às hipóteses de falha na prestação de informações aos Estados importadores; falha nas análises técnicas e descumprimento em geral de outras obrigações já previstas no Protocolo. Estamos, portanto, falando em responsabilidade subjetiva, fundada na culpa por negligência, imprudência e imperícia.

9. - O movimento transfronteiriço de produtos já com atestado de segurança ao meio ambiente e à saúde não justifica a aplicação da chamada responsabilidade objetiva dos Estados, em que o Estado é havido como responsável independentemente de ter ou não agido com culpa, bastando apenas a existência de nexo de causalidade entre a atividade e o dano ocorrido. A responsabilidade objetiva é admitida em situações muito específicas, com um perigo manifesto que lhes é mesmo inerente, tal como ocorre nas atividades nucleares; ou em relação à poluição marinha por óleo; ou ainda na queda de objetos espaciais.

10. - Na verdade, a exportação de OVMs no Protocolo de Cartagena é regida pelo chamado "Procedimento de Acordo Prévio Informado", que estabelece um mecanismo próprio de informação do país exportador ao país importador, na forma de notificação do país exportador e obtenção de consentimento do país importador, provido ainda que se realize a avaliação de risco científico e que sejam solicitadas informações adicionais relevantes segundo o direito interno do país importador, tudo de forma a que o consentimento deste e o próprio movimento transfronteiriço de OVM's se operem de forma segura e responsável.


11. - Essas são as medidas de salvaguarda entre os Estados, idealizadas justamente tendo por escôpo evitar que o movimento transfronteiriço de OVMs acabe por causar danos à biodiversidade. O desrespeito à essas regras pelos Estados exportadores e importadores é que deve dar causa à imputação de responsabilidade, reparações e compensações.

12. - Extrapolar essa preocupação, criando regras de responsabilidade solidária e objetiva dos Estados por todos os efeitos adversos que possam advir de OVMs já nos países para os quais são exportados, seria antes de mais nada inexeqüível, e nessa medida só se prestaria como desestímulo ao desenvolvimento da biotecnologia, dando margem à criação de uma barreira não-alfandegária fundada num preconceito genérico e nada científico.
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*Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


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