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A eleição de membro do conselho de administração pelos acionistas minoritários - O fim da lista tríplice do acionista controlador

A Lei 6.4040/76 ("Lei das Sociedades Anônimas"), por intermédio da Lei no 10.303, de 31 de outubro de 2001, passou por uma reforma cujo principal objetivo foi incorporar medidas afeitas à Governança Corporativa. À época, defendeu-se que a adoção de regras legais que promovessem a transparência, a igualdade e a responsabilidade corporativa produziria o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, que passava por um período de profundo recrudescimento, face aos crescentes fechamentos de capital e a inexistência de novas emissões públicas de valores mobiliários.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

Atualizado em 25 de abril de 2006 14:05


A eleição de membro do conselho de administração pelos acionistas minoritários - O fim da lista tríplice do acionista controlador

Bruno Caldas Aranha*


A Lei 6.4040/76 ("Lei das Sociedades Anônimas"), por intermédio da Lei no 10.303, de 31 de outubro de 2001, passou por uma reforma cujo principal objetivo foi incorporar medidas afeitas à Governança Corporativa. À época, defendeu-se que a adoção de regras legais que promovessem a transparência, a igualdade e a responsabilidade corporativa produziria o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, que passava por um período de profundo recrudescimento, face aos crescentes fechamentos de capital e a inexistência de novas emissões públicas de valores mobiliários.


Ainda que a reforma tenha sido concluída de forma mais tímida que o proposto pelos projetos iniciais, introduziu uma série de mudanças que ampliaram a proteção dos acionistas minoritários. Dentre elas, pode-se destacar a possibilidade dos minoritários formarem um colégio eleitoral específico para eleger e destituir membro do Conselho de Administração e seu suplente, ou seja, escolher um administrador através de uma eleição em separado.


O Conselho de Administração é um órgão administrativo de deliberação colegiada, de funcionamento obrigatório nas companhias abertas e de capital autorizado, e nas sociedades de economia mista1, que tem por objetivo traçar a política econômica, social e financeira a ser seguida pela sociedade, bem como exercer permanente vigilância sobre os executivos lotados na Diretoria2. Assim, funciona como o cérebro da estrutura organizacional da sociedade, elaborando e fiscalizando a execução dos planos estratégicos que protegem o valor da companhia e garantem o retorno financeiro dos investidores.

O Conselho de Administração funciona como um ponto de equilíbrio entre a Assembléia dos Sócios e a Diretoria, mediando eventuais conflitos entre aqueles que detêm a propriedade e os que detêm o poder de gestão das sociedades. Sempre pautando sua atuação de modo a perseguir o melhor interesse da companhia, o Conselho de Administração possui papel fundamental para a convergência de interesses dos diversos focos de poder existentes na sociedade.


Assim sendo, as mudanças introduzidas pela Lei das Sociedades Anônimas na composição do Conselho de Administração o valorizou como órgão de representação de todos os acionistas. Pelas novas regras, cabe aos acionistas minoritários titulares de ação com direito de voto que representem no mínimo 15% da totalidade de tais ações eleger, em votação em separado, excluído o acionista controlador, um conselheiro de administração e respectivo suplente. O mesmo direito é atribuído aos acionistas titulares de ação sem direito de voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, titulares de, no mínimo, 10% do capital social, salvo se tiverem exercido o direito previsto no artigo 18 da Lei das Sociedades Anônimas3. Se as quantidades mínimas de ações antes indicadas não forem suficientes para a eleição em separado de dois conselheiros, é permitido que os acionistas titulares de ambas as espécies de ação se agrupem e elejam um conselheiro, desde que o quantitativo desse conjunto de ações represente, no mínimo, 10% do capital social.


Assim, em síntese, seriam 3 (três) as possibilidades oferecidas aos acionistas minoritários pela Lei das Sociedades Anônimas para a eleição de conselheiros em votação em separado: (i) titulares de 15% do total das ações com direito a voto; (ii) titulares de ações preferenciais que representem, pelo menos, 10% do capital social; (iii) titulares de ações ordinárias e preferenciais que representem pelo menos, em conjunto, 10% do capital social.


Entretanto, recentemente a Comissão de Valores Mobiliários interpretou de maneira extensiva a participação de acionistas minoritários na eleição de um membro do Conselho de Administração. A Comissão de Valores Mobiliários afirmou ser possível aos titulares de ações ordinárias, representantes de apenas 10% do capital social, eleger um conselheiro, independentemente da votação em conjunto com titulares de ações preferenciais4.


No caso em discussão, a sociedade possuía um grupo controlador que detinha 90% das ações ordinárias com direito a voto, o que tornava impossível aos acionistas minoritários atingir o quorum de 15% de ações com direito a voto exigido pela Lei das Sociedades Anônimas. Ao mesmo tempo, também impossível seria a aplicação da regra de eleição por meio de titulares de ações que representem, no mínimo, 10% do capital social, pois não havia acionistas preferenciais para com quem os acionistas ordinários necessariamente deveriam se agrupar. Portanto, os acionistas minoritários dessa sociedade não poderiam, em nenhuma hipótese legal, eleger representantes para o Conselho de Administração.


Segundo a decisão da Comissão de Valores Mobiliários, entretanto, o sentido fundamental da lei é permitir a representação minoritária no Conselho de Administração. Neste sentido, a possibilidade de votação em conjunto de titulares de ações ordinárias e preferenciais é apenas uma benesse legal para se atingir o quorum de 10% do capital social. Caso esse quorum reduzido possa ser alcançado apenas pelas ações ordinárias, é desnecessário agregar-se ações preferenciais, ainda que existentes. Portanto, a agregação de ações ordinárias e preferenciais não é requisito obrigatório para a eleição do conselheiro nesta hipótese.


A Comissão de Valores Mobiliários reconheceu, entretanto, que anteriormente havia deferido o registro de distribuição pública de valores mobiliários para sociedades, com o capital social divido apenas em ações ordinárias, cujos estatutos contavam expressamente a exigência de participação de 15% do capital social para a eleição de um membro do Conselho de Administração5. Assim sendo, sob o fundamento do inciso XIII do parágrafo único do artigo 2o da Lei 9.784/996, vedou a aplicação dessa nova interpretação da lei às disposições estatutárias das referidas sociedades, prestigiando a segurança jurídica.


Todas essas medidas de ampliação da participação dos acionistas minoritários na eleição do Conselho de Administração, entretanto, foram limitadas por norma temporária constante do artigo 8o, §4o, da Lei 10.303/01. Esta norma estabeleceu que o conselheiro a ser eleito, por votação em separado, pelos acionistas preferencialistas ou por agregação entre eles e os acionistas ordinários, sairia de uma lista tríplice previamente apresentada pelo acionista controlador da sociedade. Dessa maneira, retirou-se a autonomia da vontade da minoria preferencialista para a escolha direta do conselheiro, o que claramente afronta a consistência prática da referida norma jurídica.


Como se disse, no entanto, a norma que estabeleceu a necessidade de uma lista tríplice preparada pelo acionista controlador é transitória, mais precisamente com eficácia até a assembléia geral ordinária do ano de 2005. Portanto, esta regra não mais possui eficácia para as próximas eleições dos conselheiros por parte dos acionistas preferencialistas. Esses acionistas não estarão submetidos às sugestões do acionista controlador nas próximas assembléias gerais ordinárias que ocorrerão a partir do ano de 2006, podendo agir de maneira totalmente autônoma.


Essa nova situação na composição do Conselho de Administração não privará o acionista controlador de eleger a maioria dos seus membros e manter o domínio sobre a administração da companhia. Entretanto, a eleição direta e autônoma de conselheiro permitirá aos acionistas minoritários participar mais ativamente das discussões de temas relevantes para a companhia.


Neste sentido, destaca-se a faculdade concedida ao conselheiro eleito em votação em separado pelos acionistas minoritários para vetar a escolha e a destituição de auditor independente, conforme o disposto no §2o do artigo 142 da Lei das Sociedades Anônimas. O exercício desse poder, sempre de maneira fundamentada, exigirá da administração maior observância de práticas de boa governança, o que significará a ampliação da transparência das informações, do tratamento igualitário dos acionistas e do desenvolvimento da companhia.
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1 Artigo 239 da Lei das Sociedades Anônimas prevê que: As companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maio número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo". Em relação a este artigo, existem doutrinadores que sustentam ser essa norma inconstitucional, tendo em vista o disposto no artigo 173 §1o, da Constituição Federal. Não nos aprofundaremos neste assunto por fugir aos objetivos deste trabalho.

2 Art. 142 da Lei das Sociedades Anônimas estabelece que compete ao Conselho de Administração: I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV - convocar a assembléia-geral quando julgar conveniente, ou no caso do Art. 132; V - manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII - autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX - escolher e destituir os auditores independentes, se houver.

3 Art. 18. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Parágrafo único. O estatuto pode subordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em assembléia especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais.

4 Processo Administrativo CVM RJ 2005/5664

5 Natura Cosméticos S.A. e Lojas Renner S.A.

6 Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: XIII - interpretação da norma administrativa
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*Advogado do escritório
Pinheiro Neto Advogados


* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


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