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Crimes Tributários

Suzane de F. Machado Moraes

Como consequência da criminalização do ilícito tributário, temos nos deparado com questões bastante polêmicas, como, por exemplo, a questão da necessidade ou não da decisão final no processo administrativo para o início da ação penal nos crimes contra a ordem tributária.

quinta-feira, 21 de agosto de 2003

Atualizado em 20 de agosto de 2003 14:15

Crimes Tributários

 

Suzane de F. Machado Moraes*

 

Como consequência da criminalização do ilícito tributário, temos nos deparado com questões bastante polêmicas, como, por exemplo, a questão da necessidade ou não da decisão final no processo administrativo para o início da ação penal nos crimes contra a ordem tributária.

 

A Constituição de 1988 encartou o processo administrativo dentre os direitos e garantias individuais e estabeleceu que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

 

Com isso, pretendeu o legislador constituinte trazer para o processo administrativo garantia que na Constituição de 1969 só era conferida ao processo judicial, representando verdadeiro avanço, na medida em que os princípios do contraditório e da ampla defesa são essenciais ao Estado Democrático, e somente assim, se pode considerar a existência de isonomia, de equilíbrio, nas relações decorrentes de conflitos entre Estado e contribuinte.

 

Com a criminalização do ilícito fiscal, o que se vê é o total desrespeito a essas garantias.

 

É certo que para a configuração dos crimes contra a ordem tributária faz-se necessária a existência de um tributo, portanto, torna-se necessário ter havido o lançamento. A existência do tributo deve ser incontestável e isso só é possível após a decisão final no processo administrativo.

 

Antes da decisão final administrativa, não podemos falar em crédito definitivamente constituído, não havendo assim que se falar em tributo, e não havendo tributo, não será possível se falar em crime fiscal.

 

Porém, não é isso que está acontecendo no nosso país. O que temos visto é o Ministério Público oferecendo denúncias antes de concluído o processo administrativo e confirmada a existência do tributo, e pior, os Tribunais, equivocadamente, entendendo que não há necessidade de se aguardar a decisão final administrativa para que se instaure a ação penal, sob o fundamento de que as instâncias são autônomas.

 

O Ministério Público, ao oferecer denúncia, antes de realizado o lançamento tributário definitivo, atua de forma equivocada. Para a instauração da ação penal, é necessário o conhecimento do teor da decisão administrativa final, porque somente ela tem a capacidade de fornecer os elementos que darão cabimento à denúncia.

 

Sem a definição da existência do tributo devido, falta a denúncia requisito básico, falta a ela justa causa, sendo inépta a denúncia instaurada antes do término do procedimento administrativo fiscal.

 

Se ainda não houve a definitiva declaração da existência ou não de responsabilidade de natureza tributária, não há dívida a saldar e, portanto, não há que se falar em delito, porque não existiu tributo ou contribuição sonegados.

 

Não há como se aceitar a propositura da ação penal, por crime de sonegação fiscal, se nem a própria Administração pode afirmar a existência de sonegação, já que ainda se encontra em curso o processo administrativo-fiscal apontado para tal conclusão.

 

Admitir a instauração do processo penal, antes de concluído o procedimento administrativo, é negar a garantia da ampla defesa, pois o contribuinte ao ver-se ameaçado penalmente, certamente vai apressar-se e efetuar o pagamento do tributo, mesmo que este seja indevido, para não correr o risco da condenação.

 

Inviabilizaria também a utilização do benefício da extinção da punibilidade pelo pagamento, pois esta só é possível com o pagamento antes de oferecida a denúncia.

 

A extinção da punibilidade pelo pagamento, tem sido defendida, principalmente, porque serve de estímulo ao pagamento do tributo, que é exatamente a finalidade da criminalização do ilícito fiscal. É evidente que a intenção do Estado, ao tornar crime o não pagamento do tributo foi aumentar a arrecadação utilizando a intimidação como instrumento. Além disso, ao mesmo tempo que a extinção da punibilidade pelo pagamento atende o Estado é também favorável ao contribuinte que, tendo contra ele decisão final administrativa, tem a opção de pagar e evitar ação penal contra si. Até porque, se o pagamento de nada lhe adiantasse, ou seja, ainda que pagando ele sofresse a ação penal, provavelmente ele não o faria.

 

Entretanto, para fazer valer a opção da extinção da punibilidade pelo pagamento, é indispensável que se aguarde o fim do procedimento administrativo, para que se inicie a ação penal.

 

Prevalecendo o entendimento de que a denúncia pode ser oferecida independente do processo administrativo, pela autonomia das instâncias, nenhum contribuinte, principalmente aqueles de boa fé e preocupados com a moral, vai discutir o crédito administrativamente, pois correrá o risco de vendo-se condenado, não ter mais a opção de pagar e não sofrer a ação penal.

 

Não é possível admitir-se o argumento da autonomia das instâncias para justificar a ação penal antes do final do processo administrativo pois, sendo a exigência fiscal impugnada pelo contribuinte, e ao final confirmada a sua inexistência, ilegalidade ou inconstitucionalidade, não se pode cogitar de crime, sequer, em tese. Não é possível portanto, falar-se em ação penal. Faltaria objeto para a instrução criminal. Além disso, poderíamos nos deparar com julgamentos contraditórios onde, por uma voz o Estado diz que o contribuinte nada lhe deve e por outra o condena a uma pena por deixar de pagar ou recolher tributo devido. Que tributo, se a autoridade administrativa disse que não há tributo devido? O Direito não pode comportar uma contradição assim, ainda que em nome da independência das instâncias.

 

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* Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários

 

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