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Perseguição implacável no trabalho

A julgar pelas reclamações trabalhistas que amiúde têm sido distribuídas ultimamente, os dias dos chefes excessivamente rigorosos e rancorosos estão contados. Trabalhadores estão requerendo indenizações de seus ex-patrões ao fundamento de terem sido "aniquilados psicologicamente" no dia-a-dia do trabalho.

sexta-feira, 26 de setembro de 2003

Atualizado em 25 de setembro de 2003 15:54

Perseguição implacável no trabalho

Mário Gonçalves Júnior*

A julgar pelas reclamações trabalhistas que amiúde têm sido distribuídas ultimamente, os dias dos chefes excessivamente rigorosos e rancorosos estão contados. Trabalhadores estão requerendo indenizações de seus ex-patrões ao fundamento de terem sido "aniquilados psicologicamente" no dia-a-dia do trabalho.

Este assunto nem deveria ser considerado "novo", porque a CLT prevê desde 1943, como motivos de rescisão indireta (hipótese de rescisão de iniciativa do empregado por culpa do empregador), duas espécies de falta grave do patrão: quando forem exigidos serviços superiores às suas forças (do empregado), defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (alínea "a" do art. 483), e quando for tratado (o empregado) pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo (alínea "b", idem).

O mesmo fenômeno vem ganhando espaço em ações trabalhistas sob o novo nome de "assédio moral", que nada mais é do que a perseguição implacável do empregado, por seu empregador (ou superior hierárquico). Trata-se, como logo se percebe, não de um ato isolado (uma ofensa, um "atrito"), mas de uma situação que se prolonga razoavelmente no tempo, dolosa e dirigida conscientemente a um determinado funcionário.

"Por assédio em um local de trabalho", lembra a psicanalista Marie-France Hirigoyen (Assédio Moral - A violência perversa no cotidiano, Bertrand Brasil, 2a. ed., Rio, 2001, pág.65), "temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho".

A lei municipal 13.288, de 10 de janeiro de 2002 (São Paulo), conceituou assédio moral como "todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços" (art. 1o., parágrafo único).

Já havíamos nos manifestado no sentido de que, embora referida lei seja destinada aos servidores públicos municipais paulistanos (art, 1o., "caput"), o conceito de assédio moral nela previsto poderá ser aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho, ou seja, às relações entre empregados e empregadores da iniciativa privada, porque não há na legislação trabalhista disposição congênere e porque não há incompatibilidade com os princípios e normas específicos laborais, salvo se regulamento interno empresarial dispuser diferentemente (artigo 8o., parágrafo único, CLT).

Como contraponto, é sempre bom recordar que a principal obrigação do trabalhador é a prestação do trabalho com diligência e dedicação: "O dever de diligência importa para o empregado na obrigação de dar, na prestação de trabalho, aquele rendimento qualitativo e quantitativo que o empregador pode legitimamente esperar. A diligência do empregado deve ser considerada tendo em vista a natureza da obrigação, as condições pessoais do trabalhador e as circunstâncias de tempo e lugar. O caráter objetivo da diligência em função de um tipo abstrato do bom trabalhador deve ser atenuado a fim de que sejam levadas em conta as circunstâncias relativas à obrigação e à pessoa de quem a presta. Nas palavras de Barassi, a diligência normal é uma figura abstrata e relativa" (Instituições de Direito do Trabalho, Arnaldo Süssekind e outros, vol. 1, LTr, 16a. ed., São Paulo, 1996, pág. 255).

A mesma rotina de trabalho, a mesma ordem dirigida a diferentes trabalhadores pode causar diversas reações psicológicas. Há os trabalhadores mais suscetíveis à mágoa ou à depressão por sua própria natureza. Hirigoyen (ob. cit., págs. 157/158) lembra que "a vítima ideal é uma pessoa conscienciosa que tenha uma propensão natural a culpar-se. Em psiquiatria fenomenológica, esse comportamento é conhecido e descrito, por exemplo, por Tellenbach, psiquiatra alemão, como um caráter pré-depressivo, o typus melancolicus. São pessoas apegadas à ordem, no campo do trabalho e das relações sociais, dedicadas a seu próximo e raramente aceitando que os outros lhe prestem serviço. Esse apego à ordem, essa preocupação em fazer bem as coisas levam tais pessoas a assumirem uma quantidade de trabalho superior à média, que lhes dá boa consciência, mas deixa-as com a sensação de estarem sobrecarregadas de trabalho e de tarefas até os limites do possível".

Não se pode confundir assédio moral, entretanto, com a natural "pressão" psicológica decorrente de recrudescimento do mercado no qual a atividade do empregado se insere, exigência de metas de produção ou vendas, ou com o simples "receio de perder o emprego". O patrão detém legítimo direito de exigir produtividade dos seus empregados, porque assume os riscos da atividade econômica (CLT, art. 2o.). Por outro lado, para ser empregado é absolutamente necessário estar subordinado (CLT, art. 3o.), vale dizer, estar sob o comando de outrem.

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* Advogada do escritório Demarest e Almeida Advogados


 

 

 

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