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Responsabilidade civil do poder público por restrição indevida à emissão de certidão de regularidade fiscal

Eduardo Martinelli Carvalho, Rodrigo Correa Martone e Renato Henrique Caumo

Não resta dúvida que, além da carga tributária a que as empresas brasileiras estão submetidas ser demasiadamente elevada, o sistema tributário nacional, em especial o federal, é extremamente complexo. As próprias autoridades governamentais concordam com essas assertivas.

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Atualizado em 24 de julho de 2006 15:56

 

Responsabilidade civil do poder público por restrição indevida à emissão de certidão de regularidade fiscal

 

Eduardo Martinelli Carvalho*

 

Rodrigo Corrêa Martone*

 

Renato Henrique Caumo*

 

Não resta dúvida que, além da carga tributária a que as empresas brasileiras estão submetidas ser demasiadamente elevada, o sistema tributário nacional, em especial o federal, é extremamente complexo. As próprias autoridades governamentais concordam com essas assertivas.

 

Esses dois fatores, (i) elevada carga tributária, aqui entendida especialmente como a imposição de diversos impostos e contribuições sobre um mesmo tipo de operação; e (ii) complexidade do sistema tributário, com suas inúmeras particularidades para a apuração de bases de cálculo e restrições para o reconhecimento e aproveitamento de créditos fiscais, levam as empresas a se cercarem de cuidados na hora de pagar seus tributos e cumprir com as respectivas obrigações acessórias.

 

Contudo, ainda assim, é comum que até as empresas mais diligentes se vejam ocasionalmente surpreendidas pelo apontamento de débitos tributários já quitados ou mesmo de débitos que apresentam exigibilidade suspensa1. Isso sem falar quando não se vêem às voltas com avisos de cobrança indevidos ou inclusão arbitrária de seu nome em órgãos de restrição ao crédito como o Cadastro de Devedores Inadimplentes - CADIN (ou em outro cadastro correlato).

 

Com freqüência, a cobrança de débitos já quitados decorre de equívocos do próprio contribuinte, por ser virtualmente impossível atender, nos mínimos detalhes, a todas as obrigações acessórias impostas pelo emaranhado de legislação. Não obstante, mesmo que o contribuinte providencie as correções necessárias, muitas vezes o Fisco não processa as novas informações em tempo minimamente razoável, mantendo a situação de cobrança.

 

Mas não é só isso. No caso de procedimentos indevidos, é bastante comum que o contribuinte só tome conhecimento de tais apontamentos quando necessitar renovar sua Certidão Negativa de Débito - CND, o que normalmente acontece quando se pretende participar de uma licitação pública, levar a cabo determinadas operações societárias ou até mesmo se valer de um financiamento perante instituições financeiras públicas ou privadas.

 

Atualmente, como a regularidade fiscal mediante a obtenção de CND é indispensável para a regular consecução das atividades das empresas, e se encontrando estas impossibilitadas de obtê-la em razão de procedimentos indevidos das autoridades fiscais, resta claro o seu direito em pleitear indenização em face do Poder Público com relação a todos os danos e prejuízos que eventualmente tenham sofrido.

 

É importante salientar que as empresas que desejem buscar judicialmente reparação por eventuais danos materiais e morais sofridos em situações tais podem voltar-se não só contra os agentes da administração direta (Receita Federal, por exemplo), mas também contra representantes judiciais da pessoa de Direito Público que se nega à emissão da Certidão. Isto porque tem se tornado cada vez freqüente que os entraves indevidos à renovação de CNDs partam do órgão encarregado da cobrança judicial das dívidas tributárias, como, por exemplo, a Procuradoria da Fazenda Nacional.

 

Exatamente nesse sentido vem se orientando a jurisprudência mais recente, de fazer valer a responsabilidade objetiva do Poder Público em face dos atos de seus agentes, com a sua conseqüente condenação no pagamento de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes. Confira-se a seguir os principais trechos de algumas decisões:

"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE DÉBITO QUITADO. INDEVIDA INCLUSÃO NO CADIN. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LUCROS CESSANTES. IMPEDIMENTO DE PARTICIPAÇÃO EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO.

 

- A inscrição em dívida ativa de débito já quitado e, conseqüentemente, a indevida inclusão no CADIN ensejam a responsabilidade civil da União pelos danos suportados pela autora, sendo certo que é irrelevante que o equívoco tenha sido decorrente de conduta dos entes arrecadadores, porquanto atuam estes em nome do Estado, que não pode eximir-se de sua responsabilidade, de natureza objetiva.

 

- Cabível a indenização pelos danos morais e materiais, estes últimos decorrentes do impedimento de participar de procedimento licitatório, em razão da impossibilidade de comprovação da regularidade fiscal, exigida pela Lei n.º 8.666/93.

 

- Apelação e remessa oficial improvidas".

 

(Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Apelação Cível 346.975/AL, Relator Desembargador Federal Convocado César Carvalho, 1ª Turma, DJ de 1.2.2005)

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"DIREITO CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.

 

A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. O valor arbitrado a título de danos morais, contudo, revela-se exagerado e desproporcional às peculiaridades da espécie.

 

Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido".

 

(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 556.745/SC, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ de 15.12.2003)

...............................................................................

 

"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ENVIO INDEVIDO DO NOME DO AUTOR A CADASTRO DE INADIMPLENTES - CADIN. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. MAJORAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

 

1. Constando-se o nexo de causalidade entre o constrangimento sofrido pelo Autor, em razão da inscrição indevida do seu nome em cadastros restritivos de crédito, apesar de regular sua situação perante a instituição financeira, e a conduta praticada pela CEF, resta configurada a responsabilidade civil e a conseqüente obrigação de indenizar (...)".

 

(Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação Cível 01.00.074488-3/MG, Relatora Desembargadora Federal Maria do Carmo, 6ª Turma, DJ de 22.9.2003)

Finalmente, não pode deixar de ser mencionado que, por mais salutar que essa orientação do Poder Judiciário possa se mostrar, a possibilidade de se buscar judicialmente a reparação por eventuais danos sofridos deve ser verificada caso a caso, na medida em que é indispensável que o contribuinte prejudicado disponha de toda a documentação apta a demonstrar sua perfeita regularidade fiscal2 com relação ao débito que tenha dado causa à inscrição indevida no CADIN (ou em outro cadastro correlato) e à negativa das autoridades fiscais na expedição da CND.

 

De posse de documentação que comprove, de forma inequívoca, que lhe foi causado um prejuízo indevido, na nossa avaliação, são muito bons os argumentos e as perspectivas de êxito em medida judicial do contribuinte que tenha por objetivo a obtenção de indenização quanto aos danos materiais (e porventura morais) incorridos em razão da falta de CND válida e quanto aos danos morais (e porventura materiais) decorrentes da inclusão indevida do seu nome no CADIN e em outros cadastros de restrição ao crédito.

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1São causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional: (i) depósito integral do valor do débito, (ii) liminar em Mandado de Segurança (iii) liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ação judicial, (iv) reclamações e recursos administrativos, (v) parcelamento de débitos.

 

2Tanto com relação ao pagamento (ou compensação) dos valores de principal, juros e eventuais multas, quanto com relação ao cumprimento das respectivas obrigações acessórias (escrituração, declaração, etc.).

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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este memorando foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


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