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A redenção dos sindicatos

Fernando Alves de Oliveira

Somos um País onde pontificam contrastes, paradoxos e ambigüidades sem fim. Em todos os segmentos que formam a vida desta Nação, sejam eles de natureza social, política, econômica ou de que ordem for, o brasileiro têm mostrado ao longo da existência do Estado brasileiro, sapiência, equilíbrio e pertinácia para vencer e remover os óbices que se antepõem aos avanços exigidos por meio dos reclamos da sociedade. Isto é consensual e ponto pacífico, imputando-se esse fenômeno como decorrência do inabalável estoicismo de nossa gente que não se deixa render pela invariável pequenez da nossa classe política.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Atualizado em 11 de outubro de 2006 15:25


A redenção dos sindicatos

 

Fernando Alves de Oliveira*

 

Somos um País onde pontificam contrastes, paradoxos e ambigüidades sem fim. Em todos os segmentos que formam a vida desta Nação, sejam eles de natureza social, política, econômica ou de que ordem for, o brasileiro têm mostrado ao longo da existência do Estado brasileiro, sapiência, equilíbrio e pertinácia para vencer e remover os óbices que se antepõem aos avanços exigidos por meio dos reclamos da sociedade. Isto é consensual e ponto pacífico, imputando-se esse fenômeno como decorrência do inabalável estoicismo de nossa gente que não se deixa render pela invariável pequenez da nossa classe política. Os agentes desta, eleitos como representantes do povo para solver (ou pelo menos minorar) os problemas comuns que afligem a coletividade, acabam, amiúde, transformando-se em defensores de seus eminentes interesses pessoais menores que o elegeram, e como tal, menores e em proveito próprio e das forças espúrias que o apóiam e o defendem em concorridos e vultosos lobyes. Mas -e felizmente- a resposta popular a essas ações, embora muitas vezes tardia, nunca tem faltado. É assim, que se constrói um verdadeiro país: mediante a demonstração de amadurecimento e da pujança da sua sociedade, que, ainda que em ritmo lento, não delega a ninguém seu papel de agente atento, saneador e profilático.

 

Este intróito justifica-se plenamente como uma pintura sem retoque da vida sindical brasileira, cujo quadro clama por reformas transformadoras, quer no âmbito legal, como de fato. Apesar dos insanáveis vícios do sistema sindical prevalecente e o fato dele abrigar sindicalistas que nele pululam como ardorosos defensores de sinecuras, balcões de negócios e autêntico meio de vida, a verdade é que, felizmente, existem idealistas e dirigentes de vanguarda, de irrepreensível estofo moral. A estes compete a luta sem tréguas por uma nova vida sindical, imune das impurezas represadas ao longo de sessenta décadas.

 

A exemplo da legislação trabalhista vigente, a de natureza sindical foi instituída no início dos anos 40, no Estado Novo, sob a inspiração do caudilho Getúlio Dorneles Vargas. Está claro que, vitimada pela falta de indispensável e revitalizante oxigênio proveniente da renovação e da  modernidade, a vida sindical brasileira acabou hibernando no sono e no berço nada esplêndido do anacronismo. E o que é profundamente lamentável: sob a mão de ferro do Estado, que nada fez para revitalizá-la. Triste papel!

 

Por tratar-se de matéria constitucional, não compete tão-somente ao poder Executivo implementar as transformações reclamadas pelas necessidades exigidas pelas modernas relações do Trabalho. Elas dependem da aprovação do poder Legislativo. Conclusão: há muito que se intenta pela chamada reforma sindical. Contudo, ela continua inerte, jamais saindo do papel.

 

Assim foi nos oito anos do Governo Fernando Henrique, em que a PEC-623/98 (Proposta de Emenda à Constituição) permaneceu natimorta, por absoluta falta de vontade política e assim ocorrerá até o final do atual Governo, onde a PEC-369/2005 terá idêntico destino, não obstante todos os ruidosos rompantes do pomposo FNT (Fórum Nacional do Trabalho). E, convenhamos, é até bom que assim seja, de vez que apesar de ter sido concebida por gente do ramo, que até bem pouco tempo recheavam os sindicatos de trabalhadores (especialmente os ligados à CUT) em verdade traz em seu bojo não o estandarte representativo da modernidade sindical, mas sim espargindo o ranço canhestro, e  a condução do processo estatizante, carreado na bitola estreita do leninismo e stalinismo, marcas registradas do petismo que, por sua vez, prova ser cópia piorada do getulismo. Ao invés de progresso, retrocesso. É como algo que se encontrasse na Idade Média e necessitasse ser remetido às exigências impostas pelos avanços do hodierno. Ao invés de avançar, retroage à Pedra Lascada... Como diria o celebérrimo Sinhozinho Malta a reforma sindical do governo de Inácio da Silva é irmã gêmea do tal espetáculo do crescimento e prima-irmã dos prometidos 10 milhões de empregos...

 

Mas até quando teremos de esperar pela mudança das regras jurídicas para reparar estragos de fato, há tempos provocados no sistema sindical tupiniquim? A que se deve a crise instalada no movimento sindical, que provocou desde a perda de sua identidade até a incontrolável asfixia financeira devastadora que corrói progressivamente os cofres das entidades?

 

Esta resposta não é da competência do Estado, que geralmente dormita em sua conhecida inércia, sempre alheio ao que não quer ou não lhe interessa priorizar.

 

Ela está sob o encargo, principalmente, do despertar da consciência dos legítimos líderes sérios, verdadeiramente representativos -e como tal- de vanguarda. Dos já existentes e dos que estão por vir, que deverão pugnar diuturnamente pelas transformações necessárias. Tomara, pois, que surjam e multipliquem-se novos e conscientes timoneiros, hoje muito provavelmente ainda tolhidos e relegados a plano inferior pelas minorias, usualmente infensas à progressão das idéias que conduzam às modificações. Oxalá que delas sejam arrancadas os antolhos da retrogradação que fazem questão de ostentar - quer seja por crônicas teimosias, surradas e anacrônicas filosofias de antanho ou ainda por determinadas e superadas conveniências próprias- fato que não lhes permite a desejável agudeza de percepção exigida pelas evoluções ditadas pelas venturosas regras das novas relações do Trabalho.

 

É ponto pacífico que o emprego formal está acabando no mundo.  Vai prevalecer o trabalho. Isso não é uma previsão; trata-se de indiscutível constatação. Nos dias atuais, a conquista e a preservação do trabalho são marcos muito mais importantes do que as dos valores do emprego formal, em baixa e com seus dias contados. E esses novos valores não admitem ditadura sindical, sectarismo e muito menos adoção do conhecido e irresponsável grevismo. Trata-se de um insofismável e irreversível fenômeno mundial que as nossas lideranças sindicais teimam em não reconhecer, exatamente porque são beneficiárias de um anacrônico sistema que contempla a caduca unicidade sindical prevalecente e a nefanda e nefasta contribuição sindical obrigatória.

 

Nessas condições, quem deve laborar por essas transformações é o "mercado", através dos seus atores, visando uma nova forma de atuação, antes que sejam tragados pela eminente falência do sistema.. O que basicamente se exige são correções de foco e de rumo, como, por exemplo, algumas das singelas conclusões oriundas de evento promovido -ainda no início desta década- pela Federação do Comércio de Pernambuco, que tivemos a satisfação de participar. São tão simples quanto fáceis de serem implementadas. Basta ter vontade política para tal:

a) reformulação conceitual dos sindicatos, que passam não só a defender interesses classistas, mas também da sociedade onde está inserido;

 

b) total desvinculação da atividade sindical de qualquer ação de cunho político-partidária;

 

c) total e ampla independência do setor público, atuando - quando necessário - em conjunto com o poder constituído em atividades que visem o bem coletivo da forma mais transparente possível;

 

d) identificação clara dos componentes da organização sindical, evitando o peleguismo e a presença de pessoas que não pertençam à categoria sindical;

 

e) reestruturação operativa, transformando o sindicato em uma entidade efetivamente prestadora de serviços aos seus associados, especialmente no que tange à sua capacitação e aprimoramento profissional.

A redenção do sindicalismo brasileiro: chama-se culto e seguimento linear do associativismo, que é auto-aplicável. Sua implementação pode e deve ser feita por todo e qualquer sindicato de vanguarda dispensando mudanças ou prevalência da atual legislação. Exige, todavia, trabalho sério, dedicado, competente, profundo respeito e prestação de serviços aos associados. Seus frutos somente serão colhidos a médio e longo prazo, motivo pelo qual tem sido pronta e seguidamente repudiado pelos imediatistas e indolentes. O Brasil moderno, bem como o avançado estágio das modernas relações do Trabalho, rejeitam frontalmente o viciado e corroído modelo sindical em vigor, que trás em seu bojo a unicidade sindical, modelo inteiramente abolido nos países evoluídos. Estivesse o nosso País neste mesmo plano, o sistema em questão já deveria estar figurando no museu das curiosidades brasileiras...

 

Urge, pois, o advento da autonomia (ou pluralidade) sindical,  da qual o associativismo é filho natural e legítimo, o que redundará numa inversão diametralmente oposta ao do maligno processo dominante. A partir da era associativista o Sindicato terá de ser gerido de fora para dentro. Quem na verdade comandará a entidade sindical será sua Assembléia Geral, ou seja, os seus associados, aos quais caberá o transcendental papel de passar a ser - verdadeira e meritoriamente- o mais importante protagonista do cenário sindical e não mais o réles e mero coadjuvante, papel que tem sido impingido pelos "donos" do sindicalismo ao associado das entidades. O escopo desses verdadeiros "capos" sempre foi centrado em assentar âncora na perenidade do poder e na ignominiosa tarefa de servir-se e não servir, apesar do inútil e até caricato simulacro ostentado em contrário. A diretoria do Sindicato será a mera condutora das postulações e ações factíveis propostas por seus sócios. Como sempre deveria ter sido. E se assim não for, os associados não pagarão a única e real contribuição que será devida aos sindicatos, ou seja, a de caráter espontâneo.

 

A atual e sufocante asfixia financeira dos Sindicatos, especialmente os patronais. É o mais salutar prenúncio do iminente término da captação do dinheiro fácil, resultante da escorchante contribuição obrigatória imposta por um sistema paternalista, implementado no regime ditatorial de Getúlio Vargas, há quase 70 anos e consentido até hoje pelo Estado de direito dito democrático.

 

Chega de aguardar infinitamente pela boa-vontade dos Poderes Executivo Legislativo, inertes por 7 décadas. Antes de exigir que eles cumpram a sua parte no processo, os sindicalistas de escol, de visão, progressistas e vanguardeiros precisam, isto sim, assumir a parte que lhes cabe, pois a solução começa pelo próprio meio sindical.

 

E está suficientemente claro que essas ações não virão da banda podre desse viciado sindicalismo brasileiro.

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*Consultor Sindical

 

 


 

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