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Parlamentarismo e voto distrital

A provável reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva pode trazer de volta um debate a respeito da adoção do parlamentarismo, devido à expectativa de uma possível impugnação da candidatura, em 2007. Não podemos nos esquecer de que os "aloprados", chefiados pelo então coordenador da campanha de Lula e presidente do PT, Ricardo Berzoini, cometeram gravíssimas infrações à legislação eleitoral, e isso poderá custar caro a Lula. Como se sabe pela nova lei eleitoral o candidato não pode dizer que não sabia de nada, ele é, por princípio, responsável por tudo que acontece durante a campanha. Talvez por isso Lula e seu comitê de frente venham insistindo, desde já, na tese de que a oposição tenta vencer a eleição no "tapetão", convocando uma espécie de guerra santa nos sertões.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Atualizado em 20 de outubro de 2006 14:06


Parlamentarismo e voto distrital

 

Alexandre Thiollier*

 

A provável reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva pode trazer de volta um debate a respeito da adoção do parlamentarismo, devido à expectativa de uma possível impugnação da candidatura, em 2007. Não podemos nos esquecer de que os "aloprados", chefiados pelo então coordenador da campanha de Lula e presidente do PT, Ricardo Berzoini, cometeram gravíssimas infrações à legislação eleitoral, e isso poderá custar caro a Lula. Como se sabe pela nova lei eleitoral o candidato não pode dizer que não sabia de nada, ele é, por princípio, responsável por tudo que acontece durante a campanha. Talvez por isso Lula e seu comitê de frente venham insistindo, desde já, na tese de que a oposição tenta vencer a eleição no "tapetão", convocando uma espécie de guerra santa nos sertões.

 

Acontece que parlamentarismo é coisa séria, não deve ser lembrado somente em momentos de crise política ou institucional. Quero discutir essa alternativa como solução, antes de qualquer crise. Uma verdadeira reforma política precisa incluir na pauta o parlamentarismo e o voto distrital. O Brasil já teve uma experiência parlamentarista, implantada de setembro de 1961 a janeiro de 63, sob inspiração de Afonso Arinos, tendo Tancredo como primeiro ministro. Naquele momento a solução do parlamentarismo serviu para livrar o país de uma provável guerra civil, após o veto dos militares à posse de João Goulart.

 

O sistema parlamentarista, também conhecido como democracia parlamentar, foi desenvolvido pela primeira vez na Inglaterra da Idade Média, para limitar os poderes dos monarcas. No Brasil de hoje, esta solução se faz necessária devido ao excessivo poder acumulado pelo presidente da República que, no entanto, ao depender dos votos de uma maioria parlamentar, pode-se sentir tentado a lançar mão de soluções pouco ortodoxas, como o pagamento de mensalão para a compra de deputados.

 

Nos modernos regimes parlamentaristas existe um Chefe de Estado, que é um presidente eleito diretamente, e um Chefe de Governo, escolhido pelos parlamentares eleitos pelo povo. Em tese, é a maioria que escolhe esse Chefe de Governo, mas nada impede que a minoria também o faça, em caso de crise de credibilidade da maioria, como aconteceu recentemente na Espanha. Se uma crise política abala a base de sustentação do governo, o parlamento pode destituir o Chefe de Governo e substituí-lo por outro que reúna as condições necessárias ao comando do poder executivo do país. Assim, as crises são resolvidas sem traumas.

 

Historicamente temos no Brasil a tradição presidencialista, que já dura mais de um século desde a proclamação da República, com um único e breve hiato na experiência de 1961/63, já citada. Por isso, o parlamentarismo é visto aqui com incredulidade e até desconfiança, mas pode e deve ser debatido como opção eficiente ao atual sistema brasileiro. As sucessivas crises envolvendo a relação promíscua entre o presidente e os deputados e senadores mostram que o momento é oportuno para essa discussão.

 

Embora seja apresentado no Brasil como uma espécie de solução mágica para momentos de crise, o parlamentarismo é resultado de uma evolução histórica, de uma necessidade de equilibrar os poderes institucionais. Exatamente do que o país mais precisa. Mas para isso, evidentemente, temos que discutir também o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, já que no parlamentarismo são os parlamentares eleitos pelo povo que escolhem o Chefe de Governo.

 

Defendo a implantação do voto distrital puro: os estados e as cidades seriam divididos em distritos, e os eleitores escolheriam os candidatos apresentados em relações elaboradas pelos partidos. Todo o Congresso passaria a ser eleito de acordo com a vontade dos eleitores, em seus distritos. Esse sistema faz os parlamentares criarem raízes nos lugares onde vivem, passando a responder a um universo definido de eleitores, que podem cobrar resultados de um político que conhecem melhor. Já o voto proporcional, o sistema em vigor, estimula a eleição de deputados de opinião, que geralmente têm projetos nacionais e não distritais.

 

E por que o voto distrital puro e não o misto? No sistema de voto distrital misto, usado em países como a Alemanha, cada eleitor vota duas vezes, uma direto no candidato de sua preferência, que vai representar aquele distrito, e outra na lista de um dos partidos, que sugere os nomes de seus representantes para todo o país e não só para o distrito. É um sistema criado para as características da Alemanha, porém confuso para o Brasil.

 

O voto distrital puro pode solucionar dois problemas. O primeiro é o custo cada vez maior das campanhas para deputados e senadores, que leva a um maior risco de corrupção. Só em São Paulo, 1.098 pessoas concorreram a 70 vagas na Câmara dos Deputados. Eles puderam buscar votos em qualquer região do estado, o que tornou a campanha extremamente cara. Estimou-se neste ano que a eleição de um deputado custou pelo menos R$ 3 milhões. Por outro lado, o voto distrital puro melhora a própria compreensão, por parte dos eleitores, de como funciona a política de seu país. Hoje, de cada dez brasileiros, seis não se lembram em quem votaram para deputado federal, logo após a eleição, de acordo com pesquisas de institutos, como o Datafolha. Isso acontece pela falta de identidade entre os candidatos e os eleitores.

 

Essa é a essência da democracia: eleger representantes e exigir que eles exerçam essa representação com eficiência e decência. Mas como nada é perfeito, nem mesmo o voto distrital puro conseguiria evitar a eleição de políticos reconhecidamente ligados a esquemas de corrupção, nem apresentadores de TV e artistas aventureiros, que também poderiam ser indicados pelos partidos, no sistema de voto distrital. A informação, a educação e a consciência dos eleitores ainda constituem o melhor filtro numa eleição. 

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*Advogado do escritório Thiollier Advogados

 

 

 

 

 

 

 



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