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As restrições do STJ à denúncia espontânea

Tathiane dos Santos Piscitelli e Rafael Minervino Bispo

A denúncia espontânea está prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN) e tem por objetivo permitir ao contribuinte que possua débitos tributários que os quite, sem a incidência de multa moratória, desde que antes de qualquer procedimento administrativo relativo à fiscalização daquele débito. Ao interpretar esse instituto, a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado restrições ao direito do contribuinte, especificamente aplicáveis aos tributos lançados por homologação.

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Atualizado em 26 de outubro de 2006 11:50


As restrições do STJ à denúncia espontânea

 

Tathiane Piscitelli*


Rafael Minervino Bispo*

 

A denúncia espontânea está prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN) e tem por objetivo permitir ao contribuinte que possua débitos tributários que os quite, sem a incidência de multa moratória, desde que antes de qualquer procedimento administrativo relativo à fiscalização daquele débito. Ao interpretar esse instituto, a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado restrições ao direito do contribuinte, especificamente aplicáveis aos tributos lançados por homologação.

 

Segundo a sistemática desse tipo de lançamento, o contribuinte possui o dever de antecipar o pagamento do tributo devido, sem qualquer intervenção da autoridade administrativa. Todavia, na maioria dos casos, o legislador atribui ao contribuinte dois deveres distintos: ao realizar o fato gerador do tributo, deverá o sujeito passivo declarar o valor devido para, somente após, efetivar o respectivo pagamento. Tal ocorre com o imposto de renda, o ICMS e as contribuições ao PIS e à Cofins, dentre outros.

 

Considerando esse procedimento (declaração/pagamento), o STJ tem decidido de forma reiterada pela impossibilidade de realização da denúncia espontânea na hipótese de já ter havido a declaração do valor devido sem o respectivo pagamento - em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon), Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (DIRPJ) ou Guia de Informação e Apuração (GIA). Isso porque, entende o tribunal, tal declaração constitui o crédito tributário e tem o papel de dar conhecimento à administração quanto à realização da infração. Dessa feita, estaria desfeito um dos requisitos para a realização da denúncia espontânea: a não-ciência da autoridade administrativa quanto à ocorrência do ilícito tributário.

 

Decisões nesse sentido prejudicam o contribuinte de boa-fé, que declarou todo o valor devido do tributo, a despeito de não possuir recursos para quitá-lo. Em contrapartida, estimulam a fraude e a prática de crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137, de 1990 - clique aqui), já que somente viabilizam a denúncia espontânea àqueles que foram omissos nas declarações à administração.

 

Não bastasse essa postura já suficientemente criticável do STJ, mais recentemente foi publicada uma decisão que, literalmente, afirma: "(a denúncia espontânea) existe como incentivo ao contribuinte para denunciar situações de ocorrência de fatos geradores que foram omitidas, como é o caso de aquisição de mercadorias sem nota fiscal, de venda com preço registrado aquém do real etc." (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 603.657).

 

Embora o mérito da questão debatida no julgamento verse sobre denúncia espontânea e parcelamento de débitos, o relator, ministro José Delgado, ao mencionar a não caracterização de denúncia espontânea na hipótese de registro contábil dos fatos geradores, assume, ainda que implicitamente, como verdadeiros dois pressupostos: (1) o registro da ocorrência de fatos geradores em livros contábeis ou fiscais é atividade suficiente a constituir o crédito tributário; e (2) o fato de que a denúncia espontânea somente existe para beneficiar o sujeito passivo que tenha omitido informações do fisco e, assim, cometido crime contra a ordem tributária.

 

Ambas as premissas estão equivocadas. Caso se admita que a constituição do crédito tributário não é privativa da administração, podendo o contribuinte realizar atividades nesse sentido, é evidente que o simples registro contábil ou fiscal da realização do fato gerador não possui tal efeito, por um motivo bastante simples: tais registros não são levados ao conhecimento da administração; são documentos internos da empresa aos quais as autoridades administrativas somente terão acesso após o início de um procedimento de fiscalização.

 

A atividade de constituição do crédito tributário realizada pelo sujeito passivo, caso exista, deve dar conhecimento à administração acerca da realização do fato gerador de determinado tributo. Isso não ocorre com o simples registro das operações em livros contábeis ou fiscais, internos da pessoa jurídica. Somente com a declaração da ocorrência do fato gerador direcionada à administração é que se pode cogitar da constituição do crédito tributário pelo contribuinte.

 

De outro lado, a denúncia espontânea não se presta a autorizar a realização de fraudes. Tal procedimento visa beneficiar o contribuinte de boa-fé que cometeu um lapso quanto ao cumprimento de suas obrigações tributárias e tomou ciência deste ilícito antes mesmo da fiscalização. Não se trata, portanto, de atribuir benefícios àquele que não emitiu notas fiscais ou omitiu informações da autoridade administrativa, sob pena, inclusive, de incentivar as fraudes em face da administração.

 

Apesar de a jurisprudência do STJ não estar uniformizada nesse sentido, o precedente é preocupante. Consolidando-se esse entendimento, dificilmente haverá possibilidade de o contribuinte de boa-fé, que cumpre com seus deveres tributários, realizar denúncia espontânea. A seguir por essa linha, o tribunal corre o risco de atribuir mais benefícios àqueles que cometem crimes contra a ordem tributária, em detrimento dos contribuintes que primam pela observância da lei, gerando absoluto desvirtuamento do artigo 138 do CTN.

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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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