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A situação da holding pura no Código Civil

O novo Código Civil unifica parcialmente o direito privado e, em seu livro II, relativo ao direito de empresa, denominado no anteprojeto da atividade negocial, institui a disciplina geral das sociedades, que correspondem à união de pessoas ("universitas personarum") com propósitos econômicos (artigo 981), nisso se diferenciando das associações, organizadas sem tais finalidades (artigo 53).

sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

Atualizado em 4 de dezembro de 2003 15:14

A situação da holding pura no Código Civil

 

Ronald A. Sharp Junior*

 

O novo Código Civil unifica parcialmente o direito privado e, em seu livro II, relativo ao direito de empresa, denominado no anteprojeto da atividade negocial, institui a disciplina geral das sociedades, que correspondem à união de pessoas ("universitas personarum") com propósitos econômicos (artigo 981), nisso se diferenciando das associações, organizadas sem tais finalidades (artigo 53).

 

Em uma visão ampla, pode-se dizer que a unificação parcial do direito privado acarretou as seguintes conseqüências: a) desaparecimento da antiga figura do comerciante e surgimento da figura do empresário, não necessariamente equivalentes, ao revés do que muitos imaginam; b) estruturação de uma teoria geral das sociedade e do regramento das diferentes espécies societárias; e c) unidade de tratamento dos contratos e obrigações, eliminado-se a distinção até então existente entre os direitos de crédito civis e mercantis.

 

Ao adotar a teoria da empresa, o novo Código Civil divide o exercício habitual de operações econômicas em empresárias e não empresárias, assim classificando as sociedades, especificamente quanto à natureza, em empresárias e simples (artigo 982 do novo Código Civil).

 

Entende-se por sociedade empresária aquela desenvolve atividade própria de empresário, o qual é legalmente definido como "aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços" (artigo 966). Trata-se da prevalência do critério estrutural ou funcional, decorrendo a empresarialidade do modo pelo qual é exercida a atividade econômica voltada ao mercado. A exceção a tal sistema de caracterização se refere ao critério formal, que, independentemente da estrutura operacional ou dos fatores produtivos predispostos, considera empresária pela simples forma jurídica de constituição, como sucede com as sociedades por ações (parágrafo único do artigo 982 do novo Código Civil).

 

A conceituação econômica do empresário e, por conseqüência, da sociedade empresária exige, como leciona Rubens Requião, a organização dos fatores da produção que se propõem à satisfação das necessidades do mercado geral (Curso de Direito Comercial, 1º volume, 16ª edição, página 47).

 

Para Fábio Ulhôa Coelho, "a empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores." (Manual de Direito Comercial, Saraiva, 13ª edição, 2002, página 13)

 

Ora, a holding pura (sem exercer outras atividades, a não ser o mero controle de outras sociedades) somente tem uma atuação interna, direcionada às relações mantidas com as sociedades controladas. Relações internas e externas, são, com apoio em Tavares Borba, as "que têm lugar entre acionistas, destes para com a sociedade e ainda entre os controladores e a administração da sociedade, enquanto as relações externas são as que se desenvolvem entre a sociedade e os terceiros que com ela contratam ou de alguma forma se relacionam." (Direito Societário, 8ª edição, Renovar, página 508)

 

Por maior que seja o modo pelo qual organiza suas atividades, a holding pura sempre se restringirá a uma face interna e as eventuais contratações com terceiros também têm por mira produzir efeitos para a autuação no âmbito interno das relações societárias, e não ao mercado.

 

Relembre-se que cada sociedade se qualifica por si, sendo irrelevante a natureza de seus sócios. A sociedade e seus sócios, ainda que por ficção jurídica, constituam realidades autônomas, individualidades próprias, distinguem-se entre si em virtude da atribuição de efeitos conseqüentes à personificação.

A discussão da natureza da holding pura chegou a ser travada no grupo de estudos coordenado pelo professor Jorge Lobo, formado por advogados de diferentes escritórios, onde, na reunião do dia 14 de maio de 2003, foram aportadas as seguintes idéias: "Nestes casos, porém, ela (a holding) não tem uma face externa, voltada para o mercado, não se adequando à hipótese do artigo 966. Não produz bens ou serviços, apenas age em interesse próprio. Controlar, administrar a empresa pode ser considerado prestação de serviços, por agregar valor à sociedade controlada, sendo a holding sociedade empresária? Se prevalecer este entendimento, pode-se considerar que todo sócio é empresário."

 

Do enquadramento da holding pura como sociedade simples resulta na sua inscrição no cartório do registro civil de pessoas jurídicas (artigo 1.150 do novo Código Civil) e na insubmissão à falência, mas ao processo de insolvência civil.

 

Em remate, a holding pura terá sempre natureza de sociedade simples, uma vez que estará constantemente agindo como sócia, direcionando suas atividades não ao mercado, mas para o âmbito interno caracterizado pelas relações societárias, salvo se for constituída sob a forma de sociedade por ações.

 

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* Professor do Ibmec, Rio de Janeiro

 

 

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