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O Judiciário e a Política Externa

Enganam-se aqueles que julgam que o Poder Judiciário não pode exigir do Executivo determinados comportamentos no tocante à política externa. Os que assim pensam leram apenas o artigo 84 da Constituição. Interpretam uma regra isoladamente, esquecendo-se de inserí-la em todo o sistema.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Atualizado às 08:25

O Judiciário e a Política Externa

 

Américo Masset Lacombe*

 

Enganam-se aqueles que julgam que o Poder Judiciário não pode exigir do Executivo determinados comportamentos no tocante à política externa. Os que assim pensam leram apenas o artigo 84 da Constituição.

 

Interpretam uma regra isoladamente, esquecendo-se de inserí-la em todo o sistema.

 

Nenhuma norma seja princípio, seja regra, pode ser interpretada isoladamente. Costumo dar como exemplo o caput do art. 5º da Constituição. Se o interpretarmos isoladamente, como norma deslocada de todo o sistema, concluiremos que o turista estrangeiro não tem nenhum dos direitos ali arrolados, pois o texto do artigo fala apenas em estrangeiros residentes no país. Ora, tal conclusão levaria ao absurdo, o que comumente ocorre quando se pretende interpretar uma norma deslocada do sistema na qual ela se insere.

 

Não há dúvida que compete ao Presidente da República determinar o comportamento da política externa brasileira. Porém, os atos através dos quais o chefe do Executivo orienta tal comportamento, não são atos totalmente discricionários, visto que a Constituição de 1988, no seu art. 4º, fixa de maneira peremptória (norma cogente de eficácia plena) os princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve reger-se, em suas relações internacionais. E ali está dito que um dos princípios orientadores do nosso comportamento internacional é exatamente o da igualdade entre os Estados.

 

Tal princípio tem como corolário a reciprocidade de tratamento aos cidadãos. Ora se um Estado estrangeiro qualquer está exigindo certas providências policiais para a entrada de brasileiros em seu território, o Chefe do Executivo brasileiro deve (aí não é poder é dever), em face do princípio da reciprocidade determinar as mesmas providências em relação aos nacionais daquele Estado.

 

A inércia do Chefe do Executivo significa um desrespeito as normas (princípios) do artigo 4º, e, por conseguinte, uma inconstitucionalidade por omissão.

 

Portanto, se devidamente provocado, não só pode como deve o Poder Judiciário suprir o comportamento do Executivo, determinando às autoridades policiais comportamento idêntico ao do Estado Estrangeiro, em face do princípio da reciprocidade.

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* Doutor em Direito pela PUC-SP. Desembargador Federal Aposentado. Advogado em São Paulo.

 

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