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Aspectos atuais da auto-regulamentação publicitária

A auto-regulamentação publicitária caracteriza-se pela iniciativa espontânea dos profissionais da área de criar normas éticas que norteiam as suas atividades. É um movimento que, reconhecendo a falta de recursos do Estado para criar regras e dirimir conflitos nesse setor, desenvolve mecanismos para que eventuais distorções sejam identificadas e corrigidas rapidamente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

Atualizado às 08:19

Aspectos atuais da auto-regulamentação publicitária

 

Mauro J.G. Arruda

 

José Mauro Decoussau Machado*

 

I. - A atuação do conselho nacional de auto-regulamentação publicitária - Conar

 

A auto-regulamentação publicitária caracteriza-se pela iniciativa espontânea dos profissionais da área de criar normas éticas que norteiam as suas atividades. É um movimento que, reconhecendo a falta de recursos do Estado para criar regras e dirimir conflitos nesse setor, desenvolve mecanismos para que eventuais distorções sejam identificadas e corrigidas rapidamente.

 

No Brasil, o grande ícone e pioneiro da auto-regulamentação publicitária é o Conar. Trata-se de uma organização não-governamental que se compõe primordialmente de agências de publicidade, veículos de comunicação, anunciantes e associações representativas desses profissionais. Também tem como associadas entidades privadas que objetivam a defesa do consumidor.

 

A meta principal do Conar é a aplicação do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária ("Código"), nascido no final da década de setenta, como fruto da organização dos profissionais do setor, para evitar a ingerência estatal nos destinos da publicidade. O Código estabelece parâmetros éticos que devem nortear a criação de qualquer anúncio, tais como o compromisso com a honestidade, a veracidade, a leal concorrência, e a responsabilidade social.

 

Além de regras gerais que guiam o mercado como um todo, o Código tem normas específicas para diferentes categorias de produtos e serviços, dentre os quais destacam-se os produtos alimentícios, bebidas alcoólicas, produtos relacionados ao fumo, produtos farmacêuticos, veículos motorizados, investimentos e empréstimos em geral.

 

O Conar atua como órgão judicante nos litígios que envolvam questões relacionadas à publicidade. São julgadas representações por infração ao Código originadas de denúncias de consumidores, autoridades, dos seus associados ou ainda formuladas pela própria diretoria do Conar de ofício. Nos últimos cinco anos foram instaurados aproximadamente 1.300 processos sendo determinada a sustação de 489 anúncios1 . Certamente, quando é possível, o Conar tenta promover a conciliação entre as partes antes de julgar a representação.

 

As sanções impostas pelo Conar podem variar desde uma simples advertência, passando pela recomendação de alteração, correção ou sustação do anúncio. Em casos extremos, quando o associado não cumpre a sua decisão, a penalidade é a divulgação pública de tal fato nos meios de comunicação, o que tem ocorrido com raridade. Não há sanção de natureza pecuniária, mas nada impede que o ressarcimento seja buscado judicialmente.

 

A atuação do Conar revela que, se por um lado o artigo 22, inciso XXIX, da Constituição Federal, estabelece a competência privativa da União para legislar sobre propaganda comercial, por outro, a regulamentação alternativa dessa atividade, consubstanciada na criação de normas éticas por parte daqueles que devem observá-las, torna o controle da atividade publicitária mais célere, seguro e econômico.

 

II. - As novas iniciativas de auto-regulamentação publicitária: bebidas alcoólicas, medicina e mensagens eletrônicas

 

Os três fatores - celeridade, segurança e economia - característicos da atividade de auto-regulamentação motivaram que o Conar, recentemente, criasse novas normas que tratam da publicidade de bebidas alcoólicas, e outros órgãos, como o Conselho Federal de Medicina - CFM e a Associação Brasileira de Marketing Direto - ABEMD, também implementassem novas regras regulamentar as suas respectivas atividades.

 

De acordo com as novas regras do Conar que começam a vigorar já em novembro de 2003, a publicidade de bebidas alcoólicas deverá ser estruturada com a finalidade de difundir a marca do produto de maneira socialmente responsável, evitando-se o consumo abusivo e também por menores de idade.

 

Foi proibida, por exemplo, a presença de crianças e adolescentes ou de qualquer pessoa que aparente ser menor de 25 (vinte e cinco) de idade nos anúncios; a exploração do erotismo; o uso de linguagem, recursos gráficos e audiovisuais pertencentes ao universo infantil, tais como animais "humanizados", bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de menores; cena, ilustração, áudio ou vídeo, que apresente a ingestão imoderada do produto.

 

O Conar também estabeleceu que anúncios de bebidas devem ser veiculados principalmente após às 21 h, e que devem sempre acompanhá-los mensagens de advertência incentivando o consumo moderado do produto. Foram criadas mensagens de advertência padrão para anúncios em televisão, rádio, cinema, internet, entre outros veículos.

 

O Conselho Federal de Medicina - CFM, por outro lado, editou novas normas para a publicidade de médicos por meio da Resolução nº 1.701/2003, de 10.9.2003. Em vista do aumento na disputa pelo mercado consumidor entre médicos, clínicas, hospitais e outras empresas atuantes nessa área, mostrou-se necessário fixar critérios éticos norteadores para a participação dos profissionais nas campanhas publicitárias.

 

A Resolução, já em vigor, veda, por exemplo, que médicos: (i) participem de anúncios de empresas ou de produtos ligados à medicina; (ii) permitam que o seu nome seja incluído em propaganda enganosa ou seja ligado a matérias jornalísticas desprovidas de rigor científico; (iii) façam propaganda de método ou técnica não aceitos pela comunidade científica; e (iv) e exponham a figura do paciente.

 

Só se permite a divulgação pública de informações, a concessão de entrevistas e a publicação de artigos quando versarem sobre assuntos médicos e tiverem cunho estritamente educativo.

 

A avaliação do material que poderá ser utilizado será feita por uma Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos, ligada ao CFM, cujas atividades consistirão na elaboração de pareceres e consultas a respeito de publicidade de assuntos médicos. As sanções aplicadas pela não observância dessas regras podem ser a advertência, suspensão e até cassação do registro profissional.

 

Ao lado das iniciativas já citadas, também merece destaque a atuação da Associação Brasileira de Marketing Direto - ABEMD. Trata-se de uma entidade civil que promove o desenvolvimento e aprimoramento de técnicas e atividades de marketing direto . A ABEMD, além de ter editado o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação do Marketing Direto2, elaborou, recentemente, um projeto cujo objetivo é permitir que o consumidor escolha se deseja ou não receber ofertas por e-mail, telefone ou carta.

 

Para alcançar essa meta foi criado um guia de "boas maneiras" a ser distribuído para as empresas do setor. A iniciativa da ABEMD inspirou-se na atuação de três das mais importantes associações de agências e anunciantes dos Estados Unidos, a American Association of Advertising Agencies, a Direct Marketing Association e a Association of National Advertisers, as quais se uniram para estabelecer um código de auto-regulamentação para o envio de mensagens eletrônicas.

 

O guia de "boas maneiras" da ABEMD contém uma lista de nove regras que deverão nortear o procedimento dos seus associados, dentre as quais destacam-se as seguintes: (i) o assunto indicado na referência do e-mail deve ser honesto; (ii) a mensagem deverá conter o endereço eletrônico do remetente e o endereço corporativo do anunciante; (iii) os e-mails devem fornecer, em destaque, a opção de remoção do seu nome de mensagens futuras; e (iv) as listas de e-mail não devem ser vendidas ou fornecidas a terceiros, a menos que o consumidor tenha sido informado e consentido a venda de seu nome.

 

Cumpre esclarecer que o guia de "boas maneiras" é apenas um conjunto de regras sugeridas pela ABEMD, sendo que o não cumprimento pelas afiliadas daquele órgão não configura uma infração propriamente dita. Eventualmente poderá ser feita uma representação à ABEMD se a conduta da empresa associada, ao realizar marketing direto, violar o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação do Marketing Direto.

 

Também é importante notar que, embora a ABEMD tenha tomado a iniciativa de criar um guia para a publicidade através de mensagens eletrônicas, não há qualquer óbice para que abusos sejam reportados diretamente ao próprio Conar, caso a prática configure violação às disposições do Código.

 

Com a criação de normas éticas por diferentes órgãos, caberá avaliar, em cada caso concreto, qual deles deverá ser acionado para que a questão seja rapidamente resolvida. Seja qual for a opção, trata-se de uma alternativa com muitos benefícios em relação às ações judiciais.

 

III. - Conclusão

 

No campo da publicidade, o fenômeno da auto-regulamentação ganha maior importância e mostra a sua eficácia. A genialidade característica dos profissionais da área demanda que aqueles que criam as regras tenham as mesmas aptidões profissionais daqueles que as cumprem. Em outras palavras, é preciso que os criadores das normas tenham a sensibilidade necessária para identificar quais recursos publicitários são escusos, desleais, e possam vedar a sua utilização. O desafio é agir de forma equilibrada e não transpor a tênue linha que separa a proibição de práticas desleais e a limitação injustificada da criação intelectual.

 

Também no momento de analisar eventuais conflitos, aplicando as normas, a presença de profissionais da área é vital. Sem dúvida, a experiência por atuar nesse ramo de atividade lhes confere uma percepção mais apurada para identificar quando uma norma foi violada, o que ocorre, no mais das vezes, de uma maneira sutil, dissimulada, que passaria despercebida aos olhos do público leigo.

 

Além disso, o mercado publicitário evolui com uma rapidez a cada dia maior. A exploração de novas formas de publicidades, de novos meios de comunicação, exige que as normas aplicáveis acompanhem esse desenvolvimento na mesma velocidade.

 

No caso do Conar, a estrutura é dotada do dinamismo suficiente para identificar e apreciar rapidamente os abusos cometidos, evitando-se que os litigantes arquem com os altos custos envolvidos num processo judicial e o longo tempo necessário até que se tenha uma decisão final. Uma decisão pode ser proferida em poucos meses, e em horas uma campanha pode ser sustada se forem preenchidos os requisitos próprios.

 

Esperar que o Estado consiga corresponder a essas expectativas é uma utopia, tanto pela já mencionada falta de recursos como pela morosidade do sistema legislativo, que não é apto a fazer com que mudanças sociais reflitam-se rapidamente na legislação. Exemplo disso é o novo código civil, que somente após décadas entrou em vigor incorporando as profundas mudanças ocorridas no século XX.

 

Dessa forma, a auto-regulamentação publicitária é extremamente útil à sociedade. Os consumidores ficam protegidos da prática de publicidade abusiva e enganosa, e as empresas que atuam nesse mercado, como agências e anunciantes, vêem-se resguardadas da prática de concorrência desleal. O próprio Estado também é beneficiado, na medida em que são evitados litígios que poderiam bater às portas do Judiciário consumindo os já raros recursos disponíveis.

 

A atuação bem sucedida do Conar, por mais de 20 anos, na auto-regulamentação publicitária, deve servir como referência para que outros órgãos, de diferentes setores, também tomem a iniciativa de criar normas éticas.

 

As recentes iniciativas do CFM e da ABEMD evidenciam que, nos próximos anos, a atividade de auto-regulamentação deverá consolidar-se como um dos principais meios alternativos para evitar e solucionar de conflitos, e que outros devem gradualmente adotar a mesma solução para evitar as intermináveis e custosas batalhas judiciais.

 

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1Estatística realizada até dezembro de 2002, disponível online in www.conar.org.br.

2Entende-se por Marketing Direto um sistema interativo que usa uma ou mais mídias para obter uma resposta ou transação mensurável em algum lugar.

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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