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Retrospectiva 2003

Com o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003, sabia-se que o setor de energia brasileiro passaria por reformas, que refletiriam as diretrizes da nova política de governo. Era consenso que o modelo existente para o setor de energia elétrica exigia ajustes e aperfeiçoamentos, em virtude da sua implementação parcial e do racionamento de energia elétrica por que passamos.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

Atualizado às 13:59

 Retrospectiva 2003

 

Ano foi de muita intranqüilidade no setor de energia

 

Camila da Motta Pacheco Alves de Araújo*

 

Com o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003, sabia-se que o setor de energia brasileiro passaria por reformas, que refletiriam as diretrizes da nova política de governo. Era consenso que o modelo existente para o setor de energia elétrica exigia ajustes e aperfeiçoamentos, em virtude da sua implementação parcial e do racionamento de energia elétrica por que passamos.

 

Assim, em vista das perspectivas de mudanças e das declarações governamentais que se seguiram, o início de 2003 foi de muita expectativa e apreensão para os agentes e atuantes no setor, e o segundo semestre caracterizado por indefinições e perplexidades que se refletiram diretamente no volume decrescente de investimentos feitos no setor.

 

De fato, o ano de 2003 foi marcado pela divulgação de várias propostas de normas e modelos para o setor, e também por acaloradas discussões e críticas a esses projetos. O Direito da Energia foi, pois, foco de atenção e preocupação no ano de 2003 dos estudiosos, agentes, investidores e usuários.

 

O Direito da Energia, como modernamente se vê, refere-se e aplica-se a todas as áreas do setor energético, incluindo o gás natural, petróleo e derivados e outras e todos os seus entrelaçamentos com as questões tributárias, societárias, contratuais e comerciais.

 

Fazendo uma modesta retrospectiva e balanço do ano que se finda, podemos dizer que as principais medidas de reformas estruturais propostas pelo novo governo referem-se à proposta de um novo modelo institucional para o setor elétrico brasileiro, divulgada pelo Ministério das Minas e Energia em julho de 2003, bem como os anteprojetos de lei referentes às agências reguladoras da Casa Civil da Presidência da República, apresentados em setembro de 2003.

 

Se, por um lado, cabe prestigiar a iniciativa do governo de buscar novos modelos para solucionar certos impasses ou problemas que surgiram da implementação do modelo adotado no governo anterior, que perseguia a progressiva liberalização das atividades do setor elétrico, pautado na concessão ou autorização para prestação de serviços de geração e distribuição de energia elétrica a empresas de capital privado e na privatização das empresas concessionárias, com a atuação de uma agência regulatória autônoma e independente para fiscalizar e regular o setor, por outro lado, é preciso fazer algumas ponderações a respeito da proposta de novo modelo apresentado pelo MME, que se alinha em direção oposta à do modelo do antigo governo.

 

Entre as importantes mudanças propostas para um novo modelo está a atribuição de mais poderes ao MME, transferindo da ANEEL ao Ministério as atribuições do poder concedente, antes delegadas por lei à agência, acentuando a formulação de políticas energéticas com alguma semelhança com as atribuições do Conselho Nacional de Política Energética. Além disso, a proposta divulgada aponta dois ambientes distintos para contratação de energia elétrica: o "Pool", ambiente regulado do qual participam obrigatoriamente todas as concessionárias geradoras e distribuidoras, onde os contratos serão liquidados pelo Administrador dos Contratos de Energia Elétrica (ACEE), entidade que será criada com esse objetivo, em substituição ao MAE, e o Ambiente de Livre Contratação. O novo modelo prevê um forte planejamento do setor, chamado de determinativo, que será exercido pela Fundação de Estudos e Planejamento Energético (FEPE), com sistema de punições em vista de planejamentos incorretos, o que merece acurada análise tendo em vista o princípio constitucional da livre concorrência basilar da ordem econômica brasileira.

 

O tema é de grande relevância, pois trata-se de não somente criar condições para o desenvolvimento de um setor prioritário, mas também de criar condições para o desenvolvimento das atividades produtivas e atrair e incentivar investimentos privados, que contam e dependem do crescimento do setor energético.

 

As diretrizes propostas não devem deixar de ser consideradas e revistas sob o ponto de vista técnico. Entre elas, destacam-se a obrigatoriedade de contratação no pool, o respeito aos contratos vigentes e ao direito adquirido, o planejamento determinativo inserido na proposta e o estabelecimento de normas regulando o período de transição entre os modelos. Convém notar que a proposta não indica o texto normativo pelo qual o novo plano será implementado, bem como o campo de definição ou detalhamento das novas regras que será deixado a cargo do MME.

 

No que tange ao anteprojeto de lei das agências reguladoras, divulgado em consulta pública, vislumbra-se uma tendência centralizadora e controladora que pode ser um retrocesso comparado com a tendência liberalizante do modelo até então vigente. Com isto, parece-nos que o risco regulatório pode crescer na medida das incertezas jurídicas que o cenário aponta para o mercado.

 

Com referência a investimentos no setor, foi estabelecida, nos termos da Medida Provisória 127 de 4 de agosto de 2003 que foi posteriormente transformada na Lei 10.762 de 11 de novembro de 2003, a criação, no âmbito do BNDES, do Programa de Apoio à Capitalização de Empresas Distribuidoras de Energia Elétrica. Já há alguns anos as empresas concessionárias de serviços de distribuição de energia elétrica vinham passando por sérias crises econômicas e constantes endividamentos e a adoção dessa medida teve como principal objetivo fortalecer as empresas para o desenvolvimento do setor. Com essa medida, o Governo Brasileiro reconhece a real situação do setor de energia, o qual está na busca de uma solução equilibrada, onde se juntem a certeza jurídica e a segurança financeira.

 

Além disso, não houve privatizações e licitações significantes para concessão e autorizações de geração e distribuição de energia elétrica no ano de 2003. No setor de transmissão de energia elétrica houve uma única licitação promovida pela ANEEL, cujo Edital foi submetido a consulta pública e audiência pública. Em setembro de 2003, foi concluído com êxito o leilão para outorga de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica, em diversos lotes, para construção, operação e manutenção de instalações de transmissão da rede básica do sistema interligado.

 

Cumpre também mencionar a consulta pública realizada pelo MME em julho de 2003, para receber contribuições sobre o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA. O PROINFA foi criado pela Lei 10.438 de 26 de abril de 2002 tendo como objetivo a diversificação da matriz energética brasileira, através do aumento da participação da energia elétrica produzida por empreendimentos, concebidos com base em fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. A primeira etapa do programa foi regulamentada pelo Decreto 4.541 de 24 de dezembro de 2002 e a implementação está sendo realizada pelo MME.

 

Do acima exposto, verifica-se que o ano de 2003 foi de muita intranqüilidade, seja pela divulgação de uma proposta de novo modelo, seja pela indefinição governamental com respeito às novas regras, inclusive no que diz respeito aos reflexos da reforma tributária para o setor de energia elétrica, ou pelas visíveis dificuldades em se estabelecer um marco regulatório para o setor.

 

Esperamos que as autoridades, beneficiando-se das experiências do ano transcorrido, encontrem soluções mais definidas e definitivas para a formulação de nossas políticas.

 

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* Advogada do escritório de Araújo e Policastro Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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