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Direito de arrependimento nas compras pela internet

Com a evolução da sociedade, via de regra, há evolução da tecnologia e com esta também tem de modificar a forma com que são oferecidos os produtos aos consumidores, sob pena do insucesso dos fornecedores de produtos ou serviços. Pela razão descrita acima, vem se mostrando cada vez mais comum o oferecimento de produtos e/ou serviços através de "sites" na internet, algo perfeitamente aceitável na sociedade moderna em que vivemos.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Atualizado em 18 de janeiro de 2007 14:02


Direito de arrependimento nas compras pela internet

Bruno Heliszkowski*

Com a evolução da sociedade, via de regra, há evolução da tecnologia e com esta também tem de modificar a forma com que são oferecidos os produtos aos consumidores, sob pena do insucesso dos fornecedores de produtos ou serviços.

Pela razão descrita acima, vem se mostrando cada vez mais comum o oferecimento de produtos e/ou serviços através de "sites" na internet, algo perfeitamente aceitável na sociedade moderna em que vivemos.

O fato é que cada vez mais os consumidores vêm optando por fazer compra no meio eletrônico, seja por comodidade, praticidade, falta de tempo para ir a determinado estabelecimento ou qualquer outro motivo.

O crescente comércio através da internet reflete a evolução da sociedade, porém não se pode afastar a aplicação da Lei a esta espécie de transação comercial, pois isto seria um verdadeiro absurdo, até mesmo porque não se pode afastar a aplicação de uma Lei.

Deste modo, pode-se afirmar com absoluta certeza que no chamado meio virtual também há incidência das normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor.

Uma das normas estabelecidas no Diploma Legal supra mencionado é o direito de arrependimento do consumidor, ou seja, é a possibilidade do consumidor arrepender-se da compra que fez através da internet e requerer a devolução do produto, sem qualquer ônus para este.

Tal possibilidade de arrependimento encontra-se esculpida no texto da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) no artigo 49:

Artigo 49 - "O consumido pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único: Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados."

Sendo assim, não há que se negar a possibilidade do consumidor em exercitar o direito que lhe confere a Lei ao arrependimento, porém mister se faz esclarecer que o referido direito não pode ser requerido a qualquer tempo, a esmo, ou seja, deve ser observada a forma prescrita e não defesa em Lei.

Assim, perfeitamente possível o consumidor pleitear a devolução de um produto e/ou serviço até sete dias depois de firmado o contrato ou do recebimento deste, nos termos da Lei, mas após este prazo, a menos que o fornecedor permita, não é possível o direito de arrependimento.

A Lei estabelece prazo mínimo para o exercício do direito, não havendo impedimento algum para que o fornecedor ofereça prazo maior ao consumidor.

Mas, a grande discussão sobre o tema repousa na existência ou não de um contrato, isto é, se a compra feita na internet se der apenas e tão somente em razão do preenchimento de um formulário o prazo para arrependimento cantar-se-á da entrega do produto ou serviço.

Por outro lado, se houver contrato, pouco importará a data da efetiva entrega do produto ou serviço adquirido, tendo o prazo de arrependimento início da data de assinatura do referido pacto, nos termos da Lei.

Grande divergência entre os doutrinadores se estende sobre o tema, mas parece clara a existência de uma conjunção alternativa no textos legal, a conjunção OU, sendo assim, o prazo tem início da entrega e se houver contrato inicia-se da assinatura deste.

Apenas para robustecer a posição adotada linhas acima, importante observar o disposto no artigo 46 do CDC:

Artigo 46 - "Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se seus respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu alcance."

Ora, por tal artigo compreende-se que o os contratos que regulam relações de consumo obrigam os consumidores, desde que estes tenham conhecimento de seu conteúdo e que o pacto seja redigido de forma simplificada para que todos o entendam.

Pelo exposto, se o consumidor preenche formulário com seus dados, aceita o contrato que lhe é oferecido e ainda pouco depois de realizada a transação comercial "on line" recebe um "e-mail" confirmando a referida negociação, contratado está e desta maneira o prazo de arrependimento se inicia da aceitação deste contrato.

Alguns doutrinadores não aceitam o contrato via internet porque não há nestes a assinatura de maneira física. Tal argumento "data maxima venia" não pode ser aceito, a uma por ser absurdo uma vez que não é possível que o consumidor coloque sua assinatura em um contrato realizado pelo computador, a duas por ser contrário a própria definição legal de contrato.

O conceito adotado pelo legislador pátrio para definir contrato é bastante simples, nos dizeres de Wagner Veneziani Costa e Gabriel J.P. Junqueira :

"Contrato é o ato jurídico em que duas ou mais pessoas se obrigam ou convenção, por consentimento recíproco, a dar, fazer, ou não fazer alguma coisa, verificando, assim, a constituição, modificação ou extinção de vínculo patrimonial."

Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil de 1916 define contrato de forma ainda mais simples:

"O contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos."

Pelos argumentos trazidos, conclui-se que o elemento que caracteriza um contrato não é sua assinatura, mas sim a demonstração inequívoca de que as partes contratantes têm conhecimento de seus termos.

Neste sentido, vale ressaltar a chamada função social do contrato, que é a de pacificar as relações jurídicas, harmonizar interesses e pautar a vida na sociedade. Neste diapasão, o contrato teria a função regular a vida em sociedade gerando segurança jurídica a todos, não se pode ignorar a existência de um contrato apenas pela ausência de assinatura física das partes, isto porque o contrato eletrônico é celebrado entre ausentes.

Uma das maiores demonstrações da possibilidade da existência de um contrato sem assinatura das partes é o contrato verbal, que juridicamente possível, necessita apenas da prova inequívoca do conhecimento deste por parte dos contratantes.

Como comentando no início do texto, a sociedade está em evolução, o comércio também, mas não pode o direito ficar estático, porque se isto ocorrer perderemos não só a função social do contrato, mas com ela a função do direito, que fatalmente passará a ser apenas uma porção de Leis sem qualquer aplicação prática, letra morta.

Neste sentido, leciona Silvio Rodrigues:

"Aliás, o extraordinário desenvolvimento do comércio, que impôs a necessidade da célere evolução contratual, só foi possível por um lado, em virtude do aperfeiçoamento do contrato. O contrato vai ser o instrumento imprescritível e o elemento indispensável à circulação dos bens."

Por fim, resta acrescentar o conteúdo do artigo 5º, XXXVI que segundo o qual a Lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, ou seja, o contrato, feito de forma prescrita e não defesa e lei e com o consentimento e a concordância de ambas as partes.

É possível concluir, portanto, que quando houver contrato firmado entre as partes, independentemente de assinatura, mas desde que haja consentimento de ambas, o prazo para arrependimento do consumidor e conseqüente devolução do produto sem qualquer ônus para o consumidor se inicia da assinatura do referido contrato, nos termos da Lei e de acordo com os argumentos mencionados.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

LEI 8078/90 - Código de Defesa do Consumidor.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor : direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000.

SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.1990. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999.

NERY, Nelson Júnior apud GRINOVER, Ada Pellegrini... [et. al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004

Bevilaqua, Covis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 8. ed., São Paulo, 1950, v.IV, obs. 1 ao art. 1.079

Rodrigues, Silvio. Direito Civil, 28. ed., São Paulo, 2002, v. 3

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*Advogado da empresa Webconsult Latin América (São Paulo/SP)






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