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Bravíssima gente!

A juventude não traduz a certeza de acertos. Mas tampouco é causa necessária de erros. Uns e outros independem da idade, como a História vem a cada momento provando. Por isso, à suspeita preconceituosa melhor seria a expectativa esperançosa.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

Atualizado em 13 de fevereiro de 2023 11:23

Repercutiu na imprensa, como preocupante, o fato de, no último concurso destinado ao preenchimento de cargos na magistratura paulista, mais da metade dos aprovados, agora já nomeados, ter idade inferior a 25 anos. Um desses críticos foi o jornalista Antonio Carlos Pereira, no elegante artigo que intitulou Brava gente! (12/11, A4).

Se houve pecado nessas aprovações, mea culpa. É que, por honrosa designação da OAB, compus a banca examinadora do referido concurso e, conseqüentemente, também pelo meu voto aqueles jovens foram aprovados. Ora, talvez por outros motivos venha um dia a expiar a danação eterna. Jamais, no entanto, pelo prestígio à juventude.

Segundo o IBGE, no Brasil as pessoas com menos de 39 anos representam 50,8% da força ativa de trabalho. Só no Estado de São Paulo, por exemplo, mais de 5 milhões de pessoas têm idade inferior a 24 anos, representando cerca de 36% do total de trabalhadores.

Fico a imaginar, portanto, se a censura agora dirigida aos magistrados por equivalentes razões atingisse os médicos, os engenheiros, os contadores ou, talvez, os próprios jornalistas. A todos esses profissionais, pelos mesmos motivos aplicáveis à magistratura, se debitaria "falta de experiência" e, por via de efeito, inaptidão para o exercício de suas atividades.

Os fatos são incontroversos. Na questionada competição, apenas 28,69% dos candidatos inscritos tinham menos que 25 anos. Isso não impediu que, averiguados os seus conhecimentos, títulos e prática forense - tudo isso pacientemente levantado durante todo um semestre - , aquela minoria lograsse a maioria das aprovações (51,79%). Ou seja, no concurso a que todos concorreram em condições parelhas, os mais moços preponderantemente se mostraram mais capazes.

Dir-se-á, com razão, que esses jovens ingressam na judicatura sem prévia e longa vivência. Também é verdade, entretanto, que ninguém adentra carreira alguma com experiência plena. Os tropeços e as cabeçadas fazem parte do processo formativo em toda e qualquer profissão, inclusive na magistratura. E, se a Constituição da República admite que, aos 35 anos, alguém possa ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal, absurdo não haverá em que, antes disso, seja ele incumbido de prestar jurisdição nas pequenas comarcas ou nas causas de pouca complexidade.

De mais a mais, antes de iniciarem a judicatura, os aprovados cursam a Escola da Magistratura, onde são submetidos a aprendizado de qualidade internacionalmente reconhecida. Quando estiverem judicando, contarão com o auxílio dos juízes mais velhos. Sem esquecer que, no estágio probatório anterior ao vitaliciamento, sua atuação será minuciosamente acompanhada pelo Tribunal de Justiça, além de verem as decisões e sentenças que emitiram, na quase totalidade das hipóteses, submetidas ao poder reformador dos colegiados de segundo grau.

A juventude não traduz a certeza de acertos. Mas tampouco é causa necessária de erros. Uns e outros independem da idade, como a História vem a cada momento provando. Por isso, à suspeita preconceituosa melhor seria a expectativa esperançosa.

Afinal, na vida jurídica brasileira e cada um em sua época, Clóvis Beviláqua, Rui Barbosa, Miguel Reale, Moreira Alves e tantos outros demonstraram, e muito bem, que vale a pena confiar nos moços.

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 *Artigo veiculado no dia 21/11/1998 no jornal O Estado de S. Paulo.

Manuel Alceu Affonso Ferreira

Manuel Alceu Affonso Ferreira

Jurista, advogado com ampla atuação no Direito da Comunicação; ex-secretário da Justiça de São Paulo.

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