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O Direito de Regresso, a prescrição e a lei 11.442/2007

Wagner Cardeal Oganauskas e Paulo César Braga Menescal

No apagar das luzes da última legislatura federal, foi aprovada a Lei 11.442/2007, oriunda do Projeto de Lei 4.358/2001, proposto pelo Deputado Federal Feu Rosa (PSDB-ES), contando com a relatoria do Deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE).

segunda-feira, 12 de março de 2007

Atualizado em 9 de março de 2007 13:31


O Direito de Regresso, a prescrição e a lei 11.442/2007

Wagner Cardeal Oganauskas *

Paulo César Braga Menescal **

I - Introdução

No apagar das luzes da última legislatura federal, foi aprovada a Lei 11.442/2007 (clique aqui), oriunda do Projeto de Lei 4.358/2001 (clique aqui) proposto pelo Deputado Federal Feu Rosa (PSDB-ES), contando com a relatoria do Deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE).

Com 24 artigos, a lei não estabelece disposições muito diversas das já constantes no Código Civil de 2002, com exceção dos mecanismos de controle dos transportadores rodoviários de cargas, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a definição da natureza comercial do contrato de transporte rodoviário de carga, a positivação de algumas obrigações do embarcador e a redução do prazo prescricional para um ano, para as pretensões contra os transportadores.

Não mereceria tanta atenção, se não fossem interpretações equivocadas que circulam pelos meios de comunicação, fruto da pouca precisão terminológica de alguns artigos.

Os setores da economia, dependentes do serviço de transporte, manifestaram-se negativamente, alegando que foram estabelecidas vantagens exageradas em favor dos transportadores, em detrimento dos direitos e garantias dos tomadores do serviço e demais partes interessadas.

Alegam que ao contrário do equilíbrio e distribuição equitativa dos ônus contratuais, a norma privilegiou sobremaneira os transportadores, sem atentar para o fato de que o proprietário da mercadoria é a parte mais fraca na relação, posto que a entrega em depósito para ser transportada, sem possuir nenhuma outra garantia que a emissão de um conhecimento de transporte.

Exemplo significativo desta incoerência, segundo afirmam, encontra-se na comparação entre os artigos 10 e 11, §5º. Enquanto ao embarcador é atribuída a responsabilidade pelo pagamento de R$ 1,00 por tonelada/hora, do tempo que exceder o prazo máximo de cinco horas para carga ou descarga, ao transportador é estabelecido o prazo de 30 dias de atraso para entrega da mesma, sem a previsão de qualquer reembolso dos prejuízos suportados pelo proprietário.

Em outras palavras, cabe ao proprietário da carga indenizar o transportador, se houver atraso maior de cinco horas no embarque ou desembarque da carga, não importando se o atraso foi decorrente de fatores outros, tais como as intermináveis filas existentes no Porto de Paranaguá. Entretanto, não há previsão de indenização e nada poderá ser exigido do transportador, antes de 30 dias do prazo acordado para a entrega da carga.

No entanto, após um exame acurado e isento da norma em questão, pode-se concluir que esta, talvez, seja a única "injustiça" realmente existente. As outras questões que têm causado apreensão no mercado, não são reais, mas cultivadas pelos pareceres equivocados divulgados pelas associações de classe dos transportadores.

Os embarcadores e seguradores estão aflitos com a divulgação de notícias, dando conta de que não existiria mais o direito de regresso das seguradoras contra os transportadores, de que estaria abolido o prazo decendial para a realização dos protestos e ressalvas, e quanto aos efeitos da redução do prazo prescricional.

Há inclusive seguradoras, acolhendo a errônea interpretação do fim de direito de regresso, que já anunciaram um aumento mínimo de 40% no valor dos prêmios cobrados nos seguros de transportes. Fato este que tem causado indignação nos embarcadores, e mesmo nos transportadores autônomos de cargas, que temem perder seus poucos fretes para as grandes empresas.

Não se pretende, neste breve arrazoado, esgotar a discussão da norma, mas apenas traçar um breve comentário sobre o escopo de sua criação, contribuindo para o esclarecimento destes temas, com o fim de extirpar as angústias acima narradas.

II - A Responsabilidade do transportador e as excludentes do nexo de causalidade, na lei 11.442/2007

Desde há muito, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram que a responsabilidade do transportador é objetiva, de resultado, iniciando com o recebimento da mercadoria e findando com a entrega da mesma, incólume, no destino.

Esta posição ficou consolidada no art. 750, do Código Civil (clique aqui), e reproduzida no artigo 9º, da Lei 11.442/2007.

Art. 9o A responsabilidade do transportador cobre o período compreendido entre o momento do recebimento da carga e o de sua entrega ao destinatário.

Parágrafo único. A responsabilidade do transportador cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas.

Sendo a responsabilidade do tipo objetiva, somente é afastada se existente alguma das excludentes do nexo de causalidade (caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima). Esses meios de defesa constituem-se na demonstração de atos ou fatos estranhos à conduta do agente, e capazes, por si só, de provocarem o dano.

SÍLVIO DE SALVO VENOSA, expõe que "são excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar." (VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil : Responsabilidade Civil, Vol IV, 3ª ed., 2003, São Pao, Ed. Atlas, p. 40).

Regulando o contrato de transporte, tanto o Código Civil, quanto a Lei 11.442/2007, trazem diversas aplicações práticas da teoria geral das excludentes.

Em especial, a Lei 11.442/2007, no seu artigo 12, enumera em seis incisos, o que denomina de excludentes do nexo de causalidade:

Art. 12. Os transportadores e seus subcontratados somente serão liberados de sua responsabilidade em razão de:

I - ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga;

II - inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga;

III - vício próprio ou oculto da carga;

IV - manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga ou, ainda, pelos seus agentes ou prepostos;

V - força maior ou caso fortuito;

VI - contratação de seguro pelo contratante do serviço de transporte, na forma do inciso I do art. 13 desta Lei.

Parágrafo único. Não obstante as excludentes de responsabilidades previstas neste artigo, o transportador e seus subcontratados serão responsáveis pela agravação das perdas ou danos a que derem causa.

Ocorre que, destes seis incisos, apenas os cinco primeiros constituem real causa de excludente do nexo de causalidade, por constituírem um fato ou ato que exclusivamente venha a ser o causador do dano, e que se mostra estranho à conduta do agente.

No entanto, o mesmo não se verifica na disposição do inciso VI, posto que a contratação de seguro nunca poderia corresponder a uma excludente, ou dito de outra forma, nunca poderia constituir-se em causa exclusiva do dano, capaz de impedir que a conduta do agente contribuísse de alguma forma com a sua realização.

Muito pelo contrário, a existência de um seguro, e o preenchimento das condições para sua cobertura, só vem demonstrar que o transportador é o responsável pelo dano, e não efetuará o pagamento da correspondente indenização, justamente porque os riscos foram garantidos junto a uma seguradora.

Isto posto, o inciso VI não se traduz em uma excludente, mas em uma causa eximente do dever de pagamento da indenização, a qual seria devida diretamente pelo transportador, caso não houvesse sido contratado o seguro.

III - As diversas espécies de seguros envolvendo um contrato de transporte

Antes de adentrarmos especificamente na análise do artigo 13, da Lei 11.442/2007, torna-se necessária uma análise das espécies de seguro decorrentes de um contrato de transporte.

O contrato de seguro, na conceituação do Código Civil, consiste em garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. (art 757)

O objeto da garantia securitária não é um bem ou uma pessoa, mas o legítimo interesse do segurado. O valor do bem é diverso do valor do interesse que o segurado tenha em relação a esse bem. O que se segura é a titularidade de um interesse do segurado, que pode ou não coexistir com a titularidade do próprio bem. A diferenciação é importante para que se possa abstrair o correto sentido da norma.

Pontes de Miranda já afirmava que:

O que se segura não é propriamente o bem, razão por que, nas expressões 'seguro de bens' ou `seguro de coisas` e `seguro de responsabilidade`, há elipse. O que se segura é o status quo patrimonial ou do ser humano (acidentes, vida). Segura-se o interesse positivo como se segura o interesse negativo. Assim, há o seguro contra incêndio, o seguro de vida, o seguro de responsabilidade, que é o seguro para indenizar o que resulte de dívida ou obrigação que nasça ao segurado. O seguro feito pelo afretador ou pelo locatário da embarcação é seguro de responsabilidade (Tratado de direito privado, Parte especial, 3. Ed., São Paulo: RT, 1984, vol. XLV, p.275)

Por isso, pode haver a existência concomitante de mais de um segurado, e em consequencia de mais de uma apólice de seguros, garantindo distintos interesses em relação a um mesmo bem.

O caso clássico, reconhecido pela doutrina e jurisprudência, é justamente o do seguro dos distintos interesses das partes envolvidas em um contrato de transporte. O proprietário da carga e o transportador possuem interesses diferentes, devendo cada qual preservar seus direitos, contratando uma apólice de seguro.

Enquanto o interesse do proprietário é retirado da própria titularidade do bem que se quer preservar durante o trânsito, o do transportador encontra-se fundado na responsabilidade assumida com o recebimento do bem para transporte. O embarcador quer se prevenir dos riscos que possam afetar a sua titularidade; o transportador, dos riscos inerentes às obrigações assumidas.

Tanto é verdade que a legislação pátria regulamenta ambas as formas de contratação. O seguro do transportador, conhecido como seguro obrigatório de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C), foi instituído pelo art. 20, do Decreto-Lei 73/66 (clique aqui), cuja redação abaixo se transcreve:

As pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Público ou Privado, que se incumbirem do transporte de carga, são obrigadas a contratar seguro de responsabilidade civil em garantia e danos sobrevindos à carga que lhes tenha sido confiadas para transportes, contra conhecimento ou nota de embarque.

Esta modalidade de seguro encontra-se atualmente regulamentada pela SUSEP, através da Resolução 123, de 5 de maio de 2005 (clique aqui), visando garantir ao transportador o pagamento de eventuais prejuízos que for obrigado a pagar para o proprietário da carga. Esta modalidade de seguro contempla apenas os casos de danos à carga, e que devam ser indenizados pelo transportador. Ou seja, existindo qualquer excludente do nexo de causalidade, o transportador não será responsável, e o segurador nada terá que pagar.

O seguro do embarcador, denominado de seguro de transporte, encontra-se regulado pela SUSEP, através da Resolução 337, de 25 de janeiro de 2007 (clique aqui) e visa reembolsá-lo de eventuais prejuízos causados à carga durante o transporte, seja o transportador responsável ou não pelo dano.

Interessante observar que referida resolução foi editada após a promulgação da Lei 11.442/2007, e manteve a diferenciação acima apontada, ao estabelecer a vedação da contratação de mais de um seguro de transportes sobre o mesmo interesse e contra os mesmos riscos (art. 8º), e expressamente não isentar a contratação do seguro obrigatório (art. 10)

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto, reconhecendo a distinção entre as duas contratações:

CIVIL. SEGURO. DESFALQUE NA CARGA TRANSPORTADA. Ação proposta pela seguradora, sub-rogada nos direitos do proprietário da carga, o único que fez o contrato de seguro, contra a transportadora. Procedência do pedido, porquanto, se quisesse forrar-se aos riscos do transporte, a transportadora deveria ter contratado outro seguro. Recurso especial não conhecido. (Resp 98.795, DJ 17.03.2003), (clique aqui).

Do corpo deste acórdão se retira:

neste caso existiu somente a contratação do seguro de transporte terrestre, feito pela proprietária da carga (fl. 40 dos autos). Logo, ficou a descoberto por ato próprio a transportadora que não estava impedida de contratar seguro específico"

Também do STJ, colhe-se:

SEGURO. TRANSPORTE DE CARGA. O artigo 1.437 do Código Civil (clique aqui) , não inibe o transportador de contratar o seguro da carga, ainda que o proprietário desta já o tenha feito. Recurso especial não conhecido. (Resp 160.001, DJ: 11.11.2002)(clique aqui).

Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul citam-se duas decisões, sendo a primeira de relatoria do ilustre Desembargador Araken de Assis:

"COMERCIAL. SEGURO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO.

1. É inadmissível a denunciação da lide quando ela se baseia em direito autônomo, que introduzirá fundamento jurídico novo na lide. Inteligência do art. 70, III, do CPC. No transporte rodoviário, coexistem, sem ofensa ao art. 1.437 do CC, o seguro voluntário e o seguro obrigatório. Tem a seguradora, que indenizou o proprietário da carga sinistrada, ação perante o transportador. 2. APELAÇÃO DESPROVIDA.". (TJ/RS, AC 597154533)

O seguro de transporte terrestre feito pelo proprietário da carga não aproveita a transportadora, que deveria ter contratado seu próprio seguro. Natureza distinta de ambos os seguros que podem coexistir sem ofensa ao art. 1.437, do Código Civil. Ainda mais que os riscos transferidos são diferentes. O seguro de transporte terrestre é mais amplo que o obrigatório do transportador. Precedente jurisprudencial. (TJ/RS, AC 194012027).

Após essa breve e necessária exposição passa-se a análise do artigo 13, da Lei 11.442/2007.

IV - A correta interpretação do artigo 13, da Lei 11.442/2007

Assim dispõe referido dispositivo:

Art. 13. Sem prejuízo do seguro de responsabilidade civil contra danos a terceiros previsto em lei, toda operação de transporte contará com o seguro contra perdas ou danos causados à carga, de acordo com o que seja estabelecido no contrato ou conhecimento de transporte, podendo o seguro ser contratado:

I - pelo contratante dos serviços, eximindo o transportador da responsabilidade de fazê-lo;

II - pelo transportador, quando não for firmado pelo contratante.

Parágrafo único. As condições do seguro de transporte rodoviário de cargas obedecerão à legislação em vigor.

Como se observa, o texto legal admite a existência de um seguro obrigatório, regulado pela legislação em vigor, contra perdas e danos causados pelo transportador à carga, e que poderá ser contratado ou pelo transportador ou pelo tomador dos serviços.

Consoante a exposição acima traçada, outro não poderia ser esse seguro que o de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário - Carga (RCTR-C), regulado pela legislação em vigor, a qual faz expressa remissão o artigo citado, e amplamente admitido pelos Tribunais.

O fato do inciso I estabelecer que este seguro poderá ser contratado pelo proprietário das mercadorias, em nada desafia a tese exposta.

É que com fundamento nos artigos 436 a 438, do Código Civil, a SUSEP editou a resolução 134, de 03 de outubro de 2005, determinando que, nos seguros de RCTR-C, a estipulação da apólice possa ser realizada por terceiro, em favor do transportador, na forma do disposto no contrato de transporte. Veja-se:

Art 1º...

"§ 2 o Neste contrato, o Segurado é, exclusivamente, o Transportador Rodoviário de Carga, devidamente registrado no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)."

Art. 2º.

"§ 4o. É facultada a estipulação da apólice por terceiros, sem prejuízo das disposições desta Resolução, em particular os parágrafos 2º e 3º deste artigo, e os artigos 19 e 20 destas Condições Gerais."

Neste caso, o segurado é o transportador, cujos riscos derivados da sua responsabilidade encontram-se garantidos através de apólice contratada pelo tomador dos serviços de transporte.

Isto posto, tem-se que o art. 12, inciso VI, mostra-se de todo desnecessário, pois institui uma condição que exime o transportador de pagar os danos, justamente porque o embarcador da carga contratou um seguro garantindo sua responsabilidade. A existência do seguro RCTR-C, por si só, e independente de previsão legal, já exime o transportador do pagamento, na forma das condições contratadas.

Esta é a expressa disposição constante do art. 788, do Código Civil: No seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

No entanto, as associações de classe dos transportadores rodoviários têm veiculado na imprensa, que a interpretação conjunta dos artigos 12, inciso VI e do artigo 13 isentaria os transportadores da responsabilidade por qualquer dano ocorrido com a carga, quando o embarcador houvesse garantido seus interesses através da contratação do seguro de transporte.

Esta interpretação, equivocada e dissociada do comando normativo, tem causado apreensão desnecessária no mercado segurador e entre os que utilizam o transporte rodoviário de cargas. Os primeiros seriam prejudicados com o fim do direito de regresso; os segundos, com a escalada vertiginosa dos valores dos prêmios.

Se houvesse alguma mínima possibilidade de vincar a tese dos transportadores, a norma jurídica teria criado uma causa de "irresponsabilidade" civil.

O que impediria o transportador, no curso da viagem, de vender a carga no mercado paralelo, valer-se do disposto no inciso VI, do art. 12, para que o segurador indenizasse o segurado, ficando com os frutos do ato ilícito, sem precisar responder civilmente? Que seguradora aceitaria garantir os riscos de uma carga valiosa, se não pudesse imputar a responsabilidade de eventual prejuízo ao transportador?

Se este fosse o conteúdo da norma, ela não só violaria toda a sistemática do Direito Civil, mas também a própria Constituição Federal, que estabelece, entre os direitos e garantias fundamentais, a reparação integral de todo e qualquer prejuízo (art. 5º, inciso V).

A CF/88 (clique aqui), ao assim dispor, estabeleceu que a regra de conduta exigível dentro da sociedade é a da responsabilidade, e consequente reparabilidade dos danos provocados.

Ainda que em algum momento da tramitação legislativa, tenha sido cogitada esta aberrante idéia, felizmente ela não foi absorvida pela norma, preservando assim sua constitucionalidade.

V - Os Protestos e as Vistorias

Dúvidas também têm surgido quanto aos procedimentos de protesto e vistoria, realizados como fim de resguardar o direito do embarcador ou da sua seguradora, em face da redação do artigo 9º, da Lei 11.442/2007:

Art. 9. A responsabilidade do transportador cobre o período compreendido entre o momento do recebimento da carga e o de sua entrega ao destinatário.

Parágrafo único. A responsabilidade do transportador cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas.

Ainda que redigida de forma quase idêntica ao caput, do artigo 754, do Código Civil, transmite a falsa idéia de que as avarias ou perdas parciais somente podem ser reclamadas, se houver a ressalva ou o protesto concomitante com a entrega da carga.

Para a correta comparação, veja-se a redação do artigo 754, do Código Civil:

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

Não tendo a lei revogado as disposições do Código Civil, em especial o § único, do artigo 754, deve haver a interpretação integrativa de ambos os diplomas.

Neste sentido, enquanto o caput do artigo 754, do Código Civil e o art. 9º, da Lei 11.442/2007, regulam os casos de avaria aparente, o parágrafo único, do artigo 754, regula as pretensões por falta parcial ou avaria oculta da coisa, sendo mantido o decêndio legal para a postulação.

VI - A prescrição

O artigo 18, da Lei 11.442/2007, reduziu para um ano o prazo prescricional, para as pretensões de reparação civil oriundas de falha na prestação de serviço do transporte rodoviário de carga. Veja-se:

Art. 18. Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada.

Anteriormente, ante a ausência de disposição específica, a jurisprudência e doutrina aplicavam ora o prazo de três anos, do artigo 206, §3º, inciso V, do Código Civil, ora o prazo de três anos, do art. 27, do Código de Defesa do Consumidor.

Com certeza, a partir de 5 de janeiro de 2007, o prazo prescricional será de um ano. A discussão se coloca quanto aos inúmeros casos ocorridos antes de sua vigência.

Trata-se de matéria afeita ao direito intertemporal, com seus princípios balizadores retirados da Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVI) e da Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º).

É bem clara e precisa a lição de Roubier (Lês Conflits dns lê Temps, 1933, 2º vol. P. 242/243):

No caso em que a lei nova reduz o prazo exigido para a prescrição, a lei nova não pode ser aplicada ao prazo em curso sem se tornar retroativa, como ficou dito antes, p. 232. Daí resulta que o prazo novo que ela estabelece, começará a contar somente de sua entrada em vigor; entretanto, se o prazo fixado pela lei antiga deveria terminar antes da lei nova, mantém-se a aplicação da lei antiga, havendo aí um caso de sobrevivência tácita desta lei, porque seria contraditório que uma lei, cujo fim é diminuir a prescrição, pudesse alongá-la.

WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, analisando o Código Civil Alemão, sugere que: "Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência, há que se distinguir: a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo estabelecido pela lei anterior; b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigência desta".1

O entendimento acima anunciado foi acatado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgados, dos quais cita-se:

"Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo" (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.7.58).

"Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência" (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DJ de 28.04.78).

Ainda que alguns poucos tentem manter o prazo da lei antiga em qualquer circunstância, sob a alegação de que existiria direito adquirido, por ser matéria já há muito debatida, não será objeto de maior apreciação, bastando dizer que a prescrição é matéria de ordem pública, pelo que não poderia o interesse da coletividade ser sobreposto pelo particular.

O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre a matéria por inúmeras vezes, sendo interessante citar o seguinte julgado:

A prescrição em curso não cria direito adquirido, podendo seu prazo ser reduzido ou dilatado por lei superveniente, ou ser transformada em prazo de decadência, que é ininterruptível (STF, RE 21.341, Rel. Min. Nelson Hungria)

Portanto, o entendimento a ser adotado é o mesmo expresso por Paulo Henrique Cremoneze Pacheco e Marcio Roberto Gotas Moreira, no artigo intitulado A nova lei de transporte rodoviário de carga e a questão intertemporal:

Sugerimos, portanto, que seja aproveitado o prazo já decorrido sob o domínio da lei antiga, estabelecendo-se uma continuidade entre o passado e o presente, sempre (e exclusivamente nesta hipótese) que o não-aproveitamento do prazo já decorrido implicar aumento do prazo prescricional previsto na lei revogada.

VII - Conclusão

Não há motivos para os receios que têm sido difundidos no mercado, com a aprovação da recente lei 11.442/2007, posto que são fruto de uma interpretação equivocada da norma, e difundida por interesse das associações de transportadores rodoviários de cargas.

As seguradoras continuam a contar com o direito de regresso contra o transportador rodoviário de carga, tal como antes da promulgação da lei, pois a única novidade foi a previsão já constante nos normativos da SUSEP de que o seguro RCTR-C, pode ser estipulado pelo embarcador da mercadoria, eximindo o transportador do pagamento da indenização.

Continua a vigorar o procedimento e prazo para realização dos protestos e ressalvas em caso de perda parcial ou de avaria não perceptível, a que alude o artigo 754, do Código Civil.

A prescrição de um ano deve ser aplicada aos contratos executados após 5 de janeiro de 2007 e nos anteriores, desde que o prazo antigo não seja inferior a um ano.

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1 BATALHA, Wilson de Souza Campos, in Lei de Introdução ao Código Civil, cit. por GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, in Novo Curso de Direito Civil, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 508.

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* Advogado atuando em Curitiba/PR, graduado pela Faculdade de Direito da USP, especialista pela Universidad La Sabana, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e pelo Instituto de Ensino e Fomento.

* Advogado militante há mais de 25 anos junto ao mercado segurador, militando atualmente em Curitiba/PR, graduado pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas.





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