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O bloqueio de bens como ameaça à cidadania

Assim que assumiu a Advocacia Geral da União, o Dr. José Antônio Dias Tóffoli compareceu ao gabinete da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Grace, em companhia do Ministro Guido Mantega, transmitindo-lhe o interesse do Executivo por dois projetos de lei que serão encaminhados ao Congresso no começo de abril. Ao que consta, o Presidente da República está empenhado em promover a agilidade das cobranças dos tributos, sem que isso ocorra através da via própria, que é o Judiciário.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Atualizado em 15 de março de 2007 14:41


O bloqueio de bens como ameaça à cidadania

Aristoteles Atheniense*

Assim que assumiu a Advocacia Geral da União, o Dr. José Antônio Dias Tóffoli compareceu ao gabinete da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Grace, em companhia do Ministro Guido Mantega, transmitindo-lhe o interesse do Executivo por dois projetos de lei que serão encaminhados ao Congresso no começo de abril. Ao que consta, o Presidente da República está empenhado em promover a agilidade das cobranças dos tributos, sem que isso ocorra através da via própria, que é o Judiciário.

O argumento trazido pelo Ministro Guido Mantega é que a União somente consegue recuperar 1% do total devido. Assim, com a criação da Lei Geral de Transações que modificará a lei de execução fiscal, será possível alcançar pelo menos 5% dos débitos. A iniciativa importará na realização de penhora sem autorização da justiça, à exceção dos casos de indisponibilidade geral dos bens do devedor e bloqueio do faturamento das empresas com dívidas em execução judicial.

Na vigência do regime militar foi instituída a execução extrajudicial. Naquele processo o devedor sofria a constrição do Estado, sendo despojado de seus bens sem poder recorrer ao Judiciário em defesa dos seus direitos. Naquele regime de exceção, como ainda hoje acontece, a Constituição prescrevia que nenhuma lesão ao direito individual poderia escapar à apreciação da justiça. Causa espécie a justificativa oferecida pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional de que a nova lei dará maior facilidade ao contribuinte para suspender "processo de cobrança na justiça", pois, este, após receber a notificação, disporia de prazo de 90 dias para apresentação de parcelamento do débito que lhe está sendo exigido.

Assim, com a criação da "Câmara de Conciliação da Fazenda Pública" a dívida que, em princípio, seria incobrável, deixará de ser "uma bola de neve por causa de multas, juros e encargos, o que colocou o devedor em situação de inviabilidade". Tudo indica que o respeito à Constituição, a esta altura, não passa de uma ficção e o compromisso assumido pelo Presidente da República, no ato de sua posse em defendê-la, importou somente num compromisso transitório, que deve ser esquecido o quanto antes.

É de se estranhar, ainda, que o novo advogado Geral da União, ao invés de esforçar-se no sentido de que a União não continue a recorrer sistematicamente das decisões que lhe são desfavoráveis, esteja mais interessado em aumentar o caixa do Tesouro, pretextando com a dívida ativa em curso que soma R$ 600 bilhões. O Brasil é tido e havido como país que tem a maior carga tributária do mundo. O que é reconhecido, inclusive, pelos nossos credores internacionais. Importa num desatino pretender impedir que o devedor fiscal não possa defender seus direitos através do devido processo legal, ficando, doravante, sujeito a um novo sistema que traz a esdrúxula justificativa de que, com a sua implantação, serão reduzidos, em quinze anos, 75% do número de processos de execução tramitando na justiça.

Quanto à anunciada Câmara de Conciliação, que terá autonomia para decidir sobre dívidas de até R$10 milhões, convém ressaltar que a sua composição contará apenas com procuradores da Fazenda, auditores da Receita Federal e membros do Tribunal de Contas da União, sendo de se estranhar que dela não participem os contribuintes e a classe dos advogados. Conforme advertiu Gandhi, "uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias". Se o Executivo pretende adotar métodos arbitrários, visando maior arrecadação, através do direito da força, que exercia no Congresso, e não da força do direito que promana da Constituição, a cidadania enfrentará sério risco. É sinal de que a minoria de que falava Gandhi e o próprio povo não têm para um governo que se dizia portador de um projeto social importância alguma, a não ser às vésperas das eleições.

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*Advogado do escritório Aristoteles Atheniense Advogados e conselheiro Federal da OAB

 

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