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Foro privilegiado

O foro especial, foro por prerrogativa de função ou ainda o foro privilegiado foi contemplado inicialmente pela Constituição imperial, de 1824, quando se conferia ao Senado competência para conhecer dos delitos individuais praticados pelos membros da Família Real, Ministros, Conselheiros, Senadores e Deputados, art. 47; a Constituição Republicana de 1891, bem como todas as que lhe seguiram, não só manteve como ampliou o instituto.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Atualizado em 11 de setembro de 2007 11:54


Foro privilegiado

Antonio Pessoa Cardoso*

O foro especial, foro por prerrogativa de função ou ainda o foro privilegiado foi contemplado inicialmente pela Constituição imperial, de 1824 (clique aqui), quando se conferia ao Senado competência para conhecer dos delitos individuais praticados pelos membros da Família Real, Ministros, Conselheiros, Senadores e Deputados, art. 47; a Constituição Republicana de 1891 (clique aqui), bem como todas as que lhe seguiram, não só manteve como ampliou o instituto.

A Constituição atual (clique aqui) confere ao Supremo Tribunal Federal competência para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os Ministros e o Procurador-Geral da República, quando acusados pela prática de infrações comuns, art. 102, inc. I, "b"; na letra "c" do mesmo dispositivo amplia as benesses para outras autoridades.

O número de brasileiros contemplados com o foro especial no Executivo, no Legislativo e no Judiciário não era grande, mas hoje são milhares; no Executivo, até antes da Constituição os Prefeitos, mais de 5.500 (cinco mil e quinhentos), eram processados no local do crime; com a Constituição atual ganharam o privilégio de responderem às ações penais nos tribunais de justiça, distantes do local do cometimento da infração e com todas as dificuldades para instrução do processo.

Buscava-se com o instituto proteger o mandato, o exercício da função de determinadas autoridades, quando submetidas a julgamento. Todavia, o horizonte alcançado passou da raia do absurdo para inviabilizar a conclusão de processos criminais cometidos pelos "privilegiados". Não se entende proteção de mandato para o cidadão, político ou não, que pratica crimes comuns e até mesmo pequenas infrações; o processo e julgamento dos infratores à lei, ainda mais quando a autoria é dos que executam, dos que fazem e dos que fiscalizam o cumprimento da lei, não devem ser deslocados do local onde se praticou o crime, com todos os obstáculos naturais para seu andamento; o espírito constitucional de tratamento igual para todos e a preservação da ordem jurídica não combinam com a proteção aos inescrupulosos.

Membros do Executivo, do Legislativo e do Judiciário já se submetem aos juizes de 1ª instância nas causas cíveis e trabalhistas, portanto, não há justificativa para merecer o privilégio de foro na justiça criminal. São pessoas esclarecidas e tem maior obrigação, legal e moral, de obedecer às leis do país.

O acesso aos tribunais superiores é difícil, porque caro, lento e cheio de maiores formalidades; os agentes públicos e os políticos querem ser julgados aí, porque esperam ser favorecidos, vez que responsáveis pelas nomeação dos seus membros.

Crê-se que um dos poucos deputados condenados pela prática de crime, no STF, tenha sido Francisco Pinto, da Bahia, no período ditatorial, 1970, quando teve a coragem de emitir sua opinião e protestou contra a visita ao Brasil do ditador chileno, General Augusto Pinochet, responsável pela matança de muitos chilenos.

Nosso sistema judicial é semelhante ao americano e lá não existe o foro privilegiado pelo exercício de função. Bill Clinton, acusado de assédio sexual, foi julgado por um juiz de 1º grau. Constituições de outros paises admitem o instituto, mas em nenhum deles com a amplitude consignada no Brasil.

A Constituição de 1946 (clique aqui), a mais democrática das Constituições, previa competência do STF para o processo e julgamento dos crimes comuns contra o Presidente da República, seus Ministros e o Procurador-Geral; imprimiu o mesmo tratamento dispensado pelas Constituições anteriores, quando submetia o processo criminal à concessão de licença dos próprios congressistas, art. 45; a Emenda Constitucional n°. 01 de 1969 (clique aqui) incluiu no foro privilegiado os deputados e senadores. A Constituição atual conferiu ao Congresso Nacional o poder de suspender andamento de ação penal contra deputados federais e senadores, parágrafo 3º, art. 53.

Medidas casuísticas têm sido a tona do Congresso: a PEC n°. 358/2005, continuidade da reforma do Judiciário, prevê o foro privilegiado para ex-titulares de cargos públicos, a exemplo dos prefeitos, além de conferir ao STF e ao STJ competência exclusiva para julgamento das ações civis públicas e ações populares; no ano de 2004, por iniciativa do Executivo, através da Medida Provisória n°. 207 (clique aqui), foi concedido ao presidente do Banco Central status de ministro e conseqüente foro privilegiado, com direito de ser julgado pelo STF, apesar da absoluta inconstitucionalidade da medida; a Lei n°. 10.628/2002 (clique aqui) alterou o art. 84 do CPP (clique aqui), conferindo competência aos tribunais, e não mais aos juizes do local do crime, para o processo e julgamento dos crimes de improbidade administrativa, praticados pelos agentes no exercício da função pública. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a lei e acabou com o foro especial por prerrogativa de função.

Os Projetos de Leis n°s. 268/2007 e 1.277/2007, dando prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em processos criminais e de responsabilidade contra agentes públicos, em nada alivia os tribunais na instrução e julgamento dos "privilegiados", pois, além da falta de estrutura, tem prioridade semelhante, por exemplo, os processos contra idosos.

Projeto com alguma substância é o que cria juizado de instrução, dando competência a juizes e desembargadores para auxiliar os desembargadores ou ministros em ações penais originais dos tribunais de 2º grau ou dos tribunais superiores; o projeto de lei que cria tribunal especial para julgar casos de corrupção daria maior agilidade a tais processos.

Estudos promovidos pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) mostram que, entre os anos de 1988 e 2007, nenhuma das 130 ações criminais iniciadas no STF contra autoridades que tem o foro privilegiado resultou em condenação; no STJ, desde 1989, quando foi criado, tramitaram 483 ações penais, das quais apenas 5 condenações.

O combate ao crime de corrupção exige Cortes especiais e eliminação do foro especial, pois, como já se disse, "não é a severidade da pena, mas a velocidade com a decisão punitiva que acaba com a noção de impunidade".

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*Desembargador do TJ/BA






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